16/11/2005

A Neurociência Refuta a Ética?

Lucretius*

O estudo do cérebro, também chamado de neurociência, de seu modesto começo como um ramo da fisiologia, se expandiu consideravelmente em anos recentes, agora fadado a se tornar a rainha das ciências. O advento de técnicas tais como a fMRI (functional magnetic resonance imaging), por exemplo, tem atraído muitos pesquisadores com pouco interesse na neurobiologia tradicional, mas que se interessam muito pelo estudo das conexões anatômicas e da comunicação eletro-química entre as células do cérebro.
Esses novos neurocientistas estão interessados em tipos de questões tratadas, tradicionalmente, pelas humanidades e as ciências sociais. As respostas que eles dão têm atraído muita atenção da mídia. Agora temos neurociência afetiva, neurociência social, neurociência cognitiva – de fato, neurociência de tudo sob o sol. Como todas as atividades humanas podem ser relacionadas ao cérebro, a neurociência parece estar na perfeita posição para trazer o prestígio das ciências naturais para as disciplinas “soft”.
A Moral e o Direito estão entre as mais recentes áreas a serem invadidas pela neurociência. Aqui discuto uma tentativa recente, baseada na evidência de imagens cerebrais, de desbancar os princípios morais universais e reviver o utilitarismo em decisões morais, não no sentido Misesiano, de regras que promovem o bem social, mas no sentido de que não há um certo ou errado reais ou ainda, um padrão moral pelo qual qualquer coisa possa ser julgada. (Num artigo futuro, discutirei uma tentativa similar, dos mesmos pesquisadores, novamente se valendo de argumentos da neurociência, para atacar o conceito de livre arbítrio e de responsabilidade pessoal no Direito.)

Neurociência e moralidade

Em 2001, um grupo de pesquisadores publicaram, no periódico Science, um estudo examinando o fundamento neurológico da decisão moral. Surpreendentemente, o principal autor desse artigo, Joshua Greene, é um filósofo analítico, tendo recebido seu Ph.D. em Princeton, sob a orientação do falecido David Lewis (você pode ler sobre Greene aqui.)
Os dilemas morais enfrentados por sujeitos experimentais, enquanto seus cérebros estavam sendo escaneados, foram descritos como se segue:
Um vagão desgovernado, faiscando os trilhos, se aproxima de cinco pessoas que serão mortas se o vagão se mantiver no curso presente. O único modo de salvá-las é acionar a chave que mudará o curso do vagão para um curso alternativo, onde ele matará apenas uma pessoa, ao invés de cinco. Deve você mudar o curso do vagão para salvar cinco pessoas ao custo de uma vida? A maioria responde sim. Agora considere um problema similar, o dilema da passarela. Como antes, um vagão ameaça matar cinco pessoas. Você está perto de um estranho sobre uma passarela que se estende sobre os trilhos, entre o vagão desgovernado e as cinco pessoas. Nesse cenário, o único meio de salvar as cinco pessoas é empurrar o estranho para fora da passarela, sobre os trilhos abaixo. Ele morrerá se você fizer isso, mas seu corpo parará o vagão, impedindo-o de atingir os outros. Deve você, para salvar as cinco pessoas, empurrar o estranho para a morte? A maioria responde não.”[3]
Usando a técnica fMRI, Greene et al. descobriram que as áreas do cérebro associadas com a emoção eram ativadas quando a versão da passarela, do dilema moral, era apresentada, mas isso não acontecia com a versão do vagão. Alguns dilemas, portanto, parecem envolver mais “processamento emocional” que outros. Eles argumentaram que as pessoas são mais propensas a sacrificar uma vida para salvar cinco se o cenário não envolver as áreas emocionais de seus cérebros, como o caso do vagão; e eles chamaram esse tipo de dilema de “impessoal”.
Em contraste, no caso da passarela, onde se deve matar um estranho para salvar cinco, as áreas emocionais do cérebro são ativadas e, como resultado, as pessoas são menos propensas a tomar essa decisão; esse tipo de dilema eles chamaram de “pessoal”.
Até aqui, tudo bem. Independentemente da validade dos seus dados, Greene et al. permaneceram dentro das fronteiras da ciência experimental. Num estudo posterior, no entanto, eles foram mais longe [2]. Dessa vez, eles usaram um dilema moral diferente. Deve alguém sufocar até a morte um bebê que chora para proteger as vidas de muitos, quando os soldados inimigos se aproximam? Aqui eles compararam os padrões de ativação cerebral daqueles que aprovam a morte do bebê (utilitários) e daqueles que não aprovam (deontologistas).
Para aqueles não acostumados com o jargão filosófico, os utilitários acreditam que a moralidade é uma forma de promoção de um bem maior, enquanto os deontologistas argumentam que existem princípios morais absolutos que nunca podem ser violados, não importando as conseqüências. Portanto, de acordo com os utilitários, o bebê devia ser morto para salvar os outros, mas de acordo com os deontologistas, o bebê não devia ser morto, pois, o assassinato é, simplesmente, errado.
Greene et al. observaram uma maior atividade nas regiões cerebrais associadas com a emoção, quando os indivíduos desaprovavam a morte do bebê, e maior atividade nas regiões cerebrais associadas ao “controle cognitivo”, quando a decisão utilitária prevalecia. Os processos de controle cognitivo, além do mais, podem trabalhar contra uma resposta sócio-emocional, resultando em decisões mais utilitárias – maior tendência a sufocar o bebê. Em uma região cerebral (córtex dorsolateral pré-frontal direito anterior), a atividade aumenta para os participantes que fizeram a escolha utilitária, mas decresce para aqueles que fizeram a escolha não-utilitária. Novamente, as emoções levam os indivíduos a rejeitar as escolhas que, mesmo violando princípios morais, resultem num maior bem-estar agregado.
O choque vem da conclusão tirada pelos autores: “As respostas sócio-emocionais que herdamos dos nossos ancestrais primatas ...dão sustentação às proibições absolutas que são centrais na deontologia. Em contraste, o ‘cálculo moral’ que define o utilitarismo é tornado possível por estruturas evolutivas mais recentes localizadas nos lobos centrais, que possibilitam o pensamento abstrato e o controle cognitivo de alto nível.” De forma mais clara, o velho cérebro emocional representa a visão dos deontologistas, que acreditam em regras universais de moralidade, enquanto o novo cérebro racional representa a visão utilitária [2].
Neste ponto, o leitor vigilante já pode detectar alguma parcialidade se insinuando na interpretação dos dados. De acordo com Greene et al., há dois conjuntos de estruturas cerebrais em competição quando os seres humanos tomam decisões morais – as velhas regiões emocionais e as novas regiões racionais. A forma do argumento, é claro, não é nova, mas no lugar da tradicional dicotomia entre razão e emoção, nós temos agora “áreas associadas ao controle cognitivo e a memória ativa” e “áreas associadas à emoção.”
O benefício dessa transformação é a habilidade de usar um argumento evolucionário associado a áreas cerebrais. E o raciocínio se desenvolve assim: como o velho cérebro emocional evoluiu para tratar somente com situações pessoais, ele é mal equipado para fazer cálculos morais, pesando custos e benefícios e escolhendo a ação que leve ao maior bem-estar agregado. Para tal cognição avançada, as áreas cerebrais mais recentemente evoluídas devem ser recrutadas.
Infelizmente, no entanto, Greene et al. não estão interessados em perseguir sua linha evolucionária de raciocínio mais do que é conveniente para seus argumentos. O córtex dorsolateral pré-frontal, uma área do cérebro que Greene et al. consideraram tão importante para o cálculo utilitário, é, de fato, uma “estrutura recente” na escala evolutiva, mas seu período de maior expansão nos primatas foi ainda milhões de anos antes dos princípios morais universais terem entrado em cena.
Por exemplo, regras tais como “não mate” e “não roube” não eram encontradas entre os seres humanos há 40.000 anos, apesar de não haver diferença biológica conhecida entre seu córtex dorsolateral pré-frontal e o nosso. Além do mais, como um deontologista, Kant seria, presumivelmente, classificado por Greene et al. como alguém com um cérebro emocional sobre-desenvolvido. Mas o Imperativo Categórico Katiano – devemos sempre agir de acordo com uma regra que possa se tornar lei universal; devemos sempre tratar outro ser humano como um fim, nunca como um mero meio – não é um tipo de moralidade que caracterizaria nossos ancestrais caçadores.
Deve ainda ser observado que a medida da atividade do cérebro através de um sinal fMRI pode, na melhor das hipóteses, ser correlacionada com uma função psicológica; não pode demonstrar um papel causal para a área do cérebro em questão. Apenas porque uma área cerebral particular se tornou mais ativa quando uma decisão foi tomada não significa que essa área influenciou a decisão. De fato, o sinal fMRI nem mesmo fornece uma medida dos pulsos neurônicos, de tal forma que não sabemos se ela reflete os sinais de entrada ou de saída das áreas ativadas.
Além disso, a classificação de áreas do cérebro em “emocionais” ou “cognitivas” não está fora de discussão; ela é, de fato, um truque de prestidigitador entre os novos frenologistas. A maioria dos estudos fMRI liga uma área particular a uma função particular. Não importa a validade da função psicológica atribuída – a suposição, ao contrário, é que se há um nome acadêmico para uma função, tal como controle cognitivo, deve haver uma área cerebral para ela. Como resultado, muitas áreas são sobrecarregadas com dúzias de rótulos. Se você descobre múltiplas áreas ativadas, pode pesquisar na literatura e achar o que você procura entre as funções descobertas dessas áreas. Isso raramente falha e, nas mãos de praticantes habilidosos, é receita de sucesso quase garantido.
Chega de argumentos científicos! As próprias opiniões de Greene sobre a moral podem ser encontradas num texto escrito para a Nature Reviews Neuroscience [1]. Não é surpresa encontrar Greene do lado dos utilitários. Com suas opiniões fortalecidas, agora, por evidências empíricas do tipo das descritas acima, nosso neurocientista utilitário, seguindo os candidatos a Mister Universo, argumenta, em essência, que devemos nos importar mais com o mundo, a fim de fazê-lo um lugar melhor. Essa simples mensagem, no entanto, é apresentada num formado em moda entre os filósofos analíticos contemporâneos e necessita alguma explicitação.
Usando ainda um dilema moral tomado de empréstimo do trabalho de Peter Unger, Greene pergunta: Por que devemos sentir uma obrigação moral em socorrer um homem ferido na estrada, mas podemos ignorar cartas de solicitação de doações de respeitáveis instituições de caridade? Como não há diferença entre os casos quando analisados em termos do bem-estar total do ser humano, ele argumenta, isso é o resultado de nosso cérebro ter evoluído de tal forma que importamos mais com situações pessoais do que com situações impessoais, deixando de levar em conta as condições das crianças famintas na África. Nossos sentimentos morais são, portanto, deficientes em seu escopo. Pois, se visto em termos do bem-estar global, não colaborar com instituições de caridade é tão errado quanto não socorrer um ferido a beira da estrada.
Em relação a isso, Greene menciona, com aprovação, o fato de que Peter Singer, o famoso professor utilitário, doa em torno de 20% de seu salário a instituições de caridade. Mas se devemos agir baseado em suposições utilitárias, por que nos ater em modestas contribuições? Por que somente 20%, e não tudo? Se devemos, realmente, fazer o cálculo moral, como os utilitários nos exigem, a única coisa racional a fazer é doar tudo que temos e morrer de fome. O dinheiro que Greene gasta no armazém é mais do que suficiente para alimentar, digamos, diversos bebês famintos em países do terceiro mundo. Seguramente, se matar de fome, em termos do cálculo moral, não é diferente de sufocar o bebê para salvar os outros – o paradigma do pensamento utilitário.
Por que tal responsabilidade moral estrita parece ridícula, especialmente, quando recomendada por alguém cujas pesquisas exigem centenas de milhares de dólares dos contribuintes? Para responder essa questão é conveniente lembrar que os argumentos de Greene têm o objetivo de atacar a moralidade que se fundamenta em princípios universais. Tal moralidade contém muito poucas recomendações, entre as quais, como Greene sugere, está a regra de que se vemos um homem seriamente ferido a beira da estrada, devemos socorrê-lo. As proibições são um pouco mais extensas: não devemos matar, roubar, etc. É uma moralidade de um escopo muito modesto, em comparação com a busca dos utilitários pela justiça cósmica**.
Anteriormente expliquei que os utilitários fazem coisas para um bem maior, enquanto os deontologistas seguem princípios morais absolutos. Essa breve descrição não é muito adequada, pois não está claro o que significa “um bem maior”. Para utilitários como Greene, o bem ou o bem-estar maior poderia ser calculado pelo agente individual baseado em suas crenças sobre o mundo; é um produto do cálculo individual.
Foi uma preocupação central de Hayek, especialmente em seus últimos anos de vida, mostrar porque essa suposição não é válida. De acordo com Hayek, enquanto é freqüentemente possível calcular as conseqüências imediatas das ações de alguém, é quase impossível calcular, dada a limitação da informação disponível, as conseqüências de longo prazo. Mas isso pode ser descoberto, de forma indireta, simplesmente observando aquelas regras que sobreviveram o maior período de seleção, que foram independentemente desenvolvidas em várias culturas, ou, originando-se em uma cultura, se espalharam para outras no curso da história. Essas regras e práticas são, elas próprias, selecionadas, a unidade de seleção sendo o grupo de seres humanos que as seguem. Elas são universais devido a suas conseqüências de longo prazo para os grupos que a seguem, e sua existência implica algum tipo de vantagem global.
Dessa forma, o “cálculo moral” é um oximoro, porque todo o propósito da moral é ficar livre do cálculo individual. Os utilitários de todas as estirpes confundem cálculos desse tipo, que qualquer homem primitivo pode fazer, com racionalidade, e eles pensam que uma análise de custo-benefício é necessária para o comportamento moral. O que eles não conseguem reconhecer, acima de tudo, é que pode haver maneiras mais inteligentes de coleta de informação e “cálculo” além do ator individual envolvido com suas tomadas de decisão. O desenvolvimento da moral transforma contingências temporárias “ação-resultado” em regras perenes e universais. Como diz a famosa conclusão de Hume, “as regras da moral não são conclusões de nossa razão.” O fato dos princípios morais não serem baseados na razão, não os invalida, porque o produto de um processo gradual de seleção pode ser superior aos resultados do cálculo individual.
O ponto central do argumento de Hayek, descrito acima, com o qual não precisamos concordar in totum, mostra as falhas das suposições do pensamento utilitário. Como Hayek gostava de observar, os ímpetos altruístas é que são, freqüente e precisamente, primitivos e comandam o comportamento irracional dos supostos progressistas. Ao contrário, os princípios universais derivados da seleção cultural evitam o preconceito individual que polui a análise utilitária. O altruísmo instintivo de fazer o bem visível, por exemplo, é substituído por um sistema impessoal de coordenação de recursos, mais precisamente capitalismo, que, não nos surpreende, é o alvo favorito daqueles que não conseguem nenhuma satisfação de seus impulsos altruístas primitivos [4].
Como o bipolo teórico altruísmo-compaixão, aplicado a todos num sentido abstrato, posto em ação desde um confortável sofá, se tornou o ópio dos intelectuais, é um fascinante tópico de estudo. Infelizmente, o ímpeto para fazer o bem, apesar de maciçamente presente em nossas universidades, causa mais obstáculo do que facilita a consecução de algum bem. Foi, de fato, com o declínio da responsabilidade moral que emergiu um amplo grupo de intelectuais profissionais cujo trabalho se resume a proclamar a preocupação com os pobres e os sofredores.
Professar preocupação se tornou a mais recente função dos professores e aumentar o bem-estar agregado a função favorita de governos em todos os lugares, para o desapontamento daqueles que são os alvos dessas ações e intenções, cujo bem-estar é tomado como um agregado. Tal como “um pouco de sacrifício para um bem maior” sempre foi o refrão dos ditadores, justificando assassinatos, confiscos e tortura, as proibições morais tradicionais, os “insignificantes” princípios morais, devem ser pisoteados, em nome do bem-estar agregado, como já vem acontecendo.
A segunda confusão de Greene se refere ao realismo moral, a idéia de que as verdades morais são objetivas. Ele argumenta contra o realismo moral, declarando que os princípios morais são relativos, que o que é moral depende de quem assim considera. Pois, se não há fatos morais, somente opiniões, então não pode haver princípios morais universais que todos devem seguir.
No entanto, uma objeção imediatamente surge: o fato de algo ser objetivo não implica que devemos seguí-lo. Por exemplo, apesar da árvore do lado de fora de minha casa existir objetivamente, independente dos seres humanos, ela não merece minha obediência. O amor, por outro lado, é subjetivo, mas não devemos, por isso, considerá-lo irrelevante para o homem, especialmente, no momento da escolha da pessoa com quem se casar. Que os princípios morais são produzidos pelos seres humanos, que eles somente se aplicam aos habitantes humanos deste planeta por um breve período de tempo em sua história, não significa que eles devem ser ignorados.
Além do mais, o realismo moral não pode ser experimentalmente testado pela neurociência. Se você escanear o cérebro de alguém enquanto ele está tomando decisões morais, você encontrará certos padrões de ativação neurológica. Mas verdades morais não são subjetivas porque você encontra ativação cerebral (ou uma mudança no batimento cardíaco). O subjetivismo moral não pode jamais ser provado por um experimento. A confusão de Greene se origina de seu erro fundamental sobre o que a ciência pode ou não pode fazer, pois para ele, a neurociência é apenas outra ferramenta com a qual se pode nocautear pontos de vista opostos.
Com a remoção da fachada escolástica e pseudocientífica, o que Greene realmente pretende dizer é que, pelo fato de que as pessoas acreditam em verdades morais objetivas, elas são muito dogmáticas nessa área. E ele detesta dogmatismos. Como um bom relativista moral, ele deseja que todos convivam, confortavelmente, com suas próprias verdades morais – um estado de coisas que, supostamente, produz paz e harmonia. Por exemplo, se eu acredito que é errado para você roubar minha carteira e você discorda, pois as nossas morais são diferentes, eu simplesmente, dou de ombros e sigo meu caminho.
Greene deseja o relativismo moral, apesar de achar mais fácil argumentar a favor do subjetivismo moral, ou ainda atacar o realismo moral. Portanto, ele acredita que princípios morais universais podem ser abolidos pela consideração de que não há verdades morais objetivas. Aqui encontramos uma característica interessante e particular a muitos intelectuais contemporâneos, que explica o caos conceitual em que Greene se meteu. De um lado, eles acreditam que, no que diz respeito à moral, não devemos ser dogmáticos – não devemos ser tão dogmáticos em nossos princípios morais, pois os outros têm seus próprios.
Por outro lado, eles advogam uma certa versão do utilitarismo e do coletivismo que acaba sendo tão exigente que qualquer um que a conteste deve ser rotulado como primitivo e estúpido, como o deontologista cujo cérebro emocional é sobre-desenvolvido.
Então, o objetivo dessa busca secreta por relativismo moral é conseguir que os outros abandonem suas crenças em alguns poucos princípios morais; e assim os estudos de Greene são somente uma tentativa de provar sua verdade coletivista por meio da ciência do cérebro. Mas, nesse caso descobrimos um novo truque. Ele usa fatos sobre a atividade do cérebro para argumentar: 1) que não há fatos morais, é tudo questão de opinião; e 2) que devemos todos nos tornar utilitários e fazer doações a instituições de caridade.
Sendo justo com Greene, ele não nos incita, à la Manifesto Comunista, a nos unir e nos tornar utilitários imediatamente. Ele, meramente, descreve os dois lados para nós. Um lado é controlado pelo cérebro primitivo e emocional, que evoluiu antes desse nosso mundo comunitário e multicultural – um cérebro adequado para o gueto cruel e pré-histórico de nossos ancestrais caçadores, que não tinham nenhum interesse na paz e harmonia. O outro lado, com o seu cérebro mais evoluído, capaz de controle cognitivo, é mais racional e adequado para o mundo de hoje.
Nosso cérebro é uma combinação de ambos, que estão em perpétua guerra dentro de nosso crânio. Greene nos faria crer que, dado esses fatos, nós saberíamos que lado escolher. Mas, estudantes da liberdade devem reconhecer, no caso em tela, apenas uma outra fantasia coletivista. O tipo de neurociência de Greene não é ciência, mas um novo membro da categoria “política por outros meios”.


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[1] Greene, J., From neural 'is' to moral 'ought': what are the moral implications of neuroscientific moral psychology?, Nat Rev Neurosci, 4 (2003) 846-9.

[2] Greene, J.D., Nystrom, L.E., Engell, A.D., Darley, J.M. and Cohen, J.D., The neural bases of cognitive conflict and control in moral judgment, Neuron, 44 (2004) 389-400.

[3] Greene, J.D., Sommerville, R.B., Nystrom, L.E., Darley, J.M. and Cohen, J.D., An fMRI investigation of emotional engagement in moral judgment, Science, 293 (2001) 2105-8.

[4] Hayek, F.A., The Fatal Conceit, The University of Chicago Press, Chicago, 1988.

* Lucretius é um neurobiologista que vive em Maryland, USA.

** Não fica claro aqui, se o autor se refere ao termo justiça cósmica na acepção de Thomas Sowell. De qualquer forma, vale a pena uma consulta à abordagem sowelliana desse conceito e suas conseqüências em: Thomas Sowell, The Quest for Cosmic Justice, The Free Press, New York, 1999. (N. do T.)


Publicado pelo Mises Institute.

A morte de Rosa Parks

Thomas Sowell

A morte de Rosa Parks nos lembrou seu lugar na história, como uma mulher negra cuja recusa em ceder seu assento num ônibus a um homem branco, como prescrevia a lei Jim Crow do estado do Alabama, foi a faísca que incendiou o movimento pelos direitos civis dos anos 1950 e 1960.

No entanto, muitos não conhecem o resto da história. Porque havia assentos racialmente segregados no transporte público, em primeiro lugar? “Racismo” alguém dirá – e havia, certamente, muito racismo no Sul, há muitos séculos. Mas assentos racialmente segregados no transporte público no Sul não existiam há muitos séculos.

Longe de existirem desde tempos imemoriais, como muitos têm suposto, os assentos racialmente segregados no transporte público começou no Sul no final do século XIX e início do século XX.

Aqueles que vêem o governo como a solução para os problemas sociais podem se surpreender em saberem que foi o governo que criou esse problema. Muitos, se não todos, dos sistemas de transporte municipal eram propriedades privadas no século XIX e os seus proprietários não tinham nenhum incentivo para segregar as raças.

Esses proprietários podem ter sido racistas, mas eles estavam naquele negócio para produzir lucros – e você não obtém lucros excluindo muitos de seus clientes. Não havia demanda suficiente para os assentos Jim Crow no transporte municipal para que o lucro acontecesse.
Foi a política que segregou as raças, pois os incentivos do processo político são diferentes dos incentivos do processo econômico. Brancos e negros gastavam dinheiro para andar de ônibus mas, depois da exclusão do voto negro no final do século XIX e início do século XX, somente os brancos contavam no processo político.

Não era necessário que uma maioria maciça de eleitores brancos demandasse a segregação racial. Se alguém o fizesse e outros nem ligasse, isso já era suficiente politicamente, pois o que os negros queriam não contava politicamente depois que eles perderam o direito ao voto.

Os incentivos do sistema econômico e os incentivos do sistema político não eram somente diferentes, eles se colidiam. Os proprietários de ônibus, trens urbanos, e de companhias ferroviárias no Sul fizeram lobby contra as leis Jim Crow enquanto essas leis estavam sendo propostas, contestando-as nos tribunais depois que elas eram aprovadas e retardando seu cumprimento quando os tribunais as mantinham em vigor.

Essas táticas retardaram a aplicação das leis Jim Crow por anos em alguns lugares. Então, os empregados das companhias de transporte começaram a ser presos por não observarem tais leis e, pelo menos, um presidente de companhia foi ameaçado de ser mandado para a cadeia se ele não acedesse.

Essa resistência não foi por um desejo de direitos civis para os negros. Foi baseada no medo de perder dinheiro se a segregação racial causasse uma diminuição dos clientes negros depois dessa afronta.

Da mesma forma que não foi necessária uma maioria expressiva de brancos a demandar a segregação racial para que o sistema político a criasse, também não foi necessária que uma maciça maioria de negros parasse de usar o transporte público para que os proprietários dos sistemas de transporte sentissem a iminente perda monetária.

As pessoas que desprezam o fato de que negociantes estão no mercado “somente para ganhar dinheiro”, raramente, entendem as implicações do que elas estão falando. Você ganha dinheiro fazendo o que outras pessoas querem, não o que você quer.
O dinheiro dos negros era tão bom quando o dos brancos, apesar de não ser esse o caso quando falamos de votos.

Inicialmente, a segregação significou que os brancos não poderiam se sentar na ala dos negros num ônibus, tanto quanto os negros não poderiam se sentar na ala dos brancos. Mas, os brancos que eram forçados a ficar em pé quando havia assentos vazios na ala dos negros, objetaram. Foi quando a regra foi imposta de que os negros tinham que ceder seus assentos aos brancos.

Sofismas legais criados por juízes jogaram para escanteio a determinação de tratamento igual a todos da Emenda 14. O ativismo judicial pode ir para qualquer direção.

Foi quando Rosa Parks entrou em cena, depois de quase meio século de tramóia política e fraude judicial.

Publicado por Townhall.com