27/05/2007

Jesus não era esquerdista

Começo, com este texto de Dennis Prager, um projeto de tradução mais permanente de, pelo menos, três autores colunistas do Townhall --

o judeu Dennis Prager,




o evangélico Mike S. Adams e








Esse projeto complementa minhas traduções regulares de Thomas Sowell (outro negro) para o Mídia Sem Máscara. Espero que eu possa manter a regularidade de pelo menos um artigo por semana. Divitam-se.


Dennis Prager


O candidato presidencial e ex-senador John Edwards disse a um entrevistador do site religioso beliefnet.com que Jesus “estaria desapontado” com a pequena quantidade de americanos que ajudam os destituídos que vivem entre nós. O sr. Edwards disse, que Ele “estaria horrorizado” com o nosso egoísmo.

Na visão de John Edwards e outros cristãos esquerdistas, Jesus aumentaria os impostos, socializaria a medicina, seria pró-escolha e advogaria o casamento entre pessoas de mesmo sexo. Mas, acima de tudo, Jesus seria anti-guerra, se oporia às forças armadas e seria essencialmente um pacifista.

Isso é principalmente baseado em um de Seus mais famosos dizeres: “Ao que te ferir numa face, oferece-lhe também a outra.”

A falha de interpretação de tais afirmações como idéias políticas sobre como as nações devem se comportar é que Jesus estava falando sobre a vida individual – o micro – não sobre nações e o macro.[1]

Essa confusão entre a micro e a macro moralidade não aflige só a esquerda, ela também aflige a direita. Um exemplo é quando os conservadores religiosos igualam a blasfêmia privada com a pública. Apesar de que, idealmente, devemos evitar blasfemar tanto em privado quanto em público, não há comparação moral entre usar certas palavras em conversas particulares e usá-las em público. Acredita-se que se um conservador religioso ouvir um professor usar um termo inapropriado numa conversa com outra pessoa, ele não compararia tal fato com o uso da expressão numa aula do professor. O primeiro poderia ser um pecado pessoal, mas o segundo é um fato destrutivo para sociedade.

No entanto, é a esquerda que é mais inconsciente da distinção entre o micro e o macro. Sua compreensão de Jesus é um bom exemplo. A esquerda nos consideraria uma nação que poria em prática a admoestação de Jesus: : “Ao que te ferir numa face, oferece-lhe também a outra.”

Mas Jesus estava claramente se referindo às relações interpessoais. É de suma importância quando se está tentando entender qualquer trecho da Bíblia, ou de qualquer outro texto, ler uma passagem no contexto do material em torno. Como os comentários bíblicos freqüentemente advertem: “O contexto é tudo.”

Notando o que precede e o que segue aquele versículo, pode-se mostrar que ele trata de atitudes e comportamentos individuais em questões tais como a ira contra outro indivíduo, adultério, divórcio, juramento, doação aos pobres, oração, jejum, etc. Jesus estava falando sobre relações interpessoais e observava que nessas relações não é geralmente uma boa idéia retribuir a bofetada.

Agora, imagine o princípio aplicado às nações: Devíamos ter dito aos japoneses, depois do ataque a Pearl Harbor, “Agora que vocês nos atacaram a oeste, façam o favor de jogar suas bombas também a leste”?

A idéia de que um país deve oferecer a outra face a um agressor é simplesmente imoral, além de suicida. Tal pensamento torna Jesus e a Bíblia cristã idiotas.

Também mostra quão hipócrita são os ataques da esquerda aos conservadores religiosos por lerem a Bíblia literalmente. É a esquerda que usa um literalismo muito mais perigoso quando ela aplica as palavras de Jesus à política nacional. Aqueles religiosos de direita que acreditam que Deus criou o mundo em seis dias de 24 horas estão usando, acredito eu, um literalismo completamente desnecessário. Mas ele não é perigoso. O literalismo bíblico de esquerda, contudo, ao aplicar o “oferece-lhe também a outra” a milhões de nossos cidadãos, é fatalmente perigoso.

Além do literalismo, outra hipocrisia: os ataques da esquerda à direita religiosa por ameaçar substituir nossa democracia por uma teocracia que imporá o fundamentalismo cristão à toda a nação. Ainda assim, pessoas que odeiam os conservadores por usarem a Escritura não têm dificuldade com aqueles que citam as palavras de Jesus quando argumentam a favor de suas posições – mesmo quando as citam incorretamente.

Jesus não era esquerdista. Ele era, entre outras coisas, um judeu religioso que conhecia e acreditava na Bíblia Hebraica, que contem versículos tais como estes dos Salmos: “Aqueles que amam a Deus devem odiar o mal.” Não oferecer outra cidade para que os terroristas bombardeiem, isso é o que provavelmente Jesus acreditasse.




Publicado por Townhall.com

[1] Roger Scruton, comentando a mesma passagem em seu livro “The West and the Rest”, diz: “Pacifistas tomam essa observação como se não devêssemos nos defender, mas vencer a violência como fez Cristo, pelo exemplo. (...) Eu sou atacado e volto a outra face. Exemplifico a virtude cristã da mansidão. Mas se cuido de uma criança que é atacada, e viro a outra face dela, tomo parte na violência. (...) Você é obrigado a proteger aqueles cujos destinos estão em suas mãos. Um líder político que não vira sua própria face mas a nossa, convida o próximo ataque.”

12/05/2007

Reçiprossidádi: “Çi o papa num çi ajoêlia pra mim, eu num çi ajoêlio pra ele”

Reinaldo Azevedo

Temas tratados neste texto:

- O que fazia Marisa Letícia no encontro de dois chefes de Estado?
- A República laica de uma certa Vera Machado
- Reçiprossidádi: “Çi o papa num çi ajoêlia pra mim, eu num çi ajoêlio pra êle”
- Quem vai à TV defender o aborto num plebiscito?
- Temporão acha que pode dar bronca no papa
- O médico Temporão praticaria um aborto?

- De onde vêm os números de Temporão?
- A intolerância dos tolerantes
- Quem tem medo da excomunhão?

A palavra “detestável” não define a contento o comportamento do governo Lula, até agora, durante a permanência do papa Bento 16 no Brasil. A ela, outras devem ser agregadas. Tem sido um espetáculo de vulgaridade, de grosseria, de burrice. No que respeita às relações internacionais, destaque-se a insólita presença de cidadã Marisa Letícia da Silva no encontro privado do chefe de estado Luiz Inácio Lula da Silva com o chefe de estado Bento 16. O que ela fazia lá? Tinha a dizer o quê? Qual a justificativa? O núncio apostólico, gentil, observou que era uma ocorrência inédita no mundo. O representante do Vaticano afirmou que o papa, claro, aprovou o fato, o que estaria a indicar o apreço do presidente Lula pela família. Mas se trata, é óbvio, de uma resposta bem-educada. Dona Marisa foi eleita por Lula, mas não pelos brasileiros. Participar das cerimônias oficiais, fora da reunião de trabalho, é até uma obrigação. Mas isso foi o de menos.

Se o papa leu os jornais ou recebeu um clipping preparado por sua assessoria, teve a chance de saber que o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, considerou “descabido” o apoio dado por Sua Santidade aos bispos mexicanos que querem excomungar os políticos que apóiam o aborto naquele país. Notem bem: Temporão, ministro da Saúde do Brasil, acha que pode opinar sobre o que Igreja de Roma tem a dizer aos bispos do México. O governo Lula perdeu completamente o limite, o juízo, a razão, o simancol, o senso de ridículo. A pergunta tem de ser feita: quem ele pensa que é? Se estivesse se referindo apenas ao Brasil, com o papa em solo pátrio, já seria uma grosseria inaceitável. Temporão foi mais longe: “Você não pode apenas prescrever dogmas e preceitos de determinada religião para um conjunto da sociedade. Me parece descabido". Quem está prescrevendo o quê para quem, meu senhor?

O chefe da Igreja Católica fala aos católicos. O estado faça o que acha que deve se tiver condições política para tanto. Mas já volto a este ponto. Quero me referir antes à terceira bobagem em tão pouco tempo. Ao falar à imprensa sobre o encontro privado de Lula-Marisa com o papa — pô, a porta-voz deveria ter sido a primeira-companheira —, Vera Machado, embaixadora do Brasil no Vaticano, disse que Lula reafirmou que o estado é laico no Brasil. Deus do Céu! Lula é agora o usurpador dos proclamadores da República. Voltamos a 1889. Não sabia que o Brasil está prestes a se tornar uma teocracia, o que justificaria a afirmação da condição laica do estado. Nem a Turquia, sob permanente ameaça de se transformar numa ditadura islâmica, precisa chegar a tanto.

Ah, é que Lulinha, vocês sabem, acredita na "reçiprossidade". Lembram-se quando passamos a dar aos americanos o tratamento que os americanos davam a qualquer estrangeiro quando entrava em seu país por causa das leis antiterror? Como o papa, na quarta, reafirmou que a Igreja é contrária ao aborto logo na chegada — o que ele fala em qualquer país do mundo —, o Apedeuta se sentiu agravado. “Çi o papa mi provoca, intão eu provoco o papa”. É isso aí, sabichão. Lula também não fez a genuflexão que muitos chefes de Estado fazem mundo afora diante do Sumo Pontífice — FHC fez diante de João Paulo 2º, por exemplo. Ah, não: ou o papa se ajoelha aos pés de Lula, ou ele não se ajoelha aos pés do papa. Numa cerimônia de lava-pés, o Babalorixá enfiaria o pezão na cara do primeiro que lhe aparecesse à frente. Imaginem esse homem lavando os pés dos humildes...

É claro que tudo isso é vergonhoso, vexaminoso para nós, e expõe o grau de primitivismo político em que estamos nos atolando. O setor da imprensa que faz o papel de porta-voz do governo nem mesmo se ocupa de indagar de onde vêm os números que o governo põe na praça sobre os abortos clandestinos. Seriam mais de 1 milhão por ano. Como são coletados esses dados? O serviço público de saúde teria 220 mil intervenções por ano decorrentes de abortos feitos em condições precárias. De onde vêm essas notificações? Há distinção entre espontâneos e provocados? O sistema público de saúde tem condições de absorver essa demanda de 1 milhão? Quanto custaria? Mais: uma vez legalizada a prática, não é razoável pensar que cresceria o número de solicitações? Todos os médicos que trabalham na rede oficial de saúde aceitariam fazer a intervenção? Eles poderiam alegar a exceção ética, religiosa ou de consciência?

Temporão diz ainda que o aborto só não é legalizado porque não é o homem que engravida. Notável juízo! É ele nada menos do que o maior defensor de que se faça um plebiscito no país para decidir a questão. Os homens vão votar, ou a sua participação nessa escolha já estaria marcada pela ilegitimidade? Temporão lê este blog. Se quiser, pode me enviar as respostas. Eu as publicarei aqui. Reitero o que já disse: que se faça o plebiscito, ora essa. Se o governo acha isso tão necessário, que tenha a coragem de assumir a proposta. Uma vez definido — só não vale manipular a pergunta —, a campanha terá início. Se a causa é tão justa e popular, estou ansioso para ver a cara dos seus defensores na televisão. Temporão vai falar? Lula vai falar? Até agora, eles não disseram o que pensam. No programa Roda Viva, perguntei se Temporão era contra ou a favor. Ele não me disse. Eu iria lhe fazer outra pergunta, mas não houve tempo: já que ele é médico, faria um aborto ou deixa a tarefa para seus colegas? Essa resposta ele também pode me enviar se quiser.

A quem fala o papa
O argumento mais vulgar a favor da mudança da lei sustenta que ela facultará o que chamam de “direito”, mas não obrigará ninguém a nada. É verdade. Ora, adiante com a luta, rapazes. A Igreja Católica é contra. Por que vocês precisam do aval do Vaticano para uma prática contrária a um fundamento da instituição? Não terão. Uma campanha poderá mudar a opinião de mais de dois terços dos brasileiros? Tentem a sorte. Se esse é o argumento central no que concerne à liberdade de escolha, permitam que a Igreja também faça a sua. Afinal, como disse aquela embaixadora, Igreja e estado, no Brasil, são independentes.

Notei também o escândalo de certos setores com a aprovação de Bento 16 à excomunhão no México. O deputado José Genoino (PT-SP) — aquele que já tentou fazer guerrilha no Brasil e que presidia o PT no tempo dos “recursos não-contabilizados” de Delúbio (irmão do outro cujo assessor usa a cueca como casa de câmbio) — é autor de um projeto que dá à mulher o direito de decidir se aborta ou não. Olhem que coisa: Genoino não é católico, mas considera essa posição de Bento 16 “intolerante”. E reflete, com a mesma fineza teórica de sempre: “Defendo o estado laico. A Igreja tem de ser tolerante com os que têm opinião divergente de seus preceitos". Perfeitamente, deputado. Porque o estado é laico, independente da Igreja, ela aceita nos seus quadros apenas os que estão de acordo com seus princípios.

Excomunhão
Ninguém é obrigado a ser católico, é? Se estivéssemos, por exemplo, na Arábia Saudita, seria chato não querer ser islâmico. Mais do que chato: seria perigoso. Se alguém tivesse tal intenção, teria de ficar bem quietinho. Ou, no mínimo, iria levar umas varadas da polícia religiosa, que pode atacar qualquer mulher desacompanhada ou cujos trajes não sejam considerados adequados — ainda que na companhia do seu “dono”.

Ninguém nasce católico também. A pessoa se torna católica pelo batismo. Tem, ao longo da vida, a chance de reafirmar ou não a sua fé. Pode deixar o rebanho da Igreja. Para permanecer nele, há alguns preceitos fundamentais a seguir. Ora, se o catolicismo está, como querem, em declínio; se seus fundamentos morais são considerados incompatíveis com a vida moderna; se alguém pretende fazer proselitismo do que, para a Igreja, é abominável, que a deixe então — ou que seja deixado por ela. Quando o papa acena com a excomunhão para os que fazem a defesa do aborto, lembra que o católico tem um conjunto de princípios.

Trata-se por acaso, deputado Genoino, de tolher a cidadania ou os direitos de alguém? Qual é o prejuízo objetivo do “cidadão”? Fiquem tranqüilos: a excomunhão não é pior do que a perda da vergonha na cara ou a exposição da moralidade no estágio da cueca — especialmente para quem demonstra sinais explícitos de inconformidade com os “preceitos”.

Onde estão os intolerantes?
A presença suave, mas muito firme, de Bento 16 no Brasil está evidenciando onde estão, de fato, os intolerantes. O papa reafirmou todos os princípios da Igreja, inclusive no seu encontro com jovens no Pacaembu — sim, disse quais são as interdições que constituem a moralidade católica —, sem deixar de lado (veja mensagem nesta página) o aspecto acolhedor da Igreja Católica, que também abraça os pecadores. Para um católico, o arrependimento não é uma pena, mas uma forma de liberdade. Porque há a chance do perdão — e convém, claro, que o cristão não se transforme num pecador contumaz, que faz do perdão uma graça viciosa.

Intolerantes são aqueles que querem proibir o chefe da Igreja Católica de dirigir a sua palavra de fé aos... católicos! Intolerantes são aqueles que pretendem que o líder de uma religião troque seus princípios pelo tubo de ensaio de um cientista ou pela moral da conveniência de certa política. O governo que tenha a coragem de fazer o que achar melhor. Os católicos dirão o que pensam. Acho que isso, ao menos, eles podem, não? Nem que seja por enquanto

01/05/2007

Ratzinger defende Bento XVI

Nota: Entro atrasadíssimo na discussão do suposto elogio a Marx, feito por Bento XVI. Primeiro, porque muita gente muito mais competente que eu já opinou sobre o assunto. Segundo, porque quase tudo já foi dito. Contudo, ninguém deixou o Cardeal Ratzinger falar a favor do papa, pelo menos que eu tenha visto. É o que eu pretendo fazer agora: deixar um defender o outro.

Ratizinger, de quebra, faz uma firme crítica à teologia da libertação. Aquela professada por D. Pedro Casaldaliga, a quem o Prof. Aquino dura e corretamente criticou, recentemente.

O excerto abaixo foi extraído do livro do Cardeal Ratzinger intitulado “Introdução ao Cristianismo”, escrito na década de 1960 e reeditado já em 2000. Tenho uma edição das Edições Loyola que contém um prefácio especial do cardeal para recolocar a obra no contexto do século XXI. É deste prefácio que extraio o trecho abaixo. Os negritos são meus.


Durante mais de uma década, a teologia da libertação parecia indicar a nova direção na qual a fé haveria de tornar-se novamente formadora do mundo porque se unia de uma nova maneira com as descobertas e injunções do momento histórico. Não se pode negar que havia na América Latina em grau assustador problemas como a opressão, dominação injusta, concentração de propriedade e poder nas mãos de poucos e exploração dos pobres, nem havia como negar a necessidade de ação. E como se tratasse de países com maioria católica não podia haver dúvidas de que a Igreja tinha responsabilidades a cumprir e que a fé precisava comprovar a sua eficácia como elemento de justiça. Mas de que maneira? Pareceu então ser Marx o grande guia. Cabia agora a ele o papel que, no século XIII, tinha sido de Aristóteles; a sua filosofia pré-cristã (e portanto “pagã”) precisou ser batizada para que a fé e a razão pudessem encontrar a sua relação correta. Mas quem aceita Marx (em qualquer uma das variantes neomarxistas) como o representante de uma razão universal não adota simplesmente uma filosofia, uma visão da origem e do sentido da existência, assume sobretudo uma prática. Porque essa “filosofia” é essencialmente uma “práxis” que cria verdade, em vez de pressupô-la. Quem faz de Marx o filósofo da teologia aceita a primazia dos elementos político e econômico que passam a ser as verdadeiras forças da salvação (e quando mal empregados, as forças da desgraça): nessa perspectiva, a salvação do ser humano é realizada pela política e pela economia que determinam a face do futuro. A supremacia da práxis e da política significa sobretudo que Deus não é visto como “prático”. A “realidade” a ser considerada era somente a realidade material dos dados históricos que precisava ser compreendida e refundida com os recursos adequados, entre os quais era indispensável também a violência. Nessa perspectiva, falar de Deus não fazia parte nem da prática nem da realidade. Era um discurso que devia ser adiado, pelo menos, até que o mais importante estivesse realizado. O que ficou foi a figura de Jesus, só que este já não era visto com o Cristo e sim como a personificação dos sofredores e oprimidos e com a voz deles que clama por mudança, pela grande modificação. O que havia de novo em tudo isso era o programa de mudar o mundo que, em Marx, não é concebido apenas como ateísta, mas também como anti-religioso, e que agora era recheado de paixão religiosa e assentado em bases religiosas: numa nova leitura da Bíblia (sobretudo do Antigo Testamento) e numa liturgia que era celebrada como antecipação simbólica da revolução e com preparação para ela.

É preciso admiti-lo: com essa síntese estranha, o cristianismo voltara a se mostrar à opinião pública mundial com uma mensagem que “marcou época”. Não surpreende que os países socialistas recebessem o movimento com simpatia. O que causa maior estranheza é que a teologia da libertação tenha-se transformado na coqueluche da opinião pública mesmo nos países “capitalistas”, a ponto de qualquer objeção ser encarada como um verdadeiro atentado contra o humanitarismo e a humanidade, naturalmente com a ressalva de que ninguém queria ver aplicadas as instruções práticas em sua própria esfera, em que se imaginava já ter atingido uma ordem social justa. É inegável que nas diversas teologias de libertação havia também um grande número de percepções dignas de consideração. Mas todos esses projetos tiveram que renunciar à sua imagem de síntese histórica entre o cristianismo e o mundo no momento em que desmoronou a fé na política como força salvítica. É verdade que o ser humano é um “ser político”, como disse Aristóteles, só que ele não pode ser reduzido à política e à economia. Vejo o problema verdadeiro e mais profundo das teologias da libertação na ausência de fato da idéia de Deus, o que acabou afetando naturalmente de modo decisivo também a figura de Cristo (fato ao qual já aludimos anteriormente). Não que se tenha negado a existência de Deus – de modo algum. Ele apenas era dispensável na “realidade” que exigia toda a atenção. Carecia de função.