Gilbert Keith Chesterton
A teoria da amoralidade na arte se estabeleceu firmemente na classe artística. Eles se sentiram livres para produzir qualquer coisa que desejassem. Estavam livres para escrever “O Paraíso Perdido” em que Satã conquistaria Deus. Podiam escrever a “Divina Comédia” em que o paraíso estaria sob o chão do inferno. E o que fizeram? Será que produziram em sua universalidade algo mais grandioso ou mais belo do que as coisas produzidas pelos gibelinos católicos, por um rígido professor puritano? Sabemos que produziram apenas uns poucos “roundels”.[1] Milton não os vencia somente em sua devoção, ele os vencia na própria irreverência deles. Em todos os seus pequenos livros de versos, você não encontrará um desafiante mais sofisticado de Deus que Satã. Tampouco encontrará a grandeza do paganismo visto pelos ardorosos cristãos que descreveram Faranata balançando a cabeça em puro desdém pelo inferno. E a razão é muito clara. A blasfêmia é um efeito artístico, pois depende de uma convicção filosófica. A blasfêmia depende da crença e está definhando com ela. Se alguém duvida disso, deixe-o sentar calmamente e tentar seriamente ter pensamentos blasfemos sobre Thor. Penso que a família desse sujeito o encontrará exausto ao final do dia.
Nem o mundo da política, nem o da literatura conseguiu ter sucesso com a rejeição das teorias gerais. Pode ser por causa dos ideais equivocados e lunáticos que de tempos em tempos atingem a humanidade. Mas, seguramente, não houve ideal posto em prática mais equivocado e lunático que o ideal da praticidade. Nada perdeu tantas oportunidades que o oportunismo de Lord Rosebery. Ele é, de fato, um símbolo permanente de sua época – o homem que é teoricamente um homem prático, e praticamente mais sem prática do que um teórico. Nada neste universo está tão longe da sabedoria que aquele tipo de adoração da sabedoria mundana. Um homem que está perpetuamente pensando se esta ou aquela raça é mais forte, ou se esta ou aquela causa é mais promissora, é um homem que nunca acreditará em algo por tempo suficiente para fazê-lo prosperar. O político oportunista é como um homem que para de jogar sinuca porque não consegue vencer e que para de jogar golfe porque não consegue vencer. Não há nada mais prejudicial aos propósitos práticos que essa enorme importância dada à vitória imediata. Não há maior fracasso que a vitória.
E tendo descoberto que o oportunismo realmente fracassa, fui induzido a considerá-lo mais detalhadamente e, em conseqüência, a ver que ele tem de fracassar. Percebi que é muito mais prático começar pelo começo e analisar as teorias. Vi que os homens que se matavam pela ortodoxia de Homoousion[2] eram muito mais sensíveis que as pessoas que estão discutindo a Lei da Educação. Pois a dogmática cristã estava tentando estabelecer um reino da santidade e tentando criar uma liberdade religiosa sem tentar definir o que é religião e o que é liberdade. Se os antigos padres impunham um juízo à humanidade, pelo menos se esforçavam previamente para torná-lo lúcido. Sobrou para a moderna turba de anglicanos e não-conformistas a perseguição doutrinária sem nem mesmo defini-la.
Por estas razões, e por muitas mais, eu, por exemplo, cheguei à crença na volta aos fundamentos. Tal é a idéia deste livro. Quero tratar com meus mais distintos contemporâneos, não pessoalmente ou de uma maneira meramente literária, mas em relação ao corpo doutrinário real que eles ensinam. Não estou preocupado com o Sr. Rudyard Kipling como um vívido artista ou uma vigorosa personalidade; estou preocupado com ele como um herege – isto é, um homem cujas idéias das coisas têm a audácia de diferir das minhas. Não estou preocupado com o Sr. Bernard Shaw como o homem vivo mais brilhante e um dos mais honestos; estou preocupado com ele como um herege – isto é, um homem cuja filosofia é muito sólida, muito coerente e muito forte. Volto-me para os métodos doutrinais do século XIII, inspirado pela esperança geral de conseguir alguma coisa.
Suponha que uma grande comoção surja, numa rua, sobre alguma coisa, digamos um poste de iluminação a gás, que muitas pessoas influentes desejam derrubar. Um monge de batina cinza, que é o espírito da Idade Média, começa a fazer algumas considerações sobre o assunto, dizendo à maneira árida da Escolástica: “Consideremos primeiro, meus irmãos, o valor da Luz. Se a Luz for em si mesma boa –”. Nessa altura, ele é, compreensivelmente, derrubado. Todo mundo corre para o poste e o põe abaixo em dez minutos, cumprimentando-se mutuamente em sua praticidade nada medieval. Mas, com o passar do tempo, as coisas não funcionam tão facilmente. Alguns derrubaram o poste porque queriam a luz elétrica; alguns outros, porque queriam o ferro do poste; alguns mais, porque queriam a escuridão, pois, seus objetivos eram maus. Alguns se interessavam pouco pelo poste, outros muito; alguns agiram porque queriam destruir os equipamentos municipais; alguns outros porque queriam destruir alguma coisa. E acontece uma guerra noturna, ninguém sabendo a quem atinge. Então, gradualmente, hoje, amanhã, ou depois de amanhã, forma-se a convicção de que o monge estava certo, afinal, e que tudo depende de qual é a filosofia da Luz. Mas o que podíamos discutir sob o lâmpada a gás, agora temos de discutir no escuro.
________________________________________
[1] Emblemas nacionais em forma circular. (N. do T.)
[2] Palavra síntese do grande Concílio de Nicéia que significa “da mesma substância de”, é o “consubistantiálem” do Credo de Nicéia. Para lutar contra a insidiosa heresia ariana, “Os católicos afirmaram a integral divindade de Nosso Senhor pelo uso dessa palavra, que implicava que o Filho era da mesma substância Divina que o Pai; que Ele era o mesmo Ser; i.e., Deus”, como diz Belloc, em As Grandes Heresias. (N. do T.)
Ver também Hereges de G.K. Chesterton e Hereges - Capítulo I. Observações Iniciais sobre a Ortodoxia: Parte I, Hereges - Capítulo I. Observações Iniciais sobre a Ortodoxia: Parte II
Nenhum comentário:
Postar um comentário