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Mas, não só a Igreja, mas “os velhos pagãos gregos, os judeus do Antigo Testamento e os grandes mestres cristãos da Idade Média. (...) Todas essas pessoas nos recomendavam unanimemente que não emprestássemos dinheiro a juros; no entanto, emprestar dinheiro a juros – aquilo a que damos o nome de ‘investimento’ – é a própria base de todo o nosso sistema econômico. (...) Três grandes civilizações [grega, romana e medieval] estiveram de acordo – ou pelo menos assim parece, à primeira vista -- em condenar precisamente aquilo em que baseamos toda a nossa vida econômica.” (C.S.Lewis, Mero Cristianismo)
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Parece-me que é exatamente pelo que Olavo de Carvalho observa que a Igreja evolui de uma posição de condenação dos juros para a condenação da usura.
Um detalhe interessante da história econômica se relaciona com a evolução do entendimento do homem do que sejam os juros. Tem-se como certo de que foi von Mises, aluno de Böhm-Bawerk, que nos explicou o que era de fato os juros, a que esse preço da economia se relacionava: quem cobra juros vende tempo: “o direito à remuneração provém de que o banqueiro não troca simplesmente uma riqueza por outra, mas troca riqueza em ato por riqueza em potência”. (Capitalismo e Cristianismo, Olavo de Carvalho) Ou seja, supostamente ninguém antes de von Mises tinha “sacado” o verdadeiro significado dos juros, o que dá ao economista austríaco um confortável lugar no panteão dos pioneiros.
Bem eu descobri (não, não devo ter sido pioneiro nisso!) recentemente que, se não estou completamente enganado, a idéia do fator tempo no significado dos juros já era velha de pelo menos 6 séculos quando von Mises a “redescobriu”. Santa Catarina de Sena, em O Diálogo (14.2), descreve Deus lhe dizendo o seguinte: “Outros pecados ficam nos bens materiais, como nos avarentos e gananciosos. Estes fazem como as toupeiras, que se alimentam de terra até à morte. Só que estes pecadores, ao chegar o dia da morte, já não têm mais cura. Gananciosos, eles negociam o tempo, são usurários, cruéis, ladrões. Sua memória se esquece dos meus benefícios. Em caso contrário, deixariam de ser cruéis consigo mesmos e com os outros. De si mesmos teriam pena, praticando as virtudes; dos outros, pelo serviço da caridade. (...) Ele [o pecador] mata a alma, torna-a escrava dos bens materiais, negligente em observar os meus mandamentos. O ganancioso-avarento não ama ninguém, a não ser por interesse próprio.” [Negritos meus]
Aí está, em pleno século XIV, a santa, e doutora da Igreja, dizendo que os gananciosos (usurários) “negociam o tempo”, adiantando assim, é o que me parece, o grande achado do economista austríaco.
Mas Deus adianta ainda mais. O que O preocupa não é a eficiência econômica, da qual a cobrança de juros (altos ou baixos) é uma parte importante, “base de nossa vida econômica”, como nos lembra Lewis. Deus quer salvar as almas que ele criou. Ele parece pensar que a ganância (mesmo que promovendo a eficiência econômica) depõe contra a salvação das almas: “o pecador [usurário] mata a alma”. Já dizia São Paulo, muito antes de Santa Catarina, que muitas coisas nos são possíveis, mas apenas algumas recomendáveis. Parece ser este o caso.
Talvez seja interessante ler o que a Enciclopédia Católica nos diz dos juros e da usura.
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