18/12/2007

Mensagem de Natal de 2007

Uma leitora anônima acaba de colocar um comentário na mensagem de Natal que postei neste blog em 2006. Diz ela:

“não entendo nada, mas aqui vai uma perguntinha: porque nós andamos por aqui sem saber o que estamos a fazer? não sabemos de nada, não entendemos nada,e esse tal de cristo ,nunca aparece por aqui para que agente possa dar-lhe um bom dia perguntar se ele está bem lá onde ele anda. deixou agente sozinhos por aqui e quer que agente esteja sempre rezar gostaria muito de uma explicação. vós que sabeis de tudo explique. obrigada”

A ironia da leitora trai seu mais profundo desespero e é a esse desespero que eu quero responder. A resposta será a mensagem do Natal 2007 aos leitores deste blog. O texto da mensagem é de C.S. Lewis e é parte do capítulo 5 de seu extraordinário “Mero Cristianismo”, edições Quadrante. Atente bem leitora para os últimos parágrafos deste belíssimo texto de Lewis. Recomendo também o texto de Gustavo Corção intitulado Se Ele não tivesse vindo.

“Cristo levou a cabo a rendição e a humilhação perfeitas: perfeitas porque era Deus, rendição e humilhação porque era homem. Ora, a fé cristã diz-nos que, se de alguma forma participarmos da humilhação e dos sofrimentos de Cristo, participaremos também da sua vitória sobre a morte e encontraremos, após o fim dos nossos dias, uma vida nova na qual nos tornaremos criaturas perfeitas e perfeitamente felizes.

“Isto significa algo muito mais importante do que simplesmente tentarmos seguir os ensinamentos de Jesus. As pessoas perguntam muitas vezes quando acontecerá o ‘próximo passo’ na evolução, o passo em direção a alguma coisa para além do humano. Mas, do ponto de vista cristão, esse passo já foi dado. Em Cristo, surgiu uma nova espécie de homem, e resta agora que o novo tipo de vida que se iniciou com Ele nos seja transmitido.

“Há três coisas que fazem a vida de Cristo chegar até nós: o Batismo, a Fé e esse mistério que diferentes grupos cristãos designam com nomes diferentes – a Sagrada Comunhão, a Missa, a Ceia do Senhor.

“Quanto a mim, confesso que não consigo entender por que precisamente essas três coisas – o Batismo, a Fé e a Sagrada Comunhão – deveriam ser os canais de propagação da nova vida; como aliás, se não mo tivessem explicado, também não teria compreendido nuca a conexão que há entre determinado prazer físico e o aparecimento de um novo ser humano sobre a terra.

“Mas não pense o leitor que eu esteja afirmando que o Batismo, a Fé e a Sagrada Comunhão são meios que venham a substituir os seus esforços pessoais por imitar Cristo. Você recebeu a vida natural dos seus pais, mas isso não significa que continuará a dispor dela se não fizer nada por preservá-la; pode perdê-la por negligência ou lançá-la for apelo suicídio. Tem de alimentá-la e cuidar dela, sem nunca perder de vista que não é você quem dá essa vida a si próprio, mas apenas conserva algo que lhe foi entregue por outras pessoas. Da mesma forma, um cristão pode vir a perder a vida de Cristo que lhe foi dada, e tem de esforçar-se por preservá-la, sem nunca esquecer que nem sequer o melhor cristão do mundo tem essa vida por si mesmo; apenas alimenta ou protege uma vida que nunca poderia ter adquirido graças aos seus próprios esforços.

“Por isso, o cristão está numa situação diferente da de outros homens que também se esforçam por ser bons. Estes esperam agradar a Deus, se é que ele existe, pelo seu bom comportamento; e, se pensam que Ele não existe, esperam pelo menos merecer a aprovação dos homens bons. Já o cristão reconhece que todo o bem que faz procede da vida de Cristo que traz dentro de si. Sabe que Deus não nos ama por sermos bons, mas que nos fará bons porque nos ama.

“Quero deixar bem claro que, quando os cristãos dizem que a vida de Cristo está neles, não se referem apenas a alguma operação mental ou moral. Quando proclamam que estão ‘em Cristo’ ou que Cristo está ‘neles’, não querem dizer simplesmente que pensam em Cristo ou procuram imitá-lo. Querem dizer que Cristo está ‘realmente’ atuando através deles; que toda a massa dos cristãos é o organismo físico através do qual Cristo atua; que eles são – nós somos – os dedos de Cristo e os seus músculos, as células do seu corpo.”

“Bem, na verdade os cristãos crêem que Ele desembarcará uma segunda vez com todo o seu poderio; só não sabemos quando. Mas podemos muito bem adivinhar por que está atrasando sua vinda; é que deseja dar-nos a oportunidade de aderir livremente a Ele.

“Sim, Deus voltará em triunfo. Só não sei se as pessoas que exigem dEle uma intervenção aberta e direta no nosso mundo realmente compreendem o que isso significará, quando acontecer. Porque, quando acontecer, significará o fim do mundo. No momento em que o autor de uma peça de teatro sobe ao palco, é porque a peça terminou.

“Hoje, agora, este momento: esta é a hora para escolhermos o lado certo. Deus ainda se mantém oculto justamente para nos dar essa oportunidade. Não o fará para sempre. Devemos aceitá-lo ou rejeitá-lo.”

Que o Altíssimo nos faça merecedores dessa nova vida que seu Divino Filho veio nos trazer. É o que eu desejo a todos os leitores deste blog.

2 comentários:

Anônimo disse...

Tb cabe lembrar à mocinha que, quando "este tal de Cristo" veio por estas bandas , nem todo mundo acreditou nele. Assim, sua presença física não é a solução essencial deste problema.

Anônimo disse...

Segue abixo mais uma tradução q recebi do Chesterton

Uma idéia simples

Chesterton
Tradução de Henrique Elfes



A maior parte dos homens retornaria aos antigos costumes em matéria de fé e
de moral se conseguissem ampliar suficientemente os seus horizontes. É
principalmente a sua estreiteza mental que os mantém nos trilhos da negação.
Mas esse alargamento mental é facilmente mal interpretado, porque a mente
precisa ser alargada para poder enxergar as coisas simples, ou mesmo as que
são evidentes em si mesmas. Temos necessidade de uma espécie de esticamento
da nossa imaginação para conseguirmos ver os objetos óbvios delinearem-se
contra o seu fundo óbvio, especialmente quando se trata de objetos grandes
colocados diante de um fundo grande.



Sempre há, por exemplo, aquele tipo de pessoas que não conseguem enxergar
nada além da mancha no tapete, a tal ponto que são incapazes de enxergar
sequer o tapete; esse tipo de atitude tende à irritação, que por vezes se
amplia até à rebelião. Depois, há aquele tipo de pessoas que só conseguem
enxergar o tapete, talvez por tratar-se um tapete novo; essa atitude já é
mais humana, mas pode facilmente estar tingida de vaidade e até de
vulgaridade. Há também o homem que só enxerga o aposento atapetado, e assim
tende a estar isolado de muitas outras coisas — especialmente das
dependências do empregados. E, por fim, há o homem alargado pela imaginação,
que é incapaz de permanecer sentado no quarto atapetado, ou mesmo no porão
do carvão, sem enxergar a todo o momento o perfil da casa inteira delineado
contra o seu fundo primevo de terra e céu. Este homem, que compreende que
desde a sua origem o telhado foi concebido como um escudo contra o sol e a
neve, e a porta contra o frio e a lama, saberá melhor — e não pior — do que
o primeiro que não deveria haver uma mancha no tapete. E, ao contrário desse
homem, saberá também por que existe um tapete.



Este homem olhará do mesmo modo as falhas e manchas que possa haver na
história da sua tradição e do seu credo. Não procurará explicá-las
engenhosamente, nem muito menos tentará negá-las. Muito pelo contrário,
enxerga-las-á com toda a simplicidade, mas também as enxergará dentro de um
marco muito amplo, e contrastando com um fundo ainda mais amplo. Fará aquilo
que os seus críticos, em hipótese alguma, são capazes de fazer: verá as
coisas óbvias e fará as perguntas óbvias. Quanto mais leio as modernas
críticas contra a religião, e especialmente contra a minha própria religião,
mais me assusta essa estreita concentração em determinados pontos, essa
incapacidade imaginativa de compreender o problema como um todo.



Andei lendo recentemente uma condenação muito moderada das práticas
católicas tradicionais, vinda dos Estados Unidos, onde esse tipo de
condenações nem sempre é muito moderado. Falando de maneira genérica,
poderia dizer que essa crítica assume a forma de um enxame de questiúnculas,
às quais eu estaria plenamente disposto a responder se não tivesse uma
consciência tão viva das grandes perguntas que não são formuladas, aos invés
das pequenas perguntas que o são. Acima de tudo, sinto falta deste fato tão
simples e tão esquecido: sejam ou não verdadeiras determinadas acusações que
se lançam contra os católicos, o que está além de qualquer dúvida é que são
verdadeiras quando aplicadas a qualquer outra instituição. O crítico nunca
se lembra de fazer alguma coisa tão simples como comparar o católico com o
não-católico. A única coisa que nunca parece cruzar-lhe a mente, quando
argumenta acerca da idéia que tem da Igreja, é perguntar-se com toda a
simplicidade que seria do mundo sem a Igreja.



É isto o que procuro exprimir ao dizer que se pode ser demasiado estreito
para enxergar a casa que se chama Igreja contra o seu fundo que se chama
Cosmos. A título de exemplo: o autor que acabei de mencionar incorre na
milionésima repetição mecânica da acusação de repetição mecânica; diz ele
que repetimos as orações e outras fórmulas verbais sem pensar no seu
significado. Não há dúvida de que conta com milhares de simpatizantes que
repetirão essa denúncia depois dele, sem pensarem nem por um momento no que
significa. Mas, antes mesmo de explicarmos quais são realmente os
ensinamentos da Igreja a esse respeito, ou de citarmos as suas inúmeras
recomendações para que se procure prestar atenção às orações vocais, ou de
expormos as razões das razoáveis exceções que ela autoriza, há uma ampla,
simples e luminosa verdade acerca de toda essa questão, e qualquer pessoa
pode vê-la se andar pelo mundo de olhos abertos: é o fato óbvio de que todas
as formas de dizer humanas tendem a fossilizar-se em formalismos, e de que a
Igreja é um exemplo único na História, não por falar uma língua morta num
mundo de línguas imortais, mas, pelo contrário, por ter preservado uma
língua viva num mundo de línguas moribundas. Explico-me.



Quando o grande brado grego, velho como o próprio cristianismo, invade a
Missa, muitos talvez se surpreenderão ao descobrir que há muita gente na
igreja que repete “Senhor, tende piedade de nós”, e pretende realmente
afirmar o que está dizendo. Seja como for, essas pessoas têm muito mais
consciência do que dizem do que um homem que encabeça uma carta com um
“Prezado Senhor”. “Prezado” é, neste contexto, evidentemente uma palavra
morta; no lugar em que é empregada, deixou de ter qualquer significado. No
entanto, é exatamente isto o que qualquer crítico alega contra “os ritos e
as formas papistas”: trata-se de um ato realizado de maneira rápida, ritual,
sem se conservar a menor lembrança do seu significado.



Quando o Senhor Jones, advogado, escreve “prezado Senhor” ao Senhor Brown, o
banqueiro, não pretende afirmar que sente profunda afeição pelo banqueiro,
ou que o seu coração está repleto de caridade cristã, nem mesmo naquela
ínfima medida em que o está o coração de um pobre papista ignorante a
assistir à Missa. Ora bem, a vida, essa vida humana ordinária, simples,
divertida, pagã, simplesmente transborda de palavras mortas e de cerimônias
sem significado. Não se escapará delas fugindo da Igreja para o “mundo”.
Quando o crítico em questão, ou mil outros críticos iguais a ele, afirma que
só se exige do católico uma presença material ou mecânica na Missa, está a
afirmar algo que simplesmente não se aplica ao católico médio nas suas
disposições para com os sacramentos católicos. Mas diz algo que efetivamente
é verdade se for aplicado a qualquer funcionário público médio no desempenho
das suas funções, a qualquer baile da Corte ou recepção no Ministério, ou a
aproximadamente três quartos daquilo que a sociedade normal chama “visitas
de cortesia”.



Essa morte lenta dos atos sociais repetitivos pode ser indiferente em si
mesma, ou pode ser melancólica, ou pode ser uma conseqüência do Pecado
Original, ou pode ser qualquer coisa que o crítico deseje. Mas aqueles que
fizeram disso, centenas e centenas de vezes, uma acusação especial e
concentrada contra a Igreja, são homens cegos para o inteiro mundo humano em
que vivem e incapazes de enxergar qualquer coisa para além da única coisa
que sabem repetir.



Ainda no escrito que mencionei, há inúmeros outros casos dessa estranha e
sinistra inconsciência. O autor queixa-se, por exemplo, de que os sacerdotes
são conduzidos de olhos vendados ao seu ministério e não compreendem os
deveres que traz consigo. Também isso já o ouvimos antes. Mas raramente o
ouvi formulado de maneira tão extraordinária como nessa acusação de que um
homem pode ser definitivamente votado ao sacerdócio “desde a infância”. O
autor parece ter idéias bastante curiosas e elásticas acerca da duração da
infância, [...] pois um sacerdote tem pelo menos vinte e quatro anos quando
formula os seus compromissos. Mais uma vez, sinto-me perseguido pela enorme
e nua e mesmo assim negligenciada comparação entre a Igreja e tudo aquilo
que está fora da Igreja. [...]



Com efeito, que havemos de dizer aos que quereriam comparar o patriotismo ou
a cidadania civil com a Igreja nesta matéria? Rapazes de dezoito anos têm de
alistar-se obrigatoriamente; na Guerra, vimos voluntários de dezesseis anos
serem aplaudidos por afirmarem que tinham dezoito; vimo-los ser lançados aos
milhares naquela imensa fornalha e câmara de torturas, que a sua imaginação
era incapaz de conceber de antemão, e da qual a sua honra os proibia de
fugir; e vimo-los ser mantidos nesses horrores ano após ano, sem qualquer
esperança de vitória; e vimo-los ser mortos como moscas, aos milhões, antes
de que tivessem tido a oportunidade de viver. Isto é o que faz o Estado;
isto é o que faz o “mundo”; isto é o que faz a sociedade, essa sociedade
secularizada, prática e razoável. E depois de tudo isso, ainda têm a
inominável impudência de vir queixar-se de nós porque permitimos que, dentre
uma pequena minoria especializada, um homem escolha uma vida de caridade e
paz, não depois de ter completado vinte e um anos, mas quando já se aproxima
dos trinta, e depois de ter tido quase dez anos para refletir serenamente
sobre a sua vocação!



Em suma, sinto falta, em tudo isso, da pergunta óbvia: qual o resultado que
obteremos se compararmos a Igreja com o “mundo” que está fora dela, ou que
se opõe a ela, ou que nos é oferecido como uma alternativa para a Igreja? E
a evidente resposta é que o “mundo” comete todas as barbaridades de que
sempre acusou a Igreja, e as comete de maneira muito pior, e as comete em
escala muito maior, e — e isto é o pior e o mais importante — as comete sem
dispor de padrões para voltar à sanidade nem de motivos para fazer um
movimento de penitência. Os abusos católicos podem ser reformados, porque
dispomos de uma forma universalmente aceita; os pecados católicos podem ser
expiados, porque há um teste e um princípio de expiação. Em que outra parte
do mundo de hoje havemos de encontrar semelhante teste ou padrão? Ou mesmo
qualquer coisa além de veleidades sempre cambiantes, que fizeram do
patriotismo a grande moda de há dez anos, e do pacifismo a grande moda dez
anos depois?



O perigo atual é que as pessoas não se dispõem a ampliar suficientemente os
seus horizontes a ponto de se tornarem capazes de enxergar as coisas óbvias,
e esta é uma delas. Os homens acusam a tradição Romana de ser semi-pagã, e
depois se refugiam num paganismo completo; queixam-se de que os cristãos se
deixaram contaminar pelo paganismo, e depois fogem dos doentes para se
refugiarem junto à doença. Não há uma única falta institucional imputada à
Igreja Católica que não esteja presente de maneira muitíssimo mais
flagrante, e até gritante, em qualquer outra instituição — o Estado, a
Escola, a moderna máquina tributária e policial — que as pessoas se voltam,
na esperança de que serão salvas por elas da superstição dos seus pais. Esta
é a contradição, esta é a violenta colisão, este é o inevitável desastre
intelectual em que estão envolvidas até as orelhas. Quanto a nós, só nos
resta esperar, pondo em jogo toda a paciência de que sejamos capazes, até
descobrirmos quanto tempo levarão para descobrir o que foi que lhes
aconteceu.



(A simple thought, in The Thing, Sheed & Ward, Londres, 1946)

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Fonte: CHESTERTON, G. K. Os Paradoxos do Cristianismo. São Paulo: Quadrante,
1993.