09/04/2009

Com os boffs para fora

Os leitores do blog – e ele tem alguns! – devem saber que tenho duas péssimas manias: a de ler e comentar do semanário litúrgico-catequético “O Domingo” e a de ler e comentar alguns dos artigos de “frei” Beto. Já alertei a todos que isso faz mal à saúde mental e pode afastar permanentemente os incautos do catolicismo.

Leonardo Boff nunca li. Leio às vezes alguns comentários sobre esse herege, como o que se encontra no artigo Surrealismo na teologia da libertação. O autor cita um trecho de um artigo do tal herege: “A questão teológica de base que até agora não acabamos de responder é: como anunciar de maneira crível um Deus que é um Pai bondoso em um mundo abarrotado de miseráveis?”

O baixo nível intelectual desse sujeito é tremendo. Ele não sabe o que é teologia, pois considera que anunciar Deus ao povo é uma questão teológica. Esta questão não é teológica e sim catequética.

Diz Étienne Gilson, em seu livro “O filósofo e a teologia”, que o catecismo em que ele estudou (edição de 1885 da diocese de Meaux) dizia:

“-- Qual a primeira verdade na qual devemos crer?
A primeira verdade em que devemos crer é que existe um Deus e que não pode haver mais do que um só.
-- Por que você acredita que há um Deus?
Eu creio que há um Deus porque ele próprio nos revelou sua existência.
-- A razão também não lhe diz que existe um Deus?
Sim, a razão também nos diz que há um Deus, porque se não houvesse Deus, o céu e a terra também não existiriam.”

Essa é a forma de anunciar Deus ao povo; seja ele sofrido, miserável, pobre, rico, feliz, doente, saudável etc. Deus existe porque Ele mesmo assim nos revelou. Esse é também o que nos diz, por exemplo, o Segundo Catecismo da Doutrina Cristã, escrito em 1903 e até hoje, inexplicavelmente, editado pela não-católica Editora Vozes.

Que fique claro um primeiro ponto: Boff não sabe o Catecismo da Igreja.

A segunda confusão de Boff – não sei se ele é confuso sem notar ou por conveniência – é mais interessante, pois revela claramente o caráter do herege. É o problema do mal no mundo que confunde esse indigente intelectual. Sobre isso, há uma passagem muito interessante no livro de Belloc, As Grandes Heresias,[1] quando ele fala da heresia albigense, uma das mais furiosas, odientas e perigosas heresias com que já se defrontou a Igreja Católica. Ele diz:

“Para responder esta importante questão, devemos considerar a principal verdade da Igreja Católica, que pode ser resumidamente colocada da seguinte forma: “A Igreja Católica é fundada no reconhecimento da dor e da morte.” Na sua forma mais completa a sentença pode ser escrita ‘A Igreja Católica está radicada no reconhecimento do sofrimento e da mortalidade, problemas cuja solução ela alega possuir.’ Esse problema é geralmente conhecido como ‘O Problema do Mal’.

“Como podemos considerar o glorioso destino do homem, o céu como seu objetivo e seu Criador infinitamente bom e onipotente quando nos encontramos sujeitos ao sofrimento e à morte?

“Quase toda pessoa jovem e inocente está, mesmo que superficialmente, consciente desse problema. O grau de consciência depende das situações da vida de cada um; quão cedo se enfrentou uma perda por morte ou quão cedo adveio uma grande dor física ou mental. Mas cedo ou tarde todo ser humano que pensa alguma coisa, qualquer um que não seja idiota, enfrenta o ‘Problema do Mal’; e quando observamos a raça humana tentando desvendar o significado do universo, ou aceitando a Revelação, ou seguindo religiões e filosofias falsas e deturpadas, nós encontramos os homens sempre preocupados com aquela insistente questão: ‘Por que sofremos? Por que devemos morrer?’

“Muitas soluções para o enigma torturante foram propostas. A mais simples e básica é não enfrentar o enigma; desviar os olhos do sofrimento e da morte; fingir que eles não existem, ou, quando eles se impõem sobre nós tão insistentemente que não podemos manter o fingimento, esconder então nossos sentimentos. Faz parte também desse péssimo método de tratar o problema o não mencionar o mal e o sofrimento e tentar esquecê-los o máximo possível.

“Uma solução menos básica, mas igualmente desprezível intelectualmente, é dizer que não há problema, pois, somos todos parte de uma coisa morta e sem sentido, sem nenhum Deus criador: é o mesmo que dizer que não há realidade no certo e errado e na concepção da beatitude ou da miséria.

“Outra forma mais nobre de solução do enigma, que foi a favorita da sofisticada civilização pagã da qual viemos – a forma dos grandes romanos e dos grandes gregos – é o estoicismo. Ele pode vulgarmente ser considerado ‘A filosofia do sofrer sorrindo’. Tem sido chamado por alguns acadêmicos ‘A permanente religião da humanidade’, mas ele não é nada disso; pois o estoicismo não é absolutamente uma religião. Ele tem pelo menos a nobreza de encarar os fatos, mas não propõe nenhuma solução. É completamente negativo.

“Profunda, mas desesperada, é a solução encontrada na Ásia – da qual o grande exemplo é o Budismo: a filosofia que chama o indivíduo de ilusão nos desafia a nos livrarmos do desejo para alcançar a imortalidade, e almeja a submersão na vida impessoal do universo.

“A solução católica todos nós conhecemos. Não que a Igreja Católica tenha proposto uma solução completa para o mistério do mal, pois nunca foi nem a alegação nem a função da Igreja explicar a natureza integral de todas as coisas, e sim salvar almas. Mas a Igreja Católica tem, para esse problema particular, uma resposta definitiva no interior de seu campo de ação. Ela diz, em primeiro lugar, que a natureza humana é imortal e feita para a beatitude; em segundo lugar, que a mortalidade e a dor são o resultado da Queda do homem, ou seja, da sua rebelião contra a vontade de Deus. Diz que desde a queda nossa vida mortal é um sofrimento e um teste em que, conforme nosso comportamento, recuperaremos (mas através dos méritos de nosso Salvador) a imortal beatitude que perdemos.”

No fundo, Boff é um maniqueu, talvez um cátaro. Pois os cátaros ainda existem hoje em dia em grande quantidade.

Eu sei que mesmo o texto de Belloc é muito elevado intelectualmente para esse herege. Não fosse isso, eu sugeriria a ele a leitura da questão disputada De Malo, de Santo Tomás de Aquino, ou mesmo o livro De Libero Arbitrio de Santo Agostinho.

Que fique claro um segundo ponto: Boff não conhece a Doutrina católica.

Falta ainda chamar a atenção dos leitores para a profunda soberba da afirmação de Boff. Será que ele acha que anunciar Deus a “um mundo abarrotado de miseráveis” é um problema moderno? Será que acha que ele o descobriu? Será que ele nunca leu os Evangelhos, onde Jesus prega o Reino de Deus exatamente a “um mundo abarrotado de miseráveis”?

Vou lembrar aqui apenas uma passagem do Evangelho. Judas Iscariotes pegunta a Jesus se Marta não deveria vender o caro bálsamo que ela estava passando nos pés de Jesus e dar o dinheiro aos miseráveis. E o Evangelho de São João ainda observa: “Disse isso, não porque tivesse pena dos pobres, mas porque era ladrão, e tendo a bolsa, tirava para si i que se lançava na mesma.” Qual a resposta de Jesus? Ele diz: “Deixai-a, para que ela o faça para o dia de minha sepultura. Pobres sempre os terão entre vós, porém a Mim nem sempre tereis.”

“Disse isso, não porque tinha pena dos pobres ...” Esta verdade se aplica também aos boffs da vida. Eles querem é usá-los para seus interesses de reforma do mundo, de revolta contra Deus. A mesma revolta que fez Adão e Eva pecarem. É o pecado original sempre nos rondando e nos lembrando da Queda. Ponhamos pois os boffs para fora.

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[1] Segundo D. Lourenço me informou, a tradução que fiz deste livro já está quase pronta. Assim que a edição ficar pronta, anuncio a todos neste blog.

3 comentários:

Eduardo Araújo disse...

Caríssimo Angueth,

Eu sou um de seus costumeiros leitores, embora não comente com frequência.

Acompanhei as suas postagens dos capítulos de As Grandes Heresias, de Belloc, e estou ansioso pelo anúncio de sua edição impressa.

Quanto a Boff, parece que ele usa tudo apenas como pretexto - na concepçao doentia dele - para atacar a Igreja, em particular o Papa. No fundo, é um comportamento de rancor contra a instituição que não o deixou ajudar a destrui-la a partir de dentro com a imbecilidade corrosiva de seu marxismo à la Gramsci.

Abraços e Feliz Páscoa!

Leandro disse...

Salve Maria

Professor, com certeza há muitos leitores de seu blog, e provavelmente pela qualidade de suas postagens, muitas vezes passam sem comentários, pois não há necessidade, são artigos excelentes, diversas vezes recomendo o blog para meus amigos.

Parabéns pelo blog.

Pax et bonum

Unknown disse...

Olá!

A mim parece que é o mentiroso que tem de se preocupar com a credibilidade do que anuncia. Ele, sim, precisa de crédito para suas palavras. Costuma ser o caso de quem diz que quer acabar com a miséria do mundo.

Quem anuncia a verdade (seja a Verdade Sagrada ou uma verdade qualquer), o faz à vista dos fatos e aí pouco ou nada importa a credibilidade do anúncio.

A minha impressão é que isso o próprio Incriado deixou bem claro no Antigo Testamento quando advertiu: "Eu sou aquele que sou". Ele não disse: "Eu sou aquilo que é crível"!

Tenho fé que é melhor acreditar em Deus, ainda que fosse anunciado em papel de embrulhar pão, do que acreditar nesses reformadores de mundos, ainda que seus anúncios de "justiça social" tenham chancela tabelionar.

Até logo!