A introdução vale também como uma aula de como escrever, de como expressar, com pouquíssimas linhas, todo um modo de ser, de ver o mundo, de interpretar as relações humanas e sociais, de, enfim, se colocar no mundo como observador e crítico. Vamos ao texto, então. Divirtam-se! Os negritos são meus. Não os pude evitar!
Que Stendhal confessasse haver escrito um de seus livros para cem leitores, coisa é que admira e
consterna. O que não admira, nem provavelmente consternará, é se este outro livro não tiver os cem
leitores de Stendhal, nem cinqüenta, nem vinte, e quando muito, dez.. Dez? Talvez cinco. Trata-se, na
verdade, de uma obra difusa, na qual eu, Brás Cubas, se adotei a forma livre de um Sterne, ou de um
Xavier de Maistre, não sei se lhe meti algumas rabugens de pessimismo. Pode ser. Obra de finado.
Escrevia-a com a pena da galhofa e a tinta da melancolia, e não é difícil antever o que poderá sair desse
conúbio. Acresce que a gente grave achará no livro umas aparências de puro romance, ao passo que a
gente frívola não achará nele o seu romance usual; ei-lo aí fica privado da estima dos graves e do amor
dos frívolos, que são as duas colunas máximas da opinião.
Mas eu ainda espero angariar as simpatias da opinião, e o primeiro remédio é fugir a um prólogo explícito e longo. O
melhor prólogo é o que contém menos coisas, ou o que as diz de um jeito obscuro e truncado. Conseguintemente, evito
contar o processo extraordinário que empreguei na composição destas Memórias, trabalhadas cá no outro mundo. Seria
curioso, mas nimiamente extenso, aliás desnecessário ao entendimento da obra. A obra em si mesma é tudo: se te agradar,
fino leitor, pago-me da tarefa; se te não agradar, pago-te com um piparote, e adeus.
Brás Cubas
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