Leio esta frase lapidar de Sidney Silveira: “O homem lúcido
de qualquer época tem sempre a percepção de que este mundo está a desfazer-se,
tamanha é a maldade humana.”
Tamanha
é a estupidez humana, diria eu. E a este propósito, lembro-me do Prêmio Nobel
de Literatura outorgado este ano a um cantor popular americano. Sou lembrado
também, pelas redes sociais, que Ronaldinho Gaúcho ganhou o Prêmio Machado de
Assis, da nossa Academia Brasileira de Letras. Se não me engano, juntamente com
Luxemburgo.
Nessas
conexões futebolísticas, lembro-me de um grande escritor brasileiro, que também
recebeu o prêmio agora conspurcado. Ele foi jogador de futebol na adolescência,
e mudou-se para Belém quando lá foi em viagem com seu time. Estou falando de Josué
Montello, romancista, dramaturgo, contista, etc. Em seu diário, ele anota – em 4
de junho de 1953, pouco antes de completar 36 anos de idade, e na véspera de
receber o prêmio da Academia por seu romance Labirinto de Espelhos – o seguinte.
Penso que o escritor verdadeiro — não o simples amador, que
escreve para demonstrar que possui mais uma prenda, como quem senta ao piano
para tocar de ouvido — só deve pegar a pena, diante do papel em branco, com uma
intenção de eternidade. Intenção, veja-se
bem. Não digo convicção. E dar tudo de si para merecer esse favor de
Deus.
O Labirinto de espelhos ainda
não é o romance que eu posso escrever, quer no tema, quer na técnica
narrativa, quer na forma. É o romance de fora para dentro, e não de dentro para
fora, como deve ser. Desenvolvi o tema, parte para adestrar a pena, parte para
me distrair. E o que eu quero é o romance arrancado de meu sangue e de minha
carne. O Labirinto de espelhos tem mais minha zombaria que meu sangue.
Mesmo nas cenas em que procuro dar vida à Carmencita, prevalece o pendor do
riso. E
não é isso que eu desejo. Pretendo
mergulhar mais fundo na consciência humana. Não quero ser um estilo à procura
de um assunto, como se dizia de Latino Coelho; mas um escritor em busca de um
assunto e de um estilo, ambos a serem
extraídos de minhas mais profundas experiências. Enquanto não me encontro nem
me realizo, leio.
Quantas obras nos teriam poupado os maus escritores se ao invés de escreverem, continuassem lendo.
A Academia Brasileira de
Letras e a Comissão do Prêmio Nobel agora parece entender que literatura é tudo
o que se espalha pelo papel, qualquer conjunto de letrinhas, e mesmo o que se
espalha pelos gramados. Voltamos então à frase de Sidney Silveira, que por um
tempo foi Oliveira.