30/11/2008

Os cátaros modernos: Saramago é um deles!

Os cátaros dos séculos XI, XII e XIII emergiram de uma correnteza subterrânea que fluía desde os maniqueus dos primeiros séculos do cristianismo. Contra estes lutaram grandes santos da Igreja: santo Agostinho e santo Irineu, por exemplo. Contra aqueles lutou o grande são Domingos e, ao seu lado, a Virgem Maria. É a aparentemente infindável gnose, sempre preparada a seduzir a mente humana.

Houve uma grande batalha no centro da França, no grande século XIII, em que a Igreja conseguiu vencer os cátaros e exterminar momentaneamente a heresia que defendiam. Heresia que acabaria com a humanidade caso vingasse e se tornasse uma força social.[1]

Mas o catarismo nunca acabou. Tingiu com suas cores a Reforma e hoje em dia opera a céu aberto no mundo. Onde se vê alguém afirmando que o mundo é mau, que o aborto é bom, que o casamento é mau, que qualquer tipo de guerra é má (“não importam os motivos da guerra, a paz é mais importante que eles”), que o vegetarianismo é bom etc., estamos diante de um cátaro moderno. O catarismo moderno vem misturado com todo o tipo de crença derivada de outra doutrina que seduz a mente humana permanentemente: o panteísmo. Mas isto é outra história.

O catarismo, como o maniqueísmo, é uma revolta contra Deus: Deus criou o mundo “e viu que era bom.” (Gênesis, 1). Os cátaros negam isso e daí tiram loucas doutrinas sobre a reforma do mundo. Querem fazer o que, segundo eles, Deus não conseguiu.

Se alguém acha que isso que foi dito acima é imaginação de um blogueiro desocupado, ouçam as palavras de Saramago, dita semana passada no Brasil.

A história da humanidade é um desastre contínuo. Nunca houve nada que se parecesse com um momento de paz. Se ainda fosse só a guerra, em que as pessoas se enfrentam ou são obrigadas a se enfrentar... Mas não é só isso. Esta raiva que no fundo há em mim, uma espécie de raiva às vezes incontida, é porque nós não merecemos a vida.

“Desde muito novo orientei-me para a consciência de que o mundo está errado. Não importa aqui qual foi o grau da minha militância todos esses anos. O que importa é que o mundo estava errado, e eu queria fazer coisas para modificá-lo.


Quem pensa assim só pode ser ... comunista! E o comunismo é a doutrina política dos cátaros modernos.

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[1] Aguardem “As Grandes Heresias”, da Editora Permanência, a ser publicado em 2009, para um detalhado estudo desta e de outras heresias.

29/11/2008

Lições das Missas dominicais pós-Vaticano II – Parte XI

O Evangelho deste domingo, 23/11/2008, na Missa de Paulo VI é Mt. 25, 31-46. Belíssimas e terríveis as palavras de Jesus. É a descrição do Juízo Final: “Todos os povos da terra serão reunidos diante Dele, e Ele separará uns dos outros, assim como o pastor separa as ovelhas à sua esquerda dos cabritos.” E então Ele prossegue, para as ovelhas: “Eu estava com fome e me destes de comer ...”. E para os cabritos: “Eu estava com fome e não me destes de comer.” Espantados, ovelhas e cabritos se perguntavam quando tinham dado (ou não) de comer ao Filho do homem. Disse Ele então: “Todas as vezes que (não) fizestes isso a um desses pequeninos, foi a mim que (não) fizestes!”

O que Nosso Senhor nos está dizendo? Será que é: “Arregacemos as mangas e partamos para a construção de novo mundo, de nova sociedade, a civilização do amor”? Isso é a interpretação do Sr. Carlos Francisco Signorelli, presidente do CNLB, em seu texto no Semanário Litúrgico-Catequético, de 23/11/2008. Pessoas como o Sr. Signorelli consideram Jesus um Marx avant la lettre, como já mencionei em outro texto. Ele teria vindo ao mundo para nos ensinar como mudar as estruturas sociais, como fazer a revolução, como “construir a civilização do amor”. Já disse também, em outro lugar, que era isso exatamente o que Judas, o traidor, achava de Jesus. Ele O considerava o libertador de Israel do jugo do Império Romano.

A Catena Áurea reproduz muitos comentários dos santos e doutores da Igreja sobre esta passagem do Evangelho. Vou comentar aqui o que escreve Santa Catarina de Sena sobre esse assunto.

O texto que reproduzo abaixo é do livro Diálogo, Editora Paulus, 10ª edição de 2007; tradução, notas e introdução de Frei João Alves Basílio, OP. Note como Deus fala sobre a caridade e como ela é ou não praticada. Os negritos são meus.

“2.6 Toda virtude é praticada no próximo

“Vou explicar-lhe agora que toda virtude se realiza no próximo, bem como todo pecado.

“Toda pessoa que vive longe de mim prejudica o próximo; e a si, dado que cada um é o primeiro próximo de si mesmo. Tal prejuízo pode ser desordem geral ou pessoal. Em geral, porque sois obrigados a amar os demais como a vós mesmos. De que maneira? Socorrendo espiritualmente pela oração, dando bom exemplo, auxiliando quanto ao corpo e quanto ao espírito, conforme as necessidades. No caso de alguém nada possuir, pelo menos há de ter o desejo de auxiliar! Quem não me ama, também não ama os homens; por isso não os socorre. Quem despreza a vida da graça, prejudica antes de tudo a si mesmo, mas prejudica também os outros, deixando de apresentar diante de mim – como é seu dever – orações e aspirações em favor deles. Todo e qualquer auxílio prestado ao próximo deve provir do amor que se tem por aquela pessoa, mas como conseqüência do amor que se tem por mim. Da mesma forma, todo mal se realiza no próximo, e quem não me ama, também não tem, amor pelos outros. A origem dos pecados está na ausência da caridade para comigo e para com o homem. Para fazer o mal, basta que se deixe de fazer o bem. Contra quem se age, a quem se prejudica na prática do mal? Primeiramente contra si mesmo; depois contra o próximo. A mim, não me prejudica. Eu não posso ser atingido, a não ser no sentido de que considero feito a mim o que se faz ao homem. Será um prejuízo que leva à culpa com privação da graça e, nesse caso, coisa pior não poderia acontecer; ou será uma recusa de afeição e amor, obrigatórios e que exigem o socorro pela oração e súplicas diante de mim. Tudo isso é auxílio de ordem geral, porque é devido aos homens em comum.

O auxílio de ordem pessoal consiste na colaboração prestada às pessoas com quem convivemos, pois existe a obrigação aos homens de se ajudarem mutuamente com bons conselhos, ensinamentos, bons exemplos e qualquer outra obra boa de que se necessite. (...) Quem não me ama, certamente não agirá convenientemente e prejudicará os demais. Nem serão apenas prejuízos por omissão do bem, mas ações más e danos até repetidos.”

“Toda virtude é praticada no próximo, bem como todo pecado” é um extraordinário resumo das palavras de Jesus. Assim como Santo Tomás de Aquino dizia que chegamos ao conhecimento racional máximo de Deus a partir das coisas sensíveis, de suas criaturas, assim também pecamos ou exercitamos as virtudes na criatura sensível de Deus chamada homem. Somos virtuosos ou pecadores no próximo.

Que dizer do texto do Sr. Signorelli? Ele começa criticando os antigos colégios católicos, que ficavam contando as orações, jaculatórias, confissões e comunhões dos alunos. Coisa gravíssima na visão deste senhor. Aliás, a palavra católico é usada só aqui, para consignar a crítica. Católico é mesmo muito retrógrado. Imagina ficar contando oração, jaculatória, confissão e comunhão. O que vale receber Cristo na Eucaristia? Imagina se isso se iguala a “construir a civilização do amor”!!!!

Depois, ele segue falando que “ser cristão não é viver da boca para fora”. Daqui para frente ele fala apenas de cristão, não de católico. Fala ainda que: “Ser cristão é viver como Jesus viveu, amar como Jesus amou ... Os gestos externos ou internos, as orações e jaculatórias, tudo isso não é ponto de partida no relacionamento com Deus. É ponto de chegada.”

Primeiramente, esse senhor parece desconhecer que Jesus orava permanentemente: “Ele saiu para um lugar deserto e se pôs em oração”. Ele rezava com tal freqüência que os discípulos Lhe perguntaram como rezar. E aí Ele lhes ensinou a Oração Dominical. Oração permanente é dever de todo católico, como diz Deus a Santa Catarina. Rezar pelos outros faz parte da caridade católica! Agora, isso de ponto de partida e chegada, eu não me meto, pois não entendi o que o Sr. Signorelli quis nos dizer.

No próximo parágrafo, o Sr. Signorelli nos fala de sua concepção de caridade: devemos acabar com a pobreza do mundo, apenas isso! Para isso, basta ser marxista. É claro que nenhum regime comunista jamais acabou com a pobreza no mundo, muito pelo contrário. Aliás, foi Jesus mesmo Quem disse: “Pobres sempre os terão entre vós”. Reduzindo assim o conceito de caridade, o Sr. Sigorelli, depois de arregaçar as mangas, termina seu artigo com uma frase do famigerado e herético documento de Aparecida: “homens e mulheres da Igreja no mundo e homens e mulheres do mundo na Igreja.”

Bem, todos sabem quem é o príncipe deste mundo! É a ele que o Sr. Signorelli parece adorar.

Termino com uma frase da carta 266 de Santa Catarina a Ristoro Canigiani: “A norma é [da caridade] esta: a pessoa há de estar disposta a entregar a própria vida para a salvação das almas, e a dar os bens materiais para salvar o corpo do próximo.” Não para salvar a sociedade, não para salvar o mundo: para “salvar o corpo do próximo”.

Para ver outros comentários, clique: Parte I, Parte II, Parte III, Parte IV, Parte V, Parte VI, Parte VII, Parte VIII, Parte IX, Parte X

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21/11/2008

Capítulo I. Observações Iniciais sobre a Ortodoxia: Final

Gilbert Keith Chesterton


A teoria da amoralidade na arte se estabeleceu firmemente na classe artística. Eles se sentiram livres para produzir qualquer coisa que desejassem. Estavam livres para escrever “O Paraíso Perdido” em que Satã conquistaria Deus. Podiam escrever a “Divina Comédia” em que o paraíso estaria sob o chão do inferno. E o que fizeram? Será que produziram em sua universalidade algo mais grandioso ou mais belo do que as coisas produzidas pelos gibelinos católicos, por um rígido professor puritano? Sabemos que produziram apenas uns poucos “roundels”.[1] Milton não os vencia somente em sua devoção, ele os vencia na própria irreverência deles. Em todos os seus pequenos livros de versos, você não encontrará um desafiante mais sofisticado de Deus que Satã. Tampouco encontrará a grandeza do paganismo visto pelos ardorosos cristãos que descreveram Faranata balançando a cabeça em puro desdém pelo inferno. E a razão é muito clara. A blasfêmia é um efeito artístico, pois depende de uma convicção filosófica. A blasfêmia depende da crença e está definhando com ela. Se alguém duvida disso, deixe-o sentar calmamente e tentar seriamente ter pensamentos blasfemos sobre Thor. Penso que a família desse sujeito o encontrará exausto ao final do dia.

Nem o mundo da política, nem o da literatura conseguiu ter sucesso com a rejeição das teorias gerais. Pode ser por causa dos ideais equivocados e lunáticos que de tempos em tempos atingem a humanidade. Mas, seguramente, não houve ideal posto em prática mais equivocado e lunático que o ideal da praticidade. Nada perdeu tantas oportunidades que o oportunismo de Lord Rosebery. Ele é, de fato, um símbolo permanente de sua época – o homem que é teoricamente um homem prático, e praticamente mais sem prática do que um teórico. Nada neste universo está tão longe da sabedoria que aquele tipo de adoração da sabedoria mundana. Um homem que está perpetuamente pensando se esta ou aquela raça é mais forte, ou se esta ou aquela causa é mais promissora, é um homem que nunca acreditará em algo por tempo suficiente para fazê-lo prosperar. O político oportunista é como um homem que para de jogar sinuca porque não consegue vencer e que para de jogar golfe porque não consegue vencer. Não há nada mais prejudicial aos propósitos práticos que essa enorme importância dada à vitória imediata. Não há maior fracasso que a vitória.

E tendo descoberto que o oportunismo realmente fracassa, fui induzido a considerá-lo mais detalhadamente e, em conseqüência, a ver que ele tem de fracassar. Percebi que é muito mais prático começar pelo começo e analisar as teorias. Vi que os homens que se matavam pela ortodoxia de Homoousion[2] eram muito mais sensíveis que as pessoas que estão discutindo a Lei da Educação. Pois a dogmática cristã estava tentando estabelecer um reino da santidade e tentando criar uma liberdade religiosa sem tentar definir o que é religião e o que é liberdade. Se os antigos padres impunham um juízo à humanidade, pelo menos se esforçavam previamente para torná-lo lúcido. Sobrou para a moderna turba de anglicanos e não-conformistas a perseguição doutrinária sem nem mesmo defini-la.

Por estas razões, e por muitas mais, eu, por exemplo, cheguei à crença na volta aos fundamentos. Tal é a idéia deste livro. Quero tratar com meus mais distintos contemporâneos, não pessoalmente ou de uma maneira meramente literária, mas em relação ao corpo doutrinário real que eles ensinam. Não estou preocupado com o Sr. Rudyard Kipling como um vívido artista ou uma vigorosa personalidade; estou preocupado com ele como um herege – isto é, um homem cujas idéias das coisas têm a audácia de diferir das minhas. Não estou preocupado com o Sr. Bernard Shaw como o homem vivo mais brilhante e um dos mais honestos; estou preocupado com ele como um herege – isto é, um homem cuja filosofia é muito sólida, muito coerente e muito forte. Volto-me para os métodos doutrinais do século XIII, inspirado pela esperança geral de conseguir alguma coisa.

Suponha que uma grande comoção surja, numa rua, sobre alguma coisa, digamos um poste de iluminação a gás, que muitas pessoas influentes desejam derrubar. Um monge de batina cinza, que é o espírito da Idade Média, começa a fazer algumas considerações sobre o assunto, dizendo à maneira árida da Escolástica: “Consideremos primeiro, meus irmãos, o valor da Luz. Se a Luz for em si mesma boa –”. Nessa altura, ele é, compreensivelmente, derrubado. Todo mundo corre para o poste e o põe abaixo em dez minutos, cumprimentando-se mutuamente em sua praticidade nada medieval. Mas, com o passar do tempo, as coisas não funcionam tão facilmente. Alguns derrubaram o poste porque queriam a luz elétrica; alguns outros, porque queriam o ferro do poste; alguns mais, porque queriam a escuridão, pois, seus objetivos eram maus. Alguns se interessavam pouco pelo poste, outros muito; alguns agiram porque queriam destruir os equipamentos municipais; alguns outros porque queriam destruir alguma coisa. E acontece uma guerra noturna, ninguém sabendo a quem atinge. Então, gradualmente, hoje, amanhã, ou depois de amanhã, forma-se a convicção de que o monge estava certo, afinal, e que tudo depende de qual é a filosofia da Luz. Mas o que podíamos discutir sob o lâmpada a gás, agora temos de discutir no escuro.

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[1] Emblemas nacionais em forma circular. (N. do T.)

[2] Palavra síntese do grande Concílio de Nicéia que significa “da mesma substância de”, é o “consubistantiálem” do Credo de Nicéia. Para lutar contra a insidiosa heresia ariana, “Os católicos afirmaram a integral divindade de Nosso Senhor pelo uso dessa palavra, que implicava que o Filho era da mesma substância Divina que o Pai; que Ele era o mesmo Ser; i.e., Deus”, como diz Belloc, em As Grandes Heresias. (N. do T.)


Ver também Hereges de G.K. Chesterton e Hereges - Capítulo I. Observações Iniciais sobre a Ortodoxia: Parte I, Hereges - Capítulo I. Observações Iniciais sobre a Ortodoxia: Parte II

15/11/2008

Convocação para o abaixo-assinado pela vida

Grupos pró-aborto estão promovendo um abaixo-assinado para que a ONU reconheça o aborto como um suposto direito universal, aproveitando a festa dos 60 anos da promulgação da Declaração Universal dos Diretos Humanos, no dia 10 de dezembro.

Nós, Comissão Episcopal Pastoral para a Vida e a Família da CNBB, entidades e movimentos em defesa da vida, estamos promovendo outro abaixo-assinado, ou seja, em favor da vida e contra o aborto. Precisamos de 50.000 assinaturas. Convocamos a todos para que divulguem esta nossa campanha a fim de neutralizar um flagrante desrespeito aos direitos humanos.

Faça sua assinatura, defenda a maternidade e a vida inocente votando a favor da dignidade do embrião, do feto e da criança no útero materno. Para isso, acesse:
http://www.c-fam.org/publications/id.101/default.asp

Repasse esta mensagem à sua família, seus amigos, enfim, a todas as pessoas . “Escolhe, pois, a vida” (Dt 30,19).

Brasília, 24 de outubro de 2008.

Dom Dimas Lara Barbosa
Bispo Auxiliar do Rio de Janeiro Secretário-Geral da CNBB

Dom Orlando Brandes
Arcebispo de Londrina e Presidente da Comissão Episcopal Pastoral para a Vida e Família

08/11/2008

Hereges de G.K. Chesterton

Nota: Apesar de desejar muito continuar a traduzir H. Belloc, começo hoje a tradução de Hereges de G.K. Chesterton. Considero que esta obra é mais importante, neste momento, de ser conhecida do público. Os leitores poderão julgar o acerto ou desacerto desta minha decisão no desenrolar da tradução. De qualquer forma, Chesterton e Belloc eram tão amigos e produziram obras tão afins que George Bernard Shaw os chamava de "monstro biforme Chesterbelloc". Rezem por este pobre tradutor para que ele dê conta do recado.



Fonte da obra
Os direitos autorais deste livro foram registrados em 1905 por John Lane Company. Este texto é o da décima nova edição (1919) publicada pela John Lane Company de Nova York e impressa pela Editora Plimpton de Norwood, Massachusetts. Ele se encontra em domínio público no Brasil.


O autor
Uma das melhores introduções à vida e à obra de Chesterton foi escrita por Ives Gandra da Silva Martins Filho como introdução à Ortodoxia, Editora LTr, São Paulo, 2001. Os leitores podem também consultar o texto de Dale Ahlquist, Quem é esse sujeito, e por que nunca ouvi falar dele?

Tiro do texto de Ives Gandra dois trechos relacionado com a obra Hereges.

Esta obra

“Junto ao ‘Clube dos Negócios Raros’, Chesterton publica em 1905 um livro que cairá como uma bomba nos meios intelectuais ingleses: trata-se de ‘Heretics’, obra em que ataca, com fino humor e numa lógica desconcertante, todos os ídolos literários da época, por considerar que, através deles, está se dando o envenenamento intelectual de toda uma geração. Assim, condena como hereges a George Moore, pelo seu subjetivismo ético, a Bernard Shaw, por seu socialismo desumanizador, a Rudyard Kipling, por seu imperialismo discriminatório, a H.G.Wells, por seu historicismo naturalista [a respeito do qual escreve sua outra obra-prima O Homem Eterno], e a Oscar Wilde , por seu esteticismo aético. Nem os amigos escapam de sua pena, que esgrime, sem ira, a defesa de algo que já começava a delinear em sua mente: uma concepção global do mundo, plasmada numa filosofia ou religião, que norteasse os aspectos díspares destacados pelos vários literatos que combate, por serem reducionistas da realidade, que é muito mais rica do que as teorias por eles propostas. Começa já a falar da ‘teologia geral cristã, que muitos odeiam e poucos estudam’ e que principia a lhe servir de norte para suas meditações.”

A obra Hereges dá, de certa forma, origem a uma das obras-primas de Chesterton: Ortodoxia. Ives Gandra nos lembra que: “Um tal de G.S. Street publica, nesse ano [1908], o livro ‘G.K. Chesterton – Estudo Crítico’, reconhecendo o talento de Chesterton, mas criticando acerbadamente suas obras, ao fundamento de que destruir e atacar todo mundo é fácil, como o fez em ‘Hereges’; difícil mesmo é construir uma visão sólida e coerente do mundo.”

Este tal de G.S. Street ficou famoso às custas de Chesterton, que já na introdução de Ortodoxia diz: “A única desculpa possível para este livro é o fato de ser ele a resposta a um desafio. Um atirador, por pior que seja, torna-se digno de respeito quando aceita um duelo. Quando, há algum tempo, publiquei, sob o título de Hereges, uma série de ensaios, escritos apressadamente porém com sinceridade, alguns críticos, cuja inteligência admiro (refiro-me especialmente ao senhor G.S. Street), declararam que eu incitava todos a tornarem públicas suas teorias sobre os problemas cósmicos, mas evitava, cautelosamente, apoiar meus preceitos com o exemplo. ‘Começarei a me inquietar com minha filosofia’ – disse, nessa ocasião, o senhor Street – ‘quando o senhor Chesterton nos tiver apresentado a sua’. Era, talvez, uma imprudente sugestão feita a quem está sempre preparado para escrever um livro à mais leve provocação.”

O livro Ortodoxia teve um destino, no Brasil, mais feliz que Hereges, tendo merecido por aqui algumas traduções, a última das quais em 2008, pela Editora Mundo Cristão, em comemoração ao centenário da obra.

Hereges, pelo que sei, ainda não foi traduzido para o português, tarefa a que, temerariamente, me lanço agora neste blog. Tarefa temerária pela dificuldade de se traduzir Chesterton e pela modesta capacidade do tradutor. Mas como ninguém mais bem preparado apareceu, sobrou para mim o preenchimento desta lacuna indesculpável da ausência deste livro em nossa língua pátria.


Sumário da obra

1. Observações Iniciais sobre a Importância da Ortodoxia
2. Sobre o Espírito Negativista.
3. Sobre o sr. Rudyard Kipling e Fazendo o Mundo Pequeno
4. O sr. Bernard Shaw
5. O sr. H. G. Wells e os Gigantes
6. O Natal e os Estetas
7. Omar e o Vinho Sagrado
8. A Delicadeza da Imprensa Amarela
9. O Temperamento do sr. George Moore
10. Sobre Sandálias e Simplicidade
11. A Ciência e os Selvagens
12. O Paganismo e o sr. Lowes Dickinson
13. Os celtas e os Celtófilos
14. Sobre Certos Escritores Modernos e a Instituição da Família
15. Sobre Novelistas Inteligentes
16. Sobre o sr. McCabe e a Divina Frivolidade
17. Sobre o Wit of Whistler
18. A Falácia da Jovem Nação
19. Novelistas de Cortiço e os Cortiços
20. Observações Finais sobre a Importância da Ortodoxia

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Ver Hereges, de Chesterton, será publicado em português, pela primeira vez.