30/07/2018

Devoção aos santos: doutrina e prática

OBS: Este texto foi publicado na revista Verbum, Ano I, no. 2, em novembro de 2016.

Nada distingue mais os católicos dos outros cristãos que a Eucaristia (e todos os outros sacramentos) e a devoção aos santos (incluindo-se principalmente a devoção à Virgem Maria). O termo cristão designou, por quinze séculos, os católicos, a Igreja Universal fundada e alimentada por Nosso Senhor Jesus Cristo. Com o advento do perverso e pervertido Lutero, cristão se tornou um termo equívoco. Há atualmente cerca de trinta mil denominações protestantes que usam o termo para se auto definirem. O grande católico inglês Hilaire Belloc, em seu livro As Grandes Heresias, argumenta que não existe o que se convencionou chamar de cristianismo. Existe a Igreja e seus inimigos. Aqui, não há como discordar de Belloc, embora dois outros ingleses escreveram sobre o tal cristianismo: C.S. Lewis escreveu um livro em que tenta explicar exatamente o que é o mero cristianismo (Mere Christianity). Paul Johnson escreveu a história da coisa (História do Cristianismo). Para Belloc, cristianismo fora da Igreja é heresia.

Assim, pois, a prática da devoção dos santos é um divisor de águas entre nós católicos e os hereges ditos cristãos. Importante será então tecermos algumas observações sobre essa prática católica milenar e a doutrina que a fundamenta. Comecemos, pois, por Nossa Senhora, nossa Mãe Santíssima.

Uma bela nota biográfica de Chesterton nos dá bem a ideia da importância da Mãe de Deus. No livro A Coisa, que é exatamente a Igreja Católica, Chesterton nos descreve talvez o momento mesmo de sua completa e definitiva conversão.



Os homens precisam de uma imagem, única, colorida e de claros contornos, uma imagem a ser trazida instantaneamente à imaginação, quando o que é católico precisa ser distinguido do que alega ser cristão ou mesmo do que é, em certo sentido, cristão. Dificilmente consigo lembrar uma ocasião em que a imagem de Nossa Senhora não se impusesse à minha imaginação de forma definitiva, à simples menção ou pensamento sobre essas coisas. Eu estava muito distante dessas coisas, e então com dúvidas sobre elas; e por isso, discutindo com o mundo sobre elas, e comigo mesmo contra elas; pois esta é a condição antes da conversão. Mas mesmo que a figura estivesse distante, ou fosse obscura e misteriosa, ou fosse um escândalo para meus contemporâneos, ou fosse um desafio para mim – nunca duvidei que esta figura fosse o símbolo da Fé; que ela incorporava, como um ser humano ainda somente humano, tudo o que A Coisa tinha a dizer para a humanidade. No momento em que me lembrava da Igreja Católica, lembrava-me dela; quando tentava esquecer a Igreja Católica, eu tentava esquecê-la; quando finalmente percebi o que era mais nobre que meu destino, o mais livre e o mais difícil de meus atos de liberdade, foi em frente à pequena imagem dela, dourada e muito brilhante, no porto de Brindisi, que eu prometi o que eu iria fazer, se eu retornasse ao meu próprio país. 

Vemos aí a ação da Medianeira de todas as Graças agindo na conversão de um ser humano, criado e alimentado numa igreja protestante, fundada por Henrique VIII e inspirada por sua amante, com quem queria se casar. Repitamos a frase principal da nota biográfica para que não haja dúvidas: “nunca duvidei que esta figura [Nossa Senhora] fosse o símbolo da Fé; que ela incorporava, como um ser humano ainda somente humano, tudo o que A Coisa [A Igreja] tinha a dizer para a humanidade.” Assim é que, toda vez que se quer atacar a Igreja, atacar a nossa Fé, ataca-se nossa Santíssima Mãe. Não é por outra razão que Pe. Frederick Faber, também advindo da igreja de Henrique VIII, diz muito claramente:

A devoção à Mãe de nosso Senhor não é um ornamento do sistema católico, uma beleza supérflua, nem mesmo um auxílio, dentre os muitos que podemos ou não empregar, mas é parte integral do cristianismo, e, sem ela, nossa religião não é, estritamente falando, cristã. Seria uma religião diferente da que Deus revelou. Nossa Senhora é uma lei distinta de Deus, um meio especial de graça, cuja importância ressalta do ódio instintivo que lhe tem a heresia.

Ressaltemos a frase que me parece crucial no texto de Faber: “Nossa Senhora é uma lei distinta de Deus”. Assim, o que todos os santos afirmam e o que a doutrina nos ensina é que, como Pe. Adolph Tanquerey expõe no seu Compêndio de Teologia Ascética e Mística:

A veneração à Virgem Santíssima deve ser maior que a que temos para com os anjos e santos, porque Ela, pela sua dignidade de Mãe de Deus, pelo seu múnus de Mediadora, pela sua santidade, sobrepuja todas as criaturas. E, assim, o seu culto, não obstante ser culto de dulia e não de latria, é chamado com razão de culto de hiperdulia, pois é superior ao que se tributa aos anjos e santos.

O culto de latria é o devido apenas a Deus, Uno e Trino; é o culto de adoração. O culto de dulia (que significa servidão) é o devido aos santos em geral; o culto de superdulia à Nossa Senhora. Assim, devemos ter para com Nossa Mãe a escravidão preconizada por São Luís Maria de Montfort. Não deixemos dúvidas neste ponto e afirmemos com Pe. Faber: a devoção à Virgem Maria não é opcional para nós católicos. Só sairemos do Purgatório pelas mãos de Maria, só entraremos no Reino dos Céus pelas mãos de Maria. É assim porque Deus quis, e ponto final.

Quanto aos santos em geral e ao nosso Anjo da Guarda em particular, nossa devoção nasce de maneira diversa. Pode ser que nossos pais nos tenham posto sob a guarda de algum santo em especial, pois era o santo de sua devoção. Pode ser que tenhamos nos afeiçoado a algum santo, ao longo de nossa vida, por razões diversas: algo que tenha nos tocado em suas vidas, alguma inspiração em nossas orações, a influência de algum padre, algum amigo ou algum escritor. Esses caminhos da vida mostram também a ação da graça que vem da Virgem Santíssima. A Igreja nos oferece um panteão amplíssimo de santos que preenchem todas as nossas necessidades e o calendário litúrgico nos possibilita rezar por todos eles, todos os dias do ano, prática recomendada pela Igreja, e muito salutar para a manutenção de nossa Fé.

O Concílio de Trento afirma, e com ele toda a Igreja, que:

Os corpos dos santos Mártires e dos demais que reinam com Cristo, que outrora foram membros de Cristo e templos do Espírito Santo, devem ser venerados pelos fiéis, pois os homens obtêm por seu intermédio muitos benefícios de Deus.

Além disso, o Concílio ordena que as imagens de Cristo, da Virgem Mãe de Deus e dos outros santos sejam colocadas e guardadas nas igrejas e se lhes rendam a honra e a reverência devidas, não porque se creia que nelas há alguma divindade ou virtude em vista da qual se lhes deva prestar culto ou pedir alguma coisa, ou pôr a confiança nelas, como faziam antigamente os gentios na adoração aos ídolos, mas porque a honra tributada a elas se refere aos que essas imagens representam; de tal maneira que pelas imagens que beijamos e ante as quais nos ajoelhamos, adoramos a Cristo e veneramos aos santos, cuja semelhança possuem. Essa é a essência do que sempre ensinou a Igreja a todos os católicos, ao longo dos séculos. É nisso que devemos acreditar e praticar, como nossos irmãos fizeram por mais de dois milênios.

Diante da crise tremenda por que passa a Igreja atualmente, vemos arrefecer, não surpreendentemente, o culto dos santos e da Virgem Santíssima. Quem ainda não observou que tiraram de nossas igrejas as imagens dos santos? Quem não vê nisso um vento frio de tendência protestante varrendo a Igreja? O jansenismo foi outra tendência protestante que atacou a Igreja nos séculos XVII e XVIII; seu alvo era a Eucaristia, pois afastava os fiéis deste sacramento por excesso de escrúpulos. As heresias deixam marcas na Fé, mesmo depois de contestadas e eventualmente vencidas.

Uma das formas mais eficientes de lutarmos contra todos os inimigos que nos atacam é praticarmos a devoção aos santos e a Maria Santíssima. Essa devoção e essa prática só depende de nós; não depende de nenhum bispo e, nem sequer, do Papa. Afervoremos, pois, nossa devoção. Façamos a nossa parte e sejamos abençoados pela Virgem Santa e pelos santos de nossa devoção.


Um comentário:

Gabriel disse...

Discurso de ódio aos demais cristãos (pintados como "inimigos") disfarçado de filosofia... Tenho certeza que o Deus do amor, fraternidade e bondade é completamente diferente dessa aberração maquiavélica a qual você você diz ser fiel. Você entendeu a Bíblia toda errada.