30/04/2010

Hereges, de Chesterton, será publicado em português, pela primeira vez

 

Acabo de assinar contrato com uma editora que publicará minha tradução de Hereges de Chesterton. Por força deste contrato, apaguei todos os posts referentes aos capítulos deste livro. Espero que os leitores do blog entendam a situação.

Brevemente estarei anunciando a publicação do livro. Há planejamento de lançamento do mesmo em várias capitais do Brasil. Rezem para que o projeto dê certo, pois a editora está interessada em publicar mais traduções de Chesterton.

Reflexões sobre a situação atual da Igreja

 

Estamos presenciando neste momento um ataque geral contra a Igreja, na pessoa do Papa Bento XVI. O mundo está revoltado com a Igreja por um motivo que não o faz revoltado com ninguém mais. Tudo gira em torno da pedofilia. É claro que soará como uma piada diante do mundo dizer que a Igreja praticamente acabou com a pedofilia ao longo dos séculos desde a antiguidade. A pedofilia era prática comum na antiguidade. Desde que os valores da Igreja tornaram-se hegemônicos, a pedofilia tendeu a desaparecer do mundo. Isso ocorreu também com vários males que, com o desaparecimento dos valores cristãos do coração dos homens nos últimos séculos, estão voltando à superfície como, por exemplo, a escravidão. Este simples fato histórico é, como disse, piada para o mundo, tal o estado de desespero em que ele se encontra.

Muitos católicos estão atônitos e consternados com os ataques que a Igreja anda sofrendo, como se ela não tivesse sofrido ataques em toda a sua existência; como se seu Criador não nos tivesse alertado para a perseguição que o mundo nos faria depois de Sua Ascensão, e durante todos os séculos. O que é realmente impressionante é que o mundo não nos tenha atacado tanto durante os últimos 40-50 anos, período no qual a Igreja, na pessoa dos seus mais altos representantes, teve a pretensão de fazer as pazes com o mundo. A frase que selou esta paz foi a do Papa Paulo VI, em seu discurso de encerramento do Concílio Vaticano II: “a religião do Deus que Se fez homem, encontrou-se com a religião do homem que se fez Deus”. É uma frase impressionante vinda da boca de um papa. É a frase-síntese de um período em que a Igreja não foi atacada pelo mundo.

Agora que temos um papa que não subscreve esta frase, que acha que a Igreja tem muito que ensinar ao mundo, o mundo está reagindo. A Igreja está no lugar certo e o mundo no lugar errado, como sempre. O mundo não está atacando a Igreja por causa da pedofilia, pois sem a Igreja o mundo voltará à pedofilia. O mundo está atacando a Igreja porque ele é seu inimigo, porque seu príncipe é satanás. Muitos perguntam: porque a mídia, que é tão rápida em atacar a Igreja nos casos de pedofilia, não ataca também os líderes religiosos de outras religiões, cristãs e não cristãs, pelo mesmo motivo, não ataca os espíritas, pelo mesmo motivo, não ataca os intelectuais e professores universitários, pelo mesmo motivo? Ora, é fácil entender por quê. É que não se trata da pedofilia, senão do ódio que se tem da Igreja. Não é um ódio ao cristianismo, esta expressão pastosa e quase sem sentido, que hoje em dia identifica uma pletora de denominações protestantes, cujo número ultrapassa 10.000; isto mesmo, dez mil. É um ódio à Igreja Católica Apostólica Romana. Esta Igreja agora, sob o reinado de Bento XVI, está condenando o mundo, pouco a pouco, cautelosamente, como é do estilo do papa; mas está condenando. E isso é inaceitável para o mundo.

Mas existe outro aspecto deste ataque, este mais sutil, mais difícil de perceber. Chesterton, na sua época, percebeu a sutileza. Tal sutileza consiste no seguinte. O mundo paradoxalmente não admite nenhuma falha nos membros da Igreja. O mundo parece se horrorizar quando algum padre faz algo de errado. Chesterton dizia que isso é a maior homenagem que o mundo presta à Igreja, pois com isso, ele mostra que considera a Igreja santa, uma instituição que não pode ser maculada por membros corruptos e apodrecidos. É a homenagem que o doente presta ao médico, mesmo reclamando do tratamento. Neste sentido, devemos agradecer ao mundo tal louvor. Devemos renovar as garantias que o tratamento continuará, até o final dos tempos. As garantias não são nossas, é claro, mas d’Ele que fundou a Igreja e que garante sua existência, com a de todos nós.

Assim, o ataque atual, como todos os outros ataques, tem essa dupla característica; uma motivação destruidora e um louvor. Desde que a Igreja não queira se voltar para o mundo para fazer as pazes com ele, como parece ter querido nas últimas décadas, o mundo a atacará por estes dois motivos. Enquanto a Igreja estiver sendo atacada pelo mundo, temos garantias de que ela está no lugar certo.

26/04/2010

Orlando Fedeli e eu

 

Notas do blog: 1) É inevitável, dada a situação das coisas, e depois do post Olavo de Carvalho e eu, que muitos leitores me perguntassem o que eu penso sobre o Prof. Orlando Fedeli. Isso porque parece que o mundo está atualmente dividido entre olavetes e orlandetes. Quando aparece algum ser estranho que consegue admirar os dois grandes brasileiros, que consegue ser grato a ambos, que consegue reconhecer o papel de ambos em sua própria vida, isto parece ser uma aberração. E, como todos sabem, as aberrações têm sempre que se explicar.

2)Há um depoimento sobre o Prof. Orlando de pessoa muito mais competente, Sidney Silveira, no ContraImpugnantes. Contudo, resolvi dar o meu modesto depoimento em resposta aos meus leitores.

Conheço pessoalmente o prof. Orlando há uns quatro anos. Encontro com ele, em suas visitas a Belo Horizonte, de duas a três vezes por ano. Assisto suas conferências, que muito aprecio.

Ironicamente, conheci o prof. Orlando por meio da famosa polêmica que ele manteve com Olavo de Carvalho lá pelos anos 1999-2000. Naquela época, já conhecia o prof. Olavo e, através dele, conheci o prof. Orlando. Assim, o prof. Olavo me apresentou o prof. Orlando.

De lá para cá, não há um dia que não consulte o site da Montfort. O prof. Orlando teve um papel muito grande na minha re-conversão. Ele sabe disso. Ele é um homem imprescindível, pois, é fonte seguríssima da Doutrina Católica. Nunca deixei de encontrar nele ou em sua página na Internet respostas para as minhas perguntas sobre a Igreja ou seus inimigos. Quando alguém me pede alguma coisa para ler sobre algum aspecto da doutrina da Igreja, não tenho dúvida em direcioná-lo para o site da Montfort. Meus filhos, em suas dúvidas, estão constantemente a consultá-lo.

Quem mora em São Paulo tem um raro privilégio, que é o de freqüentar os cursos que são dados pela Associação Montfort, que cobre uma ampla gama de assuntos católicos. Desde o Catecismo Romano, que é ministrado por sua esposa, até aulas de latim, passando por história da Igreja, arte sacra, etc. Sua esposa mantém um colégio católico de ensino fundamental e médio. Fazem isso tudo por amor à Igreja de Cristo.

O prof. Orlando é um homem incansável em sua obra em prol da Igreja e da conversão dos hereges e ateus. Em suas conferências, por todo o Brasil, se a audiência ou os organizadores não o instarem a parar nas horas do almoço e dos lanches, ele é capaz de falar por horas a fio, com a mesma verve, a mesma competência, o mesmo amor a Cristo. E ele já não tem nem idade, nem saúde para tanto. Faz isso por caridade.

Quase tudo que sei da doutrina da Igreja, comecei sabendo com o prof. Orlando. Quando me pedem para fazer alguma conferência sobre aspectos do catolicismo, minha primeira consulta sobre bibliografia é na Montfort. Se querem saber sobre cruzadas, inquisição, crise atual da Igreja, Concílio Vaticano II, espiritismo, sobre a devoção à Nossa Senhora, etc., a Montfort é um bom começo.

Uma das coisas que aprendi na vida é que quando nos encontrarmos frente a frente com um grande homem, a capacidade de reconhecê-lo é uma das mais importantes. Se não reconhecemos um grande homem, não reconhecemos a pequenez que existe em nós. O prof. Orlando é um grande homem. Graças a Deus ele é católico. Graças a Deus ele quer nos ensinar. Graças a Deus ele é um excelente professor. Que Deus o mantenha por muito tempo entre nós!

20/04/2010

A investida de Moscou contra o Vaticano

Corromper a Igreja foi uma prioridade da KGB[1]

Nota do Blog: Ao mesmo tempo em que a KGB tentava corromper a Igreja, objetivando sua destruição, altos prelados eclesiais, com pleno conhecimento do Papa João XXIII, negociavam e firmavam com o Kremlin o fatídico acordo de Metz, que calou a boca do Concílio Vaticano II sobre a heresia mais insidiosa da época: exatamente o comunismo. O Vaticano II foi o único concílio ecumênico, de todos que a Igreja fez até então, que não condenou a heresia de seu tempo.

Ion Mihai Pacepa[2]

Tradução: Guilherme Ferreira Araújo

A União Soviética nunca se sentiu confortável por ter de conviver com o Vaticano no mesmo mundo. As revelações mais recentes documentam que o Kremlin estava preparado para fazer tudo o que fosse preciso para agir contra o sólido anti-Comunismo da Igreja Católica.

Em Março de 2006, uma comissão parlamentar italiana concluiu “além de qualquer dúvida razoável que os líderes da União Soviética tomaram a iniciativa de eliminar o Papa Karol Wojtyla”, em retaliação a seu apoio ao movimento dissidente polonês Solidariedade. Em Janeiro de 2007, quando documentos relevaram que Stanislaw Wielgus, então recém-nomeado arcebispo de Varsóvia, havia colaborado com a polícia política do período comunista da Polônia, ele admitiu a acusação e renunciou. No dia seguinte, o pároco da Catedral Wawel de Cracóvia, lugar do sepultamento de reis e rainhas poloneses, renunciou pela mesma razão. Então, descobriu-se que Michal Jagosz, um membro do tribunal do Vaticano que está considerando a santidade do recém-falecido Papa João Paulo II, foi acusado de ter sido um agente da polícia secreta comunista; de acordo com a mídia polonesa, ele foi recrutado em 1984 antes de deixar a Polônia para realizar uma tarefa no Vaticano. Presentemente, está prestes a ser publicado um livro que identificará outros 39 padres cujos nomes foram encontrados nos arquivos da polícia secreta de Cracóvia, alguns dos quais agora são bispos. Além disso, isso parece apenas arranhar a superfície. Em breve uma comissão especial começará a investigar o passado de todos os servos religiosos do período comunista, porquanto se acredita que milhares de padres católicos em todo aquele país colaboraram com a polícia secreta. E isso apenas na Polônia — os arquivos da KGB e os da polícia política no resto do antigo bloco soviético ainda têm de ser abertos conforme o tema das operações contra o Vaticano.

Em minha outra vida, quando eu estava no centro das guerras de inteligência externa de Moscou, eu mesmo fui surpreendido por uma tentativa deliberada do Kremlin de manchar o Vaticano por meio do retratar o Papa Pio XII como um insensível simpatizante do Nazismo. No final das contas, a operação não causou nenhum dano permanente, mas ela deixou um gosto amargo residual difícil de ser enxaguado. A história nunca foi contada anteriormente.

COMBATENDO A IGREJA

Em Fevereiro de 1960, Nikita Kruschev aprovou um plano super-secreto para destruir a autoridade moral do Vaticano na Europa Ocidental. A ideia foi uma invenção de Aleksandr Shelepin, presidente da KGB, e de Aleksey Kirichenko, o membro do Politburo Soviético responsável pelas relações internacionais. Até aquele momento, a KGB havia combatido seu “inimigo mortal” na Europa Oriental, onde a Santa Sé havia sido duramente atacada como um escoadouro de espionagem pago pelo imperialismo norte-americano, e seus representantes foram sumariamente presos como espiões. Agora Moscou queria ver o Vaticano desonrado por seus próprios padres em seu território nacional como um bastião do Nazismo.

Eugenio Pacelli, naquela altura Papa Pio XII, foi escolhido como principal alvo da KGB, sua encarnação do mal, porque ele deixara este mundo em 1958. O slogan mais recente da KGB era “homens mortos não podem se defender”. Moscou tinha acabado de ganhar um “olho roxo” por ter incriminado falsamente e encarcerado um prelado ativo do Vaticano, Cardeal József Mindszenty, o primaz da Hungria, em 1948. Durante a Revolução Hungariana de 1956, ele escapou da prisão e encontrou asilo na Embaixada Norte-Americana em Budapeste, onde começou a escrever suas memórias. À medida que os detalhes de como ele foi incriminado falsamente se tornaram conhecidos para os jornalistas ocidentais, ele passou a ser amplamente visto como um mártir e herói santo.

Porque Pio XII havia servido como núncio apostólico em Munique e Berlim, quando os nazistas estavam dando início à sua tentativa para alcançar o poder, a KGB queria retratá-lo como um anti-semita que promoveu o Holocausto. O empecilho estava no fato de que a operação não poderia deixar o menor sinal de envolvimento do bloco soviético. Todo o trabalho sujo deveria ser executado por mãos ocidentais, usando provas do próprio Vaticano. Isso corrigiria outro erro cometido no caso Mindszenty, que havia sido incriminado falsamente com documentos soviéticos e hungarianos falsificados. (Em 6 de Fevereiro de 1949, dias antes do término do julgamento de Mindszenty, Hanna Sulner, a hungariana especialista em caligrafia que fabricou as “provas” usadas para incriminar falsamente o cardeal, fugiu para Viena e revelou microfilmes dos “documentos” a partir dos quais foi montado o falso julgamento. Hanna demonstrou, num testemunho dolorosamente detalhado, que todos eram documentos falsificados, produzidos por ela, “alguns aparentemente pelas mãos do cardeal, outros portando sua suposta assinatura”.) Para evitar outra catástrofe como a do caso Mindszenty, a KGB precisava de alguns documentos originais do Vaticano, até mesmo os que eram ligados remotamente a Pio XII, os quais seus especialistas em dezinformatsiya poderiam modificar levemente e projetar a “luz apropriada” para provar o verdadeiro “caráter” do Papa. A dificuldade estava no fato de que a KGB não tinha acesso algum aos arquivos do Vaticano, e foi aí que o meu DIE, o serviço romeno de inteligência externa, entrou em cena. O novo dirigente do serviço soviético de inteligência externa, General Aleksandr Sakharovsky, criou o DIE em 1949 e havia sido até recentemente o nosso principal mentor soviético; ele sabia que o DIE estava numa excelente situação para contatar o Vaticano e obter consentimento para investigar seus arquivos. Em 1959, quando fui designado para a Alemanha Ocidental, na posição de cobertura como agente superior da Missão Romena, eu coordenei uma “troca de espião” na qual dois oficiais do DIE (Coronel Gheorghe Horobet e Major Nicolae Ciuciulin) – que foram presos em flagrante na Alemanha Ocidental – foram trocados pelo Bispo Católico Augustin Pacha, que havia sido preso pela KGB numa acusação espúria de espionagem e finalmente retornou ao Vaticano via Alemanha Ocidental.

INFILTRANDO O VATICANO

“Assento-12” foi o codinome dado à operação contra Pio XII, e eu me tornei seu principal agente. Para facilitar meu trabalho, Sakharovsky havia me autorizado a informar (falsamente) ao Vaticano de que a Romênia estava preparada para restaurar suas relações interrompidas com a Santa Sé em troca de acesso aos seus arquivos e de um empréstimo sem juros de um bilhão de dólares por 25 anos. (As relações da Romênia com o Vaticano se romperam em 1951, quando Moscou acusou a nunciatura do Vaticano na Romênia de ser uma frente encoberta da CIA e fechou seus escritórios. Os edifícios da nunciatura em Bucareste foram transferidos para o DIE e agora abrigam uma escola de idiomas). O acesso aos arquivos papais, eu deveria dizer ao Vaticano, era necessário para que se pudessem encontrar raízes históricas que ajudariam o governo romeno a justificar publicamente sua mudança de comportamento em relação à Santa Sé. O bilhão (não, isso não é um erro tipográfico), disseram-me, foi introduzido no jogo para tornar mais plausível a suposta mudança de atitude. “Se há uma coisa que aqueles monges entendem, é dinheiro”, observou Sakharovsky. Meu envolvimento anterior na troca do Bispo Pacha pelos dois oficiais do DIE de fato me abriu as portas. Um mês depois de ter recebido as instruções da KGB, eu tive meu primeiro contato com um representante do Vaticano. Por questão de sigilo, aquela reunião — e a maioria das que se seguiram — ocorreram num hotel em Genebra, na Suíça. Lá, eu fui apresentado a um “membro influente do corpo diplomático” que, disseram-me, havia iniciado sua carreira trabalhando nos arquivos do Vaticano. Seu nome era Antonio Casaroli, e eu descobriria em breve que ele era verdadeiramente influente. Imediatamente esse monsenhor me deu acesso aos arquivos do Vaticano, e logo três jovens agentes secretos do DIE, apresentando-se como padres romenos, estavam vasculhando os arquivos papais. Casaroli também concordou “em princípio” com a exigência de Bucareste para o empréstimo sem juros, mas ele disse que o Vaticano gostaria de estabelecer algumas condições sobre ele. (Até 1978, quando deixei a Romênia permanentemente, eu ainda estava negociando o empréstimo, que foi diminuído 200 milhões). De 1960 a 1962, o DIE conseguiu furtar dos Arquivos do Vaticano e da Biblioteca Apostólica centenas de documentos ligados de algum modo a Pio XII. Tudo foi imediatamente enviado à KGB por meio de um correio especial. De fato, nenhum material que incriminasse o pontífice jamais apareceu naqueles documentos fotografados secretamente. A maioria dos documentos eram cópias de cartas pessoais e transcrições de reuniões e discursos, todas escritas à maneira habitual da linguagem diplomática que alguém esperaria encontrar. Não obstante, a KGB continuou pedindo mais documentos. E nós enviamos mais.

A KGB PRODUZ UMA PEÇA DE TEATRO

Em 1963, o General Ivan Agayants, o famoso dirigente do departamento de desinformação da KGB, desembarcou em Bucareste para nos agradecer por nossa colaboração. Ele nos disse que “Assento-12” havia se materializado numa poderosa peça de teatro que atacava o Papa Pio XII, intitulada O Vigário, uma referência indireta ao Papa enquanto um representante de Cristo na Terra. Agayants foi o responsável pelo esboço da peça e ele nos disse que ela continha apêndices volumosos de documentos de fundo, reunidos por seus especialistas com a ajuda dos documentos que nós havíamos furtado do Vaticano. Agayants também nos disse que o criador de O Vigário, Erwin Piscator, era um comunista devoto que mantinha uma relação com Moscou há muito tempo. Em 1929 ele fundou o Teatro do Proletariado em Berlim, e poucos anos depois “emigrou” para os Estados Unidos. Em 1962, Piscator retornou à Berlim Ocidental para produzir O Vigário.

Durante todos os meus anos na Romênia eu sempre lidei com certo cuidado com meus chefes na KGB, porque eles costumavam distorcer os fatos de forma a tornar a inteligência soviética a mãe e o pai de tudo. Mas eu tinha razões para crer nas alegações egocêntricas de Agayants. Ele era uma lenda viva no campo da desinformatsiya. Em 1943, como rezident no Irã, Agayants lançou o rumor desinformativo de que Hitler havia montado uma equipe especial para seqüestrar o Presidente Franklin Roosevelt na Embaixada Norte-Americana em Teerã durante a conferência de cúpula dos Aliados que seria realizada lá. Como resultado, Roosevelt concordou em estabelecer seu quartel-general numa vila ao alcance da “segurança” do complexo da Embaixada Soviética, que era protegido uma grande unidade militar. Toda a guarnição soviética designada para aquela vila era composta por oficiais secretos da inteligência que falavam inglês, mas, com poucas exceções, eles mantiveram aquilo como segredo para que pudessem escutar às escondidas. Mesmo com as limitadas capacidades daquela época, Agayants foi capaz de fornecer a Stalin relatórios monitoradores de hora em hora a respeito dos convidados ingleses e norte-americanos. Isso ajudou Stalin a obter o consentimento tácito de Roosevelt para deixá-lo reter os países bálticos e o resto dos territórios ocupados pela União Soviética em 1939-40. Foi também atribuído a Agayants o ter induzido Roosevelt a usar o familiar “Tio Joe” para Stalin naquela conferência. De acordo com o que nos disse Sakharovsky, Stalin estava mais feliz com aquilo do que estava em relação às suas conquistas territoriais. “O coxo é meu!”, exultou ele, de acordo com as notícias.

Apenas um ano antes de O Vigário ser lançada, Agayants obteve sucesso em outro golpe de mestre. Ele fabricou um manuscrito fictício destinado a persuadir o Ocidente de que no fundo o Kremlin tinha os judeus em alta conta; isso foi publicado na Europa Ocidental, com grande sucesso popular, como um livro Notas para um periódico. O manuscrito foi atribuído a Maxim Litvinov, nascido Meir Walach, ex-comissário soviético de negócios externos, que havia sido demitido em 1939, quando Stalin resgatou seu aparato diplomático dos judeus em preparação para assinatura do pacto de “não-agressão” com Hitler. (O Pacto de Não-Agressão Hitler-Stalin foi assinado em 23 de Agosto de 1939, em Moscou. Ele continha um protocolo secreto que repartiu a Polônia entre dois signatários e deu aos soviéticos liberdade irrestrita para agir na Estônia, na Lituânia, na Finlândia, na Bessarábia e na Bucovina do Norte.) Esse livro de Agayants foi falsificado de modo tão perfeito que o mais proeminente historiador britânico da Rússia soviética, Edward Hallet Carr, foi totalmente convencido da sua autenticidade e, na verdade, escreveu uma introdução para ele. (Carr foi o autor de uma História da Rússia Soviética em dez volumes)

O Vigário veio a público em 1963 como trabalho de um desconhecido alemão ocidental chamado Rolf Hochhuth, com o título de Der Stellvertreter: Ein christliches Trauerspiel (O Vigário, Uma Tragédia Cristã). Sua tese central era a de que Pio XII havia apoiado Hitler e o encorajado a seguir em frente com holocausto judaico. A peça imediatamente acendeu uma enorme controvérsia em torno de Pio XII, que foi retratado como um homem frio e cruel, mais preocupado com as propriedades do Vaticano do que com o destino das vítimas de Hitler. O texto original apresenta uma peça com duração de oito horas, apoiado por 40 a 80 páginas (dependendo da edição) do que Hochhuth chamou “documentação histórica”. Em um artigo de jornal publicado na Alemanha, em 1963, Hochhuth defende sua representação de Pio XII, dizendo: “Os fatos estão lá — 40 páginas abarrotadas de documentação no apêndice à minha peça.” Numa entrevista de rádio dada em Nova York, em 1964, quando O Vigário estreou por lá, Hochhuth afirmou: “Eu julguei necessário adicionar um apêndice histórico à peça com extensão de 50 a 80 páginas (dependendo do tamanho da impressão).” Na edição original, o apêndice é intitulado Historische Streiflichter” (informações históricas interessantes). O Vigário foi traduzida para uns 20 idiomas, drasticamente reduzido e com o apêndice usualmente omitido.

Antes de escrever O Vigário, Hochhuth, que não tinha um diploma de ensino médio (Abitur), estava trabalhando em várias ocupações não notáveis para a casa de publicações Bertelsmann. Em entrevistas, alegou que em 1959 ele se afastou do trabalho e foi para Roma, onde passou três meses conversando com pessoas e então escreveu o primeiro rascunho da peça, e onde apresentou “uma série de questões” a um bispo cujo nome ele recusou revelar. Provavelmente não! Quase ao mesmo tempo eu costumava visitar o Vaticano regularmente como um mensageiro oficialmente reconhecido de um chefe de estado e eu nunca consegui pegar algum bispo falador para ter uma conversa num canto com ele — e não foi por falta de tentativa. Os oficiais ilegais do DIE que nós infiltramos no Vaticano também encontraram dificuldades quase insuperáveis para penetrar nos arquivos secretos do Vaticano, ainda que eles tivessem o disfarce impermeável de padres.

Durante os meus velhos dias no DIE, quando pedia meu chefe de guarnição, General Nicolae Ceausescu (irmão do ditador), para me dar um relatório detalhado do arquivo de algum subordinado, ele sempre me perguntava: “Para promoção ou rebaixamento?” Durante seus primeiros dez anos de vida, O Vigário tendeu em direção ao rebaixamento do Papa. Ela gerou uma rajada de livros e artigos, alguns acusando e alguns defendendo o pontífice. Alguns foram longe o suficiente para pôr a culpa das atrocidades de Auschwitz sobre os ombros do Papa, alguns reduziram meticulosamente os argumentos de Hochhuth a trapos, mas todos contribuíram para a atenção que essa peça quiçá desengonçada recebeu em sua época. Hoje, muitas pessoas que nunca ouviram falar de O Vigário estão sinceramente convencidas de que Pio XII era um homem frio e malvado que odiava os judeus e ajudou Hitler a matá-los. Como costumava me dizer o presidente da KGB, Yuri Andropov, o incomparável mestre da fraude soviética, as pessoas estão mais preparadas para acreditar na sujeira do que na santidade.

FALSIDADES SOLAPADAS

Perto de meados da década de 1970, O Vigário começou a perder a força. Em 1974, Andropov admitiu para nós que se soubéssemos então o que sabemos hoje nós nunca teríamos perseguido o Papa Pio XII. O que fez a diferença foram as informações liberadas recentemente mostrando que Hitler, longe de ter sido cordial com Pio XII, estava na verdade tramando contra ele.

Apenas alguns dias antes da revelação de Andropov, o ex-comandante supremo do esquadrão da SS (Schutzstaffel) na Itália durante a Segunda Guerra Mundial, General Friedrich Otto Wolff, saiu da prisão e confessou que, em 1943, Hitler lhe dera ordens para tirar Pio XII do Vaticano à força. Essa ordem foi tão confidencial que ela nunca apareceu em nenhum arquivo nazista após o final da guerra. Ela também não apareceu em nenhum dos muitos interrogatórios de oficiais da Gestapo e da SS conduzidos pelos vitoriosos Aliados. Nessa confissão, Wolff afirmou que havia respondido a Hitler que sua ordem levaria seis semanas para ser executada. Hitler, que havia culpado o Papa pela derrota do ditador italiano Benito Mussolini, queria a ordem executada imediatamente. Finalmente, Wolff persuadiu Hitler de que haveria uma resposta muito negativa se o plano fosse implementado, e o Führer o abandonou.

Foi também durante o ano de 1974 que o Cardeal Mindszenty publicou seu livro Memórias, que descreve com detalhes dolorosos como ele foi incriminado pela Hungria comunista. Conforme as evidências de documentos forjados, ele foi acusado de “traição, mal uso de moeda estrangeira e conspiração”, ofensas “todas puníveis com a morte ou prisão perpétua”. Ele também descreve como sua “confissão” falsificada então tomou vida própria. “Eu tive a impressão de que qualquer um deveria ter reconhecido imediatamente que esse documento era uma falsificação grosseira, uma vez que era o produto de uma mente inculta e atamancada.”, escreve o cardeal. “Mas logo após, quando eu procurei pelos livros, jornais e revistas estrangeiros que lidaram com o meu caso e comentaram minha ‘confissão’, eu percebi que o público deve ter concluído que aquela ‘confissão’ havia de fato sido escrita por mim, embora num estado semi-consciente e sob influência de lavagem cerebral... Que a polícia tivesse publicado um documento que eles mesmos tinham inventado parecia, de modo geral, algo muito descarado em que se acreditar”. Ademais, Hanna Sulner, a hungariana especialista em caligrafia usada para incriminar o cardeal e que tinha fugido para Viena, confirmou que ela falsificara a “confissão” de Mindszenty.

Alguns anos mais tarde, o Papa João Paulo II deu início ao processo de canonização de Pio XII, e testemunhas de todo o mundo provaram de modo constrangedor que Pio XII era um inimigo, e não um amigo de Hitler. Israel Zoller, o rabino-chefe de Roma entre 1943-44, quando Hitler tomou aquela cidade, dedicou um capítulo inteiro de suas memórias para louvar a liderança de Pio XII. “O Santo Padre entregou aos bispos, em mãos, uma carta instruindo-os a suspender a clausura dos conventos e monastérios, de modo que estes pudessem se tornar abrigos para os judeus. Eu sei de um convento onde as Irmãs dormiam no porão, cedendo suas camas aos judeus refugiados”. Em 25 de Julho de 1944, Zoller foi recebido pelo Papa Pio XII. Notas tomadas pelo Secretário de Estado do Vaticano, Giovanni Battista Montini (que tornar-se-ia Papa Paulo VI), mostram que o Rabino Zoller agradeceu o Santo Padre por tudo o que ele fizera para salvar a comunidade judaica de Roma — e seus agradecimentos foram transmitidos por radio. Em 13 de Fevereiro de 1945, o Rabino Zoller foi batizado pelo bispo auxiliar de Roma, Luigi Traglia, na Igreja de Santa Maria dos Anjos. Em agradecimento a Pio XII, Zoller tomou como nome cristão Eugenio (o nome do Papa). Um ano mais tarde, a esposa e a filha de Zoller foram batizadas.

David G. Dalin, em O Mito do Papa de Hitler: Como o Papa Pio XII Salvou os Judeus dos Nazistas, publicado há alguns meses, compilou provas esmagadoras adicionais de que a amizade que Eugenio Pacelli nutria pelos judeus começara muito antes dele se tornar Papa. No início da Segunda Guerra Mundial, a primeira encíclica do Papa Pio XII era tão anti-Hitler que a Real Força Aérea da França jogou 88.000m cópias dela sobre a Alemanha. Nos últimos 16 anos a liberdade de religião foi restaurada na Rússia, e uma nova geração está lutando para desenvolver uma nova identidade nacional. Nós só podemos esperar que o Presidente Vladimir Putin decida abrir os arquivos da KGB e mostre, para que todos possam ver, como os comunistas difamaram uns dos Papas mais importantes do século passado.


[1] Publicado no National Review Online, em 25 de Janeiro de 2007. A National Review autorizou a tradução e a publicação do texto traduzido. (N. do Blog.)

[2] Tenente-general Ion Mihai Pacepa é o oficial de inteligência de mais alto cargo a ter desertado do antigo bloco soviético. Seu livro Horizontes Vermelhos foi republicado em 27 países.

15/04/2010

Com a palavra, Olavo de Carvalho

Nota: Este modesto blog fica honrado com a manifestação do Prof. Olavo.

Agradeço muito ao Angueth pelas palavras gentis com que ele se refere à minha pessoa, as quais podem lhe render uma condenação como gnóstico no tribunal dos inquisidores mirins de Vila Nhocunhé.

Nunca pus em dúvida -- e até já proclamei várias vezes -- que o prof. Fedeli é um homem bom, um católico sincero e uma fonte altamente confiável no que diz respeito à doutrina da Igreja. Não escondo que gosto muito dele e do seu blog. O problema é que ele é um professor de religião e não um filósofo -- o que em si não teria nada de mau se ele não achasse que, com esse seu equipamento doutrinal, está habilitado a entender e julgar filósofias. Dado um problema, tudo que ele faz é consultar a doutrina e tirar deduções que lhe parecem aplicar-se ao caso individual. A coisa é de um automatismo atroz e bem poderia ser feita por um computador. Se tudo pudesse ser resolvido por esse método, não precisaríamos nem de aritmética,nem de História nem de ciência nenhuma: bastaria um laptop e um exemplar do Enchiridion de Denziger. Desde logo, é um método autocontraditório, pois, pretendendo tudo resolver só pela doutrina católica, faz amplo uso da lógica, que não é de fonte católica. O resultado da sua aplicacão é produzir essas mentalidades mesquinhas que, por terem aderido à doutrina católica, acreditam estar no certo mesmo quando mentem, mesmo quando negam os fatos mais óbvios. "Desconheço quem tenha se convertido ao catolicismo por conta de suas aulas. Para ele tanto faz ser protestante, budista ou espirita", proclama uma dessas criaturas, com aquela segurança fedeliana característica. Pois bem: é uma afirmativa inteiramente falsa, que deduz da ignorância uma mentira, e o faz com a boa consciência de estar servindo à Igreja.

Se há um bom motivo para estudar filosofia, é aprender que ter a doutrina certa não é tudo, que nem tudo pode ser descoberto mediante leituras devotas e dedutivismo "à outrance". Antes de ter ditado a Bíblia, Deus criou o mundo. Essa foi a primeira revelação. É preciso entender a Bíblia à luz da realidade, e não só esta à luz daquela. Doutrinários sem adestramento filosófico são proclamadores de generalidades: seu desprezo pelos fatos concretos não tem fim. Seu sentimento de certeza é uma auto-ilusão filológica. Deduzem frases de frases, e acreditam com isso estar na verdade. Decerto, é coisa que infunde nos corações uma certeza, uma segurança reconfortantes. Como muitas pessoas buscam essa sensação, e não a verdade enquanto tal, é lógico que se satisfaçam muito mais com as certezas fáceis do que com as investigações trabalhosas e não raro perigosas que o exame da realidade implica. O mais irônico de tudo é que um praticante do certezismo fedeliano venha cobrar de mim uma atitude socrática, como se o proclamador de certezas acríticas fosse eu.

Olavo de Carvalho

Dawkins e o Milagre de Fátima

 

Misturar Dawkins e a Virgem Santíssima num artigo me embrulha o estômago e me entristece a alma. Mas não fui eu que misturei, foi ele. Recebi, outro dia, de um amigo um link em que havia um artigo desse demente inglês sobre o milagre do sol.

O artigo é muito curto. Começa com um trecho de Hume: “[…] nenhum testemunho é suficiente para demonstrar um milagre, a não ser que o testemunho seja de natureza tal que a sua falsidade seja mais milagrosa do que o fato que tenta demonstrar.” David Hume, «Dos Milagres» (1748)

O silogismo bobinho que Dawkins monta a partir da frase de Hume é o seguinte:

Premissa maior: Milagres não ocorrem

Premissa menor: 70.000 pessoas afirmam ter presenciado um

Conclusão: Houve uma alucinação em massa que atingiu 70.000 pessoas

Depois de descrever tudo que aconteceria se o sol se movesse, ele diz: “Não temos alternativa senão a de seguir Hume, escolher a menos miraculosa das alternativas disponíveis e concluir, contrariamente à doutrina oficial do Vaticano, que o milagre de Fátima nunca aconteceu.”

Aí vem a apoteose final: “Além disso, não é de todo claro que nos caiba a nós explicar como é que aquelas 70 000 testemunhas foram enganadas.”

Perguntemos a Dawkins para começar: qual testemunho é suficiente para demonstrar a afirmação de Hume? A resposta implícita, claro, é que o testemunho suficiente é o do próprio Hume. A frase de Hume é verdadeira porque assim ele o diz.

O verdadeiro milagre é alguém com bom senso acreditar na baboseira de Hume.

Mas a frase final do artigo do Dawkins é de uma cretinice tão grande que me faz lembrar Chesterton descrevendo o ambiente das discussões intelectuais da Londres do final do século XIX, das quais ele foi testemunha: “havia uma agradável atmosfera de discussão de todas as coisas, sem qualquer particular senso de responsabilidade de se chegar a qualquer conclusão sobre elas.” Ou seja, o cara começa por dizer que a única alternativa ao suposto milagre é acreditar que houve uma alucinação coletiva de 70.000 pessoas. Ora, qualquer pessoa minimamente responsável tentaria explicar como 70.000 pessoas sofrem de tal mal subita e simultaneamente. Se tal explicação existisse, seria o modo mais fácil de se desacreditar a autenticidade do milagre. Mas, não, ele não se sente minimamente responsável por matar a curiosidade de seus leitores.

O que ele diz então é o seguinte: Não há milagres porque assim o diz Hume. As 70.000 pessoas que viram o sol dançar sobre suas cabeças, por não poderem estar presenciando um milagre, estavam em estado de alucinação coletiva, cujo modo de funcionamento não sinto vontade de explicar.

Nós católicos dizemos: nós não acreditamos em Dawkins; nós acreditamos no milagre de Fátima, porque assim nos atesta a Igreja e as 70.000 pessoas. Desta forma, as 70.000 pessoas viram o sol dançar sobre suas cabeças. Como ele fez isso, nós não o sabemos, pois os milagres sempre envolvem mistérios que nossa razão não alcança.

Aguardem um artigo de Chesterton sobre milagres.

12/04/2010

Estão de sacanagem com o Olavo

 

Parece que estão deixando o Olavo numa situação vexamosa. Com tantos católicos que dizem defender a Tradição da Igreja, só o gnóstico Olavo tem defendido o Papa Bento XVI na imprensa brasileira, com seus artigos no Jornal do Comércio de São Paulo.

Já em 1998, Olavo reclamava ter de assumir o papel de padre para dizer coisas que “os convicentes não dizem” [Verdade sem dono, Imbecil Coletivo II].

Bem, seguem aí alguns (apenas alguns) artigos de Olavo, defendendo o Papa e a Igreja dos ataques de seus inimigos. Coisa espantosa, única na história da humanidade, um gnóstico defendendo a Igreja e o Papa. Esse Olavo é danado mesmo!

A briga que ninguém quer comprar

O bem como instrumento do mal

Christopher Hitchens contra o Papa

Cem anos de pedofilia (artigo de 2002)

11/04/2010

A DEMOLIÇÃO PÓS-CONCILIAR

 

Quando me pedem alguma referência bibliográfica sobre o Concílio Vaticano II e seus frutos, sempre indico quatro livros: a trilogia de Michael Davies (Cranmer’s Godly Order, Pope John’s Council, Pope Paul’s Mass) e Iota Unum de Romano Amerio. Agora terei um vídeo-resumo para indicar também. Ele está no Glória.Tv, e a informação nos chega através de Sidney Silveira, do ContraImpugnantes.

É impressionante!!!!

09/04/2010

O CÉTICO COMO UM CRÍTICO

Do livro “A Coisa”, publicado em 1929

 

Gilbert Keith Chesterton

É preciso três pessoas para uma boa briga. Um conciliador é sempre necessário. Não se pode atingir a completa potencialidade da fúria humana até que um amigo das duas partes intervenha tacitamente. Sinto-me em tal posição no recente debate entre os puritanos e a revista Mercury do Sr. Mencken;[1] e o admito com um desconforto não desacompanhado de terror. Sei que o juiz pode ser picado em pedaços. Sei que um juiz auto-indicado deve ser picado em pedaços. Sei, sobretudo, que este é especialmente o caso em tudo que envolve quaisquer relações internacionais. Talvez a única crítica razoável seja a auto-crítica. Talvez isso seja ainda mais verdadeiro no caso de nações do que no de homens. E posso muito bem entender que muitos americanos aceitariam sugestões de seus compatriotas que refutariam de um estrangeiro. Posso apenas alegar que me esforcei por cumprir o excelente princípio patriótico de “Olhar para a Inglaterra Primeiro” na paráfrase igualmente patriótica de “Criticar a Inglaterra Primeiro”. Tenho feito isso por tempo suficiente para estar bem consciente de que há males presentes na Inglaterra que estão relativamente ausentes nos Estados Unidos; e nenhum mais conspicuamente ausente, como o Sr. Belloc observou para a surpresa de muitos, do que a adoração real, servil, supersticiosa e mística do Dinheiro.

Mas o que me faz tão condenável na presente situação é que sinto uma considerável simpatia por ambos os lados. Essa atitude ofensiva tentarei ocultar, tanto quanto possível, por um abuso tacitamente distribuído de coisas que considero abusivas, e por uma aversão elegantemente simulada por uma ou outra parte de cada caso controverso. Mas a verdade simples é que se eu fosse americano, eu muito frequentemente me regozijaria quando a Mercury criticasse algo ou alguém; tampouco meu modesto lar ficaria sem certa exultação quando a Mercury fosse criticada. Mas o que definitivamente penso é que ambos os lados, e talvez especialmente o lado iconoclasta, precisam do que todo o mundo moderno precisa – um padrão espiritual fixo, mesmo para seus próprios objetivos intelectuais. Posso expressar isto dizendo que gosto muito de revolucionários, mas não muito de niilistas. Pois, os niilistas, como o próprio nome implica, não têm com que se revoltar.

Sob esse ângulo, há pouco o que adicionar ao artigo admiravelmente são, sutil e penetrante do Sr. T.S. Eliot;[2] especialmente aquela sentença vital em que diz ao Professor Irving Babbitt[3] (que admite a necessidade de entusiasmo) que não podemos ter um entusiasmo por termos entusiasmo. Penso que sei, incidentalmente, o que devemos ter. O Professor Babbitt é um homem muito culto; e eu mesmo conheço pouco latim e menos ainda grego. Mas conheço o bastante de grego para saber o significado da segunda sílaba de “entusiasmo”, e sei que ela é a chave para esta e outras discussões.

Permitam-me considerar dois exemplos, que demonstram minha concordância com ambos os lados. Admiro grandemente o Sr. Mencken, não apenas por sua vivacidade e espirituosidade, mas pela sua veemência e, por vezes, por sua violência. Calorosamente o aplaudo por seu desprezo e detestação do Serviço; e considero que ele esteja afirmando um fato histórico quando diz, como citado em The Forum: “Quando uma gangue de agentes imobiliários, corretores de títulos e concessionários de veículos se reúnem para choramingar contra o Serviço, não precisamos ser freudianos para suspeitar que alguém está próximo à fraude.” Não vejo porque ele não devesse chamar uma espada de espada e um fraudador de fraudador. Não o culpo por usar palavras vulgares para coisas vulgares. Mas observo dois modos em que o fato de sua filosofia ser negativa faz com que sua crítica seja quase superficial. Em primeiro lugar, é óbvio que tal sátira é inteiramente insignificante a menos que fraude seja pecado. E é igualmente óbvio que somos instantaneamente tragados pelo abismo do “moralismo” e do “religiosismo”, se for pecado. E o segundo ponto, se menos óbvios, é igualmente importante – o instinto saudável do Sr. Mencken contra a hipocrisia obscena não o esclarece a respeito do coração desta hipocrisia.

A questão sobre o culto do Serviço é que, como tantas noções modernas, ela é uma idolatria do intermediário, às custas do esquecimento do principal. É como o jargão dos idiotas que falam sobre Eficiência sem qualquer crítica ao Efeito. O pecado do Serviço é o pecado de Satã: aquele de tentar ser o primeiro onde ele pode ser apenas o segundo. Uma palavra como Serviço roubou a sagrada letra maiúscula da coisa que ela em princípio devia servir. Há um sentido em servir a Deus, e um sentido ainda mais discutível em servir ao homem; mas não há sentido em servir o Serviço. Servir a Deus é pelo menos servir a um ser ideal. Mesmo se ele fosse um ser imaginário, ele ainda estaria sendo um ser ideal. Esse ideal tem atributos definidos e mesmo dogmáticos – verdade, justiça, misericórdia, pureza, etc. Servir-lhe, mesmo imperfeitamente, é servir a um particular conceito de perfeição. Mas o homem que corre pela rua acenando seus braços e desejando servir a algo ou a alguém, cairá provavelmente nas mãos da primeira casa de câmbio clandestina ou no primeiro covil de ladrões ou usurários, e será encontrado servindo-LHES diligentemente. Assim surge a horrível idéia de que dedicação, confiabilidade, pontualidade são coisas boas; que mera prontidão para servir aos poderes deste mundo é uma virtude cristã. Esta é a questão contra o Serviço, que é distinto da maldição contra o Serviço, que tão animada e inspiradamente é rogada pelo Sr. Mencken. Mas a séria questão não pode ser declarada sem uma vez mais se perguntar se a humanidade deve servir a alguma coisa; e se não seria melhor tentarmos definir primeiro a que pretendemos servir. Todas essas palavras tolas como Serviço, Eficiência, Praticidade, etc. falham porque prestam culto aos meios e não ao fim. Mas tudo se resume a se nos propomos a cultuar o fim; e preferivelmente ao fim verdadeiro.

Duas outras passagens do texto do Sr. Mencken servirão para mostrar mais agudamente a curiosa situação em que ele parece negar o que afirma. De um lado, ele parece afirmar muito positivamente a natureza puramente intencional e subjetiva da crítica; a faz individual e quase irresponsável. “O crítico está acima de tudo tentando se expressar; está tentando alcançar com isso, para seu próprio ego interior, o sentimento gratificante de uma função desempenhada, de uma tensão aliviada, de uma catarse atingida, que Wagner atingiu quando escreveu DIE WALKURIE, e uma galinha atinge toda vez que bota um ovo.” Isso tudo é muito consistente até certo ponto; mas infelizmente o Sr. Mencken parece continuar com algo muito inconsistente. Segundo o trecho citado, ele ao final irrompe com uma canção de triunfo porque há agora nos EUA não somente crítica, mas controvérsia. “Atualmente, pela primeira vez em anos, há conflito na crítica americana ... orelhas são mordidas, narizes sangram. Há bofetadas acima e abaixo da cintura.”

Ora, pode haver algo de real em suas afirmações sobre a controvérsia, mas isso é inconsistente com suas afirmações sobre a auto-expressão criativa. Se o crítico produz a crítica APENAS para se agradar, é inteiramente irrelevante que ela não agrade alguém mais. O alguém mais tem o direito de dizer o exato oposto para se agradar, e estar perfeitamente satisfeito consigo mesmo. Mas eles não podem se controverter porque não podem se comparar. Não podem se comparar porque não há um padrão comum de comparação. Nem eu nem ninguém pode ter uma controvérsia sobre literatura com o Sr. Mencken, porque não há forma de criticar a crítica, exceto perguntando se o crítico está satisfeito. E aí o debate acaba, exatamente no início; pois ninguém pode duvidar de que o Sr. Mencken esteja satisfeito.

Mas para não fazer o Sr. Mencken uma mera vítima do ARGUMENTUM AD HOMINEM, farei o experimento num corpus vile[4] e me oferecerei para dissecação. Atrevo-me a dizer que grande parte da crítica que escrevo é realmente estimulada por estado de espírito de auto-expressão; e certamente é verdade que há uma satisfação na auto-expressão. Posso tirar uma coisa ou outra em relação a qual tenha sentimentos definitivos – como, por exemplo, a filosofia do Sr. Dreiser,[5] que já foi mencionada mais de uma vez nesse debate. Posso alcançar para meu próprio ego interior o sentimento gratificante de escrever o seguinte: “Ele descreve um mundo que parece ser uma enfadonha e descolorida ilusão de indigestão, não suficientemente brilhante para ser chamada de pesadelo; malcheirosa, mas não fedorenta; cheirando a gás estragado de experimentos químicos ignorantes feitos por estudantes sujos e dissimulados – o tipo de garotos que torturam gatos em becos isolados; desfibrado e desanimado como um verme ferido; repugnantemente vagaroso e laboriosamente parecido com uma lesma interminável; desesperador, mas sem nenhuma coragem; sem vivacidade, sem vontade, sem risada e sem elevação de coração; muito velho para morrer, muito surdo para desistir de falar, muito cego para parar, muito estúpido para começar de novo, muito morto para ser assassinado, e incapaz de até mesmo ser amaldiçoado, pois em todos os seus desgastados séculos, não alcançou a idade da razão.”

Isso é o que sinto; e certamente me dá prazer aliviar meus sentimentos. Livrei-me do que me apertava o peito. Fiz uma catarse. Botei um ovo. Produzi uma crítica que satisfaz todas as definições do Sr. Mencken. Desempenhei uma função. Sinto-me muito bem, obrigado.

Mas qual influência meus sentimentos podem ter no Sr. Dreiser, ou em alguém que não admite meus padrões de verdade e falsidade, não consigo muito perceber. Pode-se dificilmente esperar que o Sr. Dreiser diga que sua química é charlatanismo, como penso que é – charlatanismo sem a vivacidade que podemos razoavelmente esperar de charlatães. Ele não considera o fatalismo vil e servil, como eu; ele não considera o livre arbítrio a mais alta verdade sobre a humanidade, como eu. Ele não acredita que o desespero é em si mesmo um pecado, e talvez o pior dos pecados, como os católicos. Ele não considera a blasfêmia o menor e mais tolo tipo de orgulho, como até os pagãos o fazem. Ele naturalmente não considera sua própria idéia da vida uma falsa idéia, assemelhando-se à vida real tanto quanto uma vastidão de linóleo assemelha-se ao campo de todas a flores vivas, como eu considero. Mas ele não a consideraria mais falsa por ser uma vastidão. Ele admitiria provavelmente que ela fosse sombria, mas consideraria isto correto. Ele provavelmente admitiria que estivesse perdido, mas não veria nenhum mal em estar perdido. O que eu apresento como acusação, ele muito provavelmente aceitaria como elogio.

Nestas circunstâncias, não vejo como eu, ou alguém com minhas idéias, poderia estabelecer uma controvérsia com o Sr. Dreiser. Não parece haver qualquer forma de eu provar que ele está errado, porque ele não aceita minhas idéias do que é errado. Não parece haver qualquer forma de ele provar que está certo, porque não compartilho suas noções do que é certo. Podemos, de fato, nos encontrar na rua e nos atracar; e embora eu acredite que somos ambos homens pesados, não duvido que ele seja o mais formidável. A própria possibilidade de que sejamos reduzidos a essa explicação inarticulada pode talvez lançar alguma luz na impressionante descrição do Sr. Mencken sobre a nova vida literária nos EUA. “Orelhas são mordidas”, ele diz; e esta curiosa forma de relacionamento cultural poderia realmente ser a única solução, quando orelhas não forem mais órgãos da audição e quando não houverem mais órgãos exceto os órgãos de auto-expressão. Aquele que tiver ouvidos para ouvir e não escutar pode muito bem ter suas orelhas mordidas. Tal surdez parece inevitável no crítico criativo, que é tão indiferente a todos os ruídos como uma galinha, exceto para o ruído de seu próprio cacarejar quando chocando seu próprio ovo. De toda forma, galinhas não criticam os ovos alheios, ou jogam ovos umas nas outras, como acontece nas controvérsias políticas. Podemos apenas dizer que o romancista em questão botou indubitavelmente um grande, sólido e magnificente ovo – algo da natureza de um ovo de avestruz; e depois disso, não há nada que impeça a avestruz de esconder sua cabeça na areia, atingindo com isso, pelo seu próprio ego interior, o sentimento gratificante de uma função desempenhada. Mas não podemos discutir se o ovo é um ovo ruim, ou se partes dele são excelentes.

Em todas essas circunstâncias, portanto, em razão da ausência de um padrão último de valor, as mais ordinárias funções não podem ser realmente desempenhadas. Elas não podem ser desempenhadas não só com “um sentimento gratificante”, ou uma catarse, mas a longo prazo não podem ser desempenhadas de forma alguma. Não podemos realmente denunciar o corretor de títulos e promotor do Serviço como um farsante, pois não temos um acordo claro que seja vergonhoso ser um farsante. Um pouco de manipulação de algumas teorias individualistas do próprio Sr. Mencken – sobre a mentalidade ser superior ao moralismo – pode apresentar o farsante como um super-homem. Não podemos realmente argumentar a favor ou contra o mero ideal do Serviço, porque nenhum dos lados considera o que é para ser servido ou como chegaremos à regras corretas para servir-lhe. Consequentemente, na prática, pode ser que o Estado de Serviço seja meramente o Estado Servil. E finalmente, não podemos realmente argumentar a respeito disso ou de qualquer outra coisa, pois não há regras para o jogo da argumentação. Não há como provar que alguém ganhou um ponto. Não pode haver “conflito na crítica americana”; os professores não podem ser “forçados a esboçar alguma defesa.” Isso exigiria acusadores e defensores frente a algum tribunal mostrando evidências segundo alguns testes da verdade. Pode haver um distúrbio, mas não uma discussão.

Em resumo, as funções normais do homem – esforço, protesto, julgamento, persuasão e prova – são prejudicadas ou impedidas por tais negações do cético mesmo quando o cético parece, a princípio, estar apenas negando alguma visão distante ou alguma lenda miraculosa. Cada função se refere de fato a algum fim, a algum teste, a alguma forma de distinção entre o uso e o abuso, que o cético mais comum destrói tão completamente como destruiria qualquer mito ou superstição. Se a função é desempenhada apenas por satisfação de quem a desempenha, como na parábola do crítico e do ovo, torna-se fútil discutir se é um ovo podre. Torna-se fútil considerar se ovos produzirão galinhas ou comporão o café da manhã. Mas mesmo para nos certificarmos de nossa própria sanidade quando da aplicação de testes, temos realmente de nos voltar para algum problema aborígene, como o do antigo enigma da anterioridade do ovo ou da galinha; temos realmente, como as grandes religiões, de começar AB OVO. Se essas sanidades primordiais são perturbadas, a totalidade da vida prática é perturbada com elas. Os homens podem ser congelados pelo fatalismo, ou enlouquecidos pelo anarquismo, ou levados à morte pelo pessimismo; pois os homens não continuarão indefinidamente agindo no que eles consideram uma fábula. E é neste sentido orgânico e quase muscular que a religião é realmente o auxílio do homem – no sentido de que sem isso ele está perdido, quase imóvel.

O Sr. Mencken, o Sr. Sinclair Lewis e outros críticos no movimento MERCURY são tão ardentes e sinceros, eles atacam tão vigorosamente tantas coisas que deve ser atacadas, eles expõem tão brilhantemente tantas coisas que são imposturas reais, que na discussão com eles um homem terá um impulso de colocar suas cartas sobre a mesa. Seria fingimento e quase hipocrisia se eu ignorasse, aqui, o fato de que eu próprio acredito numa solução espiritual especial para esse problema, uma autoridade espiritual especial sobre esse caos. Tampouco essa idéia está completamente ausente, como idéia, de muitas outras mentes além da minha. A filosofia católica é mencionada com muito respeito, e até mesmo com uma espécie de esperança, tanto pelo Prof. Babbit[6] quanto pelo Sr. T.S. Eliot. Compreendo bem sua cortesia e não procuro levá-los um passo a mais do que eles desejam ir. Mas, de fato, por uma série de infalíveis passos lógicos, o Sr. Eliot levou o Prof. Babbitt tão perto dos portões da Igreja Católica que ao final senti-me muito nervoso, por assim dizer, temendo que eles dessem outro passo involuntário e caísse dentro dela por acidente.

Tenho uma razão particular para mencionar essa questão ao modo de conclusão – uma razão que está diretamente relacionada a esse curioso efeito do ceticismo em enfraquecer as funções normais do ser humano. Em um dos mais brilhantes e divertidos livros do Sr. Sinclair Lewis há uma passagem que cito de memória, mas que penso estar mais ou menos correta. Ele disse que a Fé Católica difere do Puritanismo corrente na medida em que não pede a um homem que abra mão de seu senso de beleza, ou de seu senso de humor, ou de seus vícios prazerosos (que ele provavelmente entende como fumar ou beber, que não são absolutamente vícios), mas também na medida em que pede a um homem que abra mão de sua vida e alma, de sua mente, de sua razão, etc. Peço ao leitor que considere, tão calma e imparcialmente possível, a afirmação aqui feita; e coloque-a ao lado de todos os outros fatos sobre a gradual fossilização da função humana pelas dúvidas fundamentais de nossos dias.

Seria muito mais verdadeiro dizer que a Fé devolve a um homem seu corpo e sua alma, sua razão e sua vontade, devolve sua própria vida. Seria muito mais verdadeiro dizer que o homem que a recebeu, recebe todas as antigas funções que todas as outras filosofias estão tirando. Seria muito mais próximo da realidade dizer que somente ele terá liberdade, que somente ele terá vontade, porque somente ele acreditará no livre arbítrio; que somente ele terá razão, pois a dúvida final nega a razão tanto quanto a autoridade; que somente ele agirá verdadeiramente, porque a ação visa a um fim. É pelo menos uma visão menos improvável, que todo esse obstinado e incorrigível desespero do intelecto fará, afinal, do homem que abraçou a Fé o único cidadão andante e falante numa cidade de paralíticos.


[1] A revista Mercury foi criada em 1921 pelo jornalista, ensaísta e ácido crítico do american way of life, Henry Louis Mencken e circulou até 1981. (N. do T.)

[2] "The Humanism of Irving Babbitt"[O Humanismo de Irving Babbitt], The Forum, July 1928.

[3] Crítico literário americano que teve muita influência no movimento chamado “Novo Humanismo”. Babbitt foi professor de Eliot em Harvard. O humanismo de Babbitt é similar a um ecumenismo radical. (N. do T.)

[4] Corpo ou coisa inútil, exceto para experimentos. (N. do T.)

[5] Theodore Herman Albert Dreiser (1871, 1945) – romancista, jornalista e crítico americano. Comunista de carteirinha, era grande crítico do capitalismo e imperialismo americano. (N. do T.)

[6] “The Critic and American life,” [A crítica e a vida americana] The Forum, February 1928.

05/04/2010

O Tesouro de duas santas: Paula e Margarida de Cortona

O que nos ensinam os santos, com palavras e obras, é que não basta traçar na areia uma tênue linha que separe o bem do mal; e que é preciso, resolutamente, entre os céus e os infernos, erguer muralhas de ódio, e cavar abismos de amor. É grande o mistério da santidade. Gustavo Corção
SANTA PAULA
Natural de Roma, nasceu em meados do século IV. Era da mais alta nobreza, pois em suas veias corria sangue dos Cipiões e dos mais antigos reis.
Após as perseguições que foram terríveis, os cristãos relaxaram-se um pouco. Paula, embora cristã e honesta, vivia com excessivo luxo e moleza.
A Providência divina enviou-lhe amargos sofrimentos para desenganá-la do mundo. Faleceu-lhe o esposo, a quem amava entranhadamente e ela mesma contraiu uma grave e prolongada enfermidade.
Quando recobrou a saúde, despojou-se de suas galas e consagrou-se por completo à oração, às obras de caridade e à educação dos filhos.
Por motivo da celebração de um concílio, convocado pelo Papa S. Dâmaso, veio a Roma S. Jerônimo, grande amigo do Pontífice e incomparável conhecedor da Sagrada Escritura. Paula tomou-o por diretor espiritual e, seguindo seus conselhos, estudou os Livros Sagrados, especialmente os Evangelhos, e concebeu o desejo de visitar e venerar a gruta de Belém.
Apos a morte de S. Dâmaso, seu amigo S. Jerônimo abandonou Roma, para dedicar-se de novo a seus estudos bíblicos. Queria ultimar sua gigantesca tarefa de traduzir toda a Bíblia para o latim.
S. Paula não tardou a segui-lo. Confiou a uma filha casada a educação da menorzinha, e ela com Eustóquio, outra de suas filhas, embarcou rumo à Terra Santa.
Com S. Jeiônimo e Eustóquio, percorreu a Palestina. Ao chegar a Belém exclamou chorando: “Eu te saúdo, ó Belém, cujo nome quer dizer Casa do Pão celeste; eu te saúdo, antiga Efratá, cujo nome significa a Fértil, que tiveste por fruto e colheita ao próprio Criador! E' possível que eu, pecadora, beije o berço onde repousou o Menino Deus, ore na gruta, onde deu Jesus seus primeiros vagidos, onde a Virgem deu à luz o Salvador?”
Junto à gruta de Belém levantou um mosteiro para a comunidade de religiosas por ela fundada e dirigida; e nos arredores, outro para S. Jerônimo e seus monges. Construiu, além disso, um ótimo albergue para os peregrinos, e costumava dizer: “Se Maria e José tivessem de retornar a Belém, para o recenseamento, já não lhes faltaria lugar na estalagem”.
Passou S. Paula o resto da sua vida meditando a sagrada Escritura, orando e mortificando-se com severas penitências, animada pelo suave pensamento de que ali mesmo dera o Redentor admirável lição de todas as virtudes.
Morreu aos 56 anos e foi sepultada numa gruta ao lado daquela do Nascimento.
Sobre a porta dessa gruta mandou S. Jerônimo gravar em versos estas palavras: “Vês este humilde sepulcro nesta rocha cavado? Dentro está de Paula o corpo, e dos bens celestes gozando está a alma. Deixou pais e pátria e irmão e filhos e aqui repousa, junto à gruta de Belém, onde reis e Magos a Cristo adoraram como a Deus e homem”.
SANTA MARGARIDA DE CORTONA
Nasceu esta Santa no povoado de Laviano, na ltâlia, em 1247. Seus pais eram lavradores e viviam pobremente.
Aos sete anos teve Margarida a desgraça de perder a mãe. O pai casou-se de novo, e a madrasta odiava a pobre orfãzinha. Um rico e poderoso senhor dos arredores seduziu-a e levou-a para o seu castelo, rodeado de bosques, com muito luxo e criadagem. Nove anos durou a triste vida de Margarida naquele castelo. A miúdo sentia remorsos e como que um desejo de fazer penitência, mas não sabia como livrar-se daquela mísera situação.
Certo dia, o lebrel favorito de seu senhor aproximou-se dela, ladrando choroso, e com os dentes puxava-lhe o vestido como se quisesse convidá-la a segui-lo.
Penetraram pelo bosque adentro. Debaixo dum carvalho, junto a um monte de ramos, parou o cão e redobrou seus latidos. Afastou Margarida os ramos e encontrou, banhado em sangue, o cadáver de seu senhor. Haviam-no apunhalado. Surpreendera-o a justiça de Deus.
Aquele horrível espetáculo iluminou a alma de Margarida. Converteu-se. Resolveu começar vida nova e dirigir-se, em primeiro lugar, ao casebre de seu pai, para desagravá-lo e implorar-lhe perdão.
Não o alcançou, porque sua madrasta se opôs. Deus, porém, foi mais generoso. A pecadora, compreendendo que precisava confessar-se, para recuperar a graça divina, dirigiu-se ao convento franciscano da vizinha cidade de Cortona e, ali, aos pés do ministro de Cristo, reconciliou-se com Deus, a quem tanto ofendera.
Todas as penitências lhe pareciam leves. Cortou sua longa e negra cabeleira. Disciplinava-se sem misericórdia. Jejuava a pão e água.
Num domingo, entrou na igreja de sua vila natal, vestida de farrapos e levando, como os condenados, uma grossa corda ao pescoço, e pediu püblicamente que lhe perdoassem os escândalos que dera.
Temia não estar bem perdoada. Cria que sim, mas parecia-lhe impossível, tendo pecado tão gravemente. Até que um dia, em que estava chorando diante do Crucifixo, a imagem do Cristo abriu os lábios para dizer-lhe: “Teus pecados te foram perdoados”.
Margarida foi devotíssima da Paixão do Salvador. Numa Sexta-feira Santa, quis Jesus Cristo que ela presenciasse tudo o que acontecera durante a Paixão. Passaram diante de seus olhos: o beijo de Judas, a negação de Pedro, a cobardia de Pilatos, o ódio dos judeus, os insultos na rua da Amargura e ouviu as palavras de Cristo na Cruz; e às três da tarde, hora em que expirou nosso Salvador, inclinou também ela a cabeça e pareceu que expirava. As pessoas presentes não cessavam de soluçar.
O demônio tentou-a de mil modos; mas, rezando, como costumava, diante do Crucifixo, Jesus a consolou com as seguintes palavras: “Minha filha, tem coragem e obedece ao teu confessor; desconfia de ti mesma, mas confia na minha graça”.
Faleceu a 22 de fevereiro de 1297, contando cinqüenta anos de idade. Durante os vinte últimos dias de sua vida, não provou nenhum alimento ou, melhor, o seu alimento era a sagrada comunhão.
DO LIVRO TESOURO DE EXEMPLOS

04/04/2010

Ó Senhora,



que unicamente sois Senhora de todas as criaturas, pois sois verdadeira e admirável Mãe do que é verdadeiro Deus e criador vosso, pela imensa graça que tendes nos seus olhos e pela inefável alegria que hoje recebestes logrando sua visita nos nossos, alcançai-me que de tal modo viva eu alegre, unido e conforme a sua santíssima vontade, que, merecendo os frutos de sua Paixão Sagrada, logre o consórcio de sua Ressurreição Gloriosa.




Padre Manuel Bernardes

02/04/2010

Oh! Virgem piedosíssima, amorosíssima e desconsoladíssima!

Padre Manuel Bernardes


Com que inteira vontade e com que fiel rendimento oferecestes ao Altíssimo esse precioso holocausto! Como se ajuntaram perfeitamente as duas metades desse místico pomo, com que foi reparado, cravando-se a vossa metade nas mesmas pontas das setas com que a de Jesus estava traspassada! E em quanta obrigação vos está o mundo, por haverdes sido a tanto custo correndentora sua! Bendito seja Deus, que tanto vos comunicou de sua imensa caridade. Oh! seja eu, por intercessão vossa e dignação sua, admitido à participação dessas penas suas e vossas – que só por serem vossas e suas, só por serem penas de Jesus e de Maria, penas do Filho de Deus e da Mãe de Deus, merecem todo o meu desejo e suspiro, e em si têm o prêmio de si mesmas. Ditoso de mim, se quando Jesus é afrontado e perseguido, eu também fora digno de padecer por Jesus perseguições e afrontas! Ditoso de mim, se quando a inocente pomba Maria é sacrificada e no candor de suas penas se vêem as salpicas do sangue de suas lágrimas, eu também pudesse juntar alguma coisa a esse sacrifício e acompanhar essas lágrimas. Essa fora, sem mais outra glória, a glória de minha alma: padecer sentir e arder meu pobre coração na doce companhia desses dois corações de Jesus e de Maria.