23/04/2009

Lições das Missas dominicais pós-Vaticano II – Adendo III

Em meus comentários sobre a Missa de Paulo VI, tenho evitado comentários litúrgicos, pois os considero muito mais complexos. Comento apenas as opiniões de padres da Igreja que demonstram a ignorância – na melhor das hipóteses – ou a malícia desses indivíduos que um dia receberam o Sacramento da Ordem. O catolicismo sabido e professado por todos os católicos de 50 anos atrás é desconhecido até pelos padres atuais. A situação é gravíssima, pois os católicos nominais de hoje estão professando uma religião diferente, muito parecida com algumas correntes do protestantismo, protestantismo que só pode ser definido como algo em oposição à Igreja, ou seja, algo que não é, ao invés de algo que é.

Não desejo começar uma série de comentários litúrgicos. Quem se interessar por esse tipo de assunto pode consultar muito boas fontes. Livros como Iota Unum e The Eternal Sacrifice: The Liturgy since Vatican II são exemplos de tais fontes. Há muitas outras boas fontes para esse assunto na Internet. Os sítios católicos que recomendo estão aí do lado esquerdo.

O que gostaria de mostrar neste post é como clérigos, agindo dentro da própria Igreja, fazem tão mal a ela e a seus fiéis. Fazem consciente ou inconscientemente? Isso eu não sei. Ninguém sabe. Por isso não podemos julgar as consciência, apenas os atos. Só Deus nos julgará integralmente.

Dirão os leitores que isso não é novidade, que sempre foi assim e que a Igreja sempre terá inimigos internos e externos. Concordo. Mas uma coisa é você ler sobre a heresia ariana, ou sobre os albigenses, outra coisa é vivenciar uma situação em que várias heresias antigas reaparecem como se fossem fenômenos novos, com toda a vitalidade de um recém nascido.

Se alguém quiser ter uma idéia das mudanças litúrgicas introduzidas pelo Concílio Vaticano II de uma forma concentrada, sem ter de ler todas as quase 800 páginas do Iota Unum, sem ter de se confundir com aspectos litúrgicos e teológicos complicados de um relatório Ottaviani, sem ter de ler livros tais como Do Liberalismo à Apostasia, basta que se compare a “Oração Universal”, do missal de Paulo VI, com “A Oração dos Fiéis”, do missal de São Pio V, que se reza na Sexta-Feira Santa.

Vamos comparar algumas partes das duas orações. Compararei apenas as partes cujas diferenças realcem pontos discordantes importantes. São meus os negritos. Meus eventuais comentários aparecem em itálico. A numeração das parte segue o Missal de Paulo VI.

1ª. parte

Missal de Paulo VI – Oremos, irmãos e irmãs caríssimos, pela santa Igreja de Deus: que o Senhor nosso Deus lhe dê a paz e a unidade, que ele (sic!) a proteja por toda a terra e nos conceda uma vida calma e tranqüila, para sua própria glória.

Missal de São Pio V – Oremos, irmãos caríssimos, pela santa Igreja de Deus, para que Deus, Nosso Senhor, se digne dar-lhe a paz, conservá-la em união e defendê-la por toda a terra, sujeitando-lhe os principados e potestades deste mundo, e nos conceda uma vida calma e tranqüila, para glorificarmos a Deus, Pai onipotente.

É muito significativo que a oração moderna não peça a Deus que sujeite à Igreja os principados e potestades deste mundo. Paulo nos diz (Ef. 6,12): “porque não temos de lutar contra a carne e o sangue, mas contra os principados e as potestades, contra os dominadores deste mundo tenebroso, contra os espíritos malignos espalhados pelo ar.” O que significa isso? Significa que “não temos de lutar contra seres compostos de carne e sangue, mas contra os espíritos maus que são os dominadores deste mundo, isto é, do mundo perverso, imerso nas trevas do erro e do pecado” [Novo Testamento, Edições Paulinas, 1969, com comentários do Pontifício Instituto Bíblico de Roma]. A frase retirada é, portanto, muitíssimo importante, para quem acredita que os principados e potestades dominam o mundo. Peço permissão para citar um trecho de um post anterior, que vem bem a propósito de nosso assunto: “Um dos fatos mais incontestáveis do período pós-Vaticano II foi a reinterpretação que se deu da figura de Satanás, ou mesmo a pura descrença em relação ao maligno. O Pe. Grabriele Amorth, exorcista de Roma, responsável por mais de 20.000 exorcismos, em seu livro ‘Um Exorcista Conta-nos’, diz: ‘Erram completamente aqueles teólogos modernos que identificam Satanás com a idéia abstrata do mal: isto é heresia autêntica, ou seja, está em aberta oposição à Bíblia, à patrística, ao magistério da Igreja’. Diz ainda mais à frente, no mesmo capítulo: ‘Já os mais antigos Padres da Igreja, como por exemplo, Justino e Irineu expõem com clareza o pensamento cristão sobre o demônio e sobre o poder de expulsar, sendo seguidos por outros padres, entre os quais Tertuliano e Orígenes. Basta citar estes quatro autores para envergonhar tantos teólogos modernos que praticamente não acreditam nos demônios ou não falam absolutamente nada sobre eles.’ ” Aí está. A retirada da frase vale pela afirmação da descrença no maligno.

Há de se notar também a letra minúscula no ele, quando se refere a Deus. Isso não foi um erro de edição e é comum, pelo menos n’O Domingo, que uso como referência. Por fim, coisa de somenos importância é o tratamento politicamente correto, portanto deslavadamente comunista, da abertura da oração: “irmãos e irmãs”.

5ª. parte

Missal de Paulo VI – Oremos por nossos irmãos e irmãs que crêem em Cristo, para que o Senhor nosso Deus se digne reunir e conservar na unidade da sua Igreja todos os que vivem segundo a verdade. Deus eterno e todo-poderoso, que reunis o que está disperso e conservai o que está unido, velai sobre o rebanho do vosso Filho. Que a integridade da fé e os laços da caridade unam os que foram consagrados por um só batismo. Por Cristo, nosso Senhor.

Missal de São Pio V – Oremos também pelos hereges e cismáticos, para que Deus Nosso Senhor, os livre de todos os erros e se digne reconduzi-los à santa Madre Igreja Católica e Apostólica. Onipotente e eterno Deus, que salvais todos os homens e não quereis a perdição de ninguém, volvei os vossos olhos para as almas seduzidas pelos artifícios do demônio, para que, abandonando toda a maldade da heresia, se arrependam de seus erros e voltem à participação de vossa verdade. Por N.S.

Lendo a oração moderna, com sua linguagem melíflua, é impossível não lembrar do que Cristo nos ensinou: “Seja pois o vosso falar: Sim, sim, não, não, porque tudo que passa disso procede do maligno.” A oração moderna pede a unidade de “todos os que vivem segundo a verdade”. “E o que é a verdade”, perguntou Pilatos a Jesus. Lendo a oração antiga, vemos o que a Igreja sempre acreditou e pelo que ela sempre rezou: pela conversão dos hereges e cismáticos, nada mais, nada menos.

6ª. parte

Missal de Paulo VI – Oremos pelos judeus, aos quais o Senhor nosso Deus falou em primeiro lugar, a fim de que cresçam na fidelidade de sua aliança e no amor do seu nome. Deus eterno e todo-poderoso, que fizestes vossas promessas a Abraão e seus descendentes, escutai as preces de vossa Igreja. Que o povo da primitiva aliança mereça alcançar a plenitude da vossa redenção. Por Cristo, nosso Senhor.

Missal de São Pio V – Oremos também pelos obstinados judeus, para que Deus, Nosso Senhor, tire de seus corações o véu da cegueira, a fim de chegarem ao conhecimento de N.S. Jesus Cristo. Onipotente e eterno Deus, que em vossa misericórdia, não repelis nem mesmo a obstinação dos judeus, ouvi as preces que Vos fazemos pela cegueira deste povo, para que reconhecendo ele a Luz de vossa Verdade, que é o Cristo, seja livre de suas trevas. Pelo mesmo J.C.

O missal moderno reza para que os judeus sejam salvos, mesmo não aceitando Jesus, mesmo vivendo a antiga aliança. “Pois este é o cálice do meu sangue, do novo e eterno testamento – mistério de fé – que será derramado por vós e por muitos em remissão dos pecados.” A nova aliança é a aliança eterna. A antiga aliança termina aqui, no sangue de Jesus, que é o Agnus Dei. Ou se acredita nisso, ou não se é católico. Acreditar que a antiga aliança ainda tem a força da salvação é acreditar que a Paixão foi em vão, é pecado gravíssimo, é pura e perfeita heresia. O missal moderno cai em heresia? Quem sou eu para dizer! Isso é matéria seríssima e só deve ser tratada em alto nível. O que observo é que as palavras do missal dão a entender algo grave e só. Por outro lado, o missal antigo pede para que Deus tire dos corações do judeus a cegueira. Que cegueira? Aquela que os impediu, e ainda os impede, de ver em Jesus o Messias anunciado em todo o Velho Testamento. É uma oração de piedade e a única coisa que podemos fazer, pois queremos a salvação deles e de todos.

9ª. parte

Missal de Paulo VI – Oremos por todos os governantes: que o nosso Deus e Senhor, segundo sua vontade, lhes dirija o espírito e o coração para que todos possam gozar de verdadeira paz e liberdade. Deus eterno e todo-poderoso, que tendes na mão o coração do seres humanos e o direito dos povos, olhai com bondade aqueles que nos governam. Que por vossa graça se consolidem por toda a terra a segurança e a paz, a prosperidade das nações e a liberdade religiosa. Por Cristo, nosso Senhor.

Missal de São Pio V – Oremos por todos os governantes das nações, seus ministérios e domínios, a fim de que Deus e Senhor nosso lhes dirija as inteligência e os corações segundo a sua vontade para nossa perpétua paz. Onipotente e eterno Deus, em cujas mãos estão os poderes e os direitos de todos os povos: volvei vosso olhar de bondade para aqueles que nos governam, a fim de que, no mundo inteiro, permaneçam estáveis a integridade da religião e a segurança da pátria. Por N.S.

Aqui há coisas sutis e coisas escandalosas. Sutilmente a oração moderna pede a Deus prosperidade e liberdade. Isso é errado, claro. Primeiro porque não estamos aqui para ser prósperos. Estamos aqui tentando ser salvos. Depois, a oração por liberdade, o que significa? Se for liberdade de fazermos o que bem entendemos, a Igreja não pode orar por tal coisa. Se for a liberdade definida por Leão XIII na encíclica Libertas, aí sim. Infelizmente, suspeito que este não seja o caso da oração moderna, pois logo depois vem o escândalo, quando se reza pela liberdade religiosa. Se rezamos pela liberdade religiosa, estamos rezando para que Deus dê a todos a liberdade de escolher sua religião ao seu bel prazer. Isso significa que não acreditamos que só há salvação na Igreja Católica. Não há outra forma de entender isso.

Uma forma de não acreditar que a Igreja é o único caminho para a salvação de nossas almas é não acreditando em Jesus, como nosso Salvador. Jesus disse a Pedro: “Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela. Dar-te-ei as chaves do reino dos céus, e o que ligares na terra ficará ligado nos céus; e o que desligares na terra ficará desligado nos céus.” Se acredito que Jesus é Deus e nosso Salvador, então só mesmo a loucura pode fazer alguém acreditar que haja salvação fora da Igreja católica. Não podemos pedir a Deus a liberdade religiosa, justamente porque assim estaremos pedindo a Deus a perdição das almas. Não podemos obrigar ninguém a ser católico, mas não podemos incluir em nossos pedidos a Deus que alguém não seja católico.

Há muitas outras coisas a ser observadas nas duas orações, mas este post já está muito longo. De qualquer forma, acredito ter comentado os pontos mais importantes.

Que Deus nos ilumine a todos para que possamos melhor servir ao Seu Filho e a sua Igreja e, com isso, consigamos nossa própria salvação.

Para ver outros comentários sobre a Missa nova, clique: Parte I, Parte II, Parte III, Parte IV, Parte V, Parte VI, Parte VII, Parte VIII, Parte IX, Parte X, Parte XI, Parte XII, Parte XIII, Parte XIV, Parte XV, Parte XVI, Parte XVII

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20/04/2009

Missa Tridentina em Belo Horizonte

Domingo que vem, 26/04/2009, teremos uma Missa segundo o Rito Romano Extraórdinário (Rito de São Pio V), celebrada na Capela do Colégio Monte Calvário, às 10h30. O endereço do colégio é Av. do Contorno, 9384 - Barro Preto (próximo ao Hospital Felício Rocho).

15/04/2009

Lições das Missas dominicais pós-Vaticano – Parte XVII

Estamos no domingo de Páscoa e o Evangelho, na Missa de Paulo VI, é Jo. 20, 1-9. Maria Madalena descobre o sepulcro de Jesus vazio, avisa Pedro e João. Estes saem correndo para verificar a informação de Maria Madalena e João chega primeiro. Ele espera Pedro que entra primeiro e vê os sinais da Ressurreição.

A Catena Aurea nos apresenta comentários belíssimos de vários comentadores do Evangelho de João. Dentre estes se destacam os comentários de Santo Agostinho e de São João Crisóstomo e São Gregório Magno.

Os comentários do Pontifício Instituto Bíblico do meu Novo Testamento, Edições Paulinas, 1970, diz: “O evangelista tenciona narrar a aparição de Jesus ressuscitado a Maria Madalena e por isso não fala das outras piedosas mulheres, tendo presente apenas a sua protagonista. Vendo Maria que o sepulcro estava vazio, corre sem demora a avisar o chefe dos apóstolos. A curiosidade, mas ainda mais a afeição para como o Mestre, aceleraram o passo dos dois apóstolos, Pedro e João. Este, porém, ainda que tivesse precedido a Pedro, por deferência para com ele, não entrou no sepulcro, deixando-lhe a honra de ali penetrar por primeiro.”

No Semanário Liturgico-Catequético “O Domingo”, Pe. Paulo Bazaglia tem idéias completamente diferentes tanto dos Padres, quanto do Pontifício Instituto Bíblico. Este padre, pasmem os leitores, nos diz: “Bem diferente é a atitude de Simão Pedro, que perde a corrida e, pior, não alcança a fé – gerada pelo amor.”

Veja que coisa! Pedro e João estavam apostando corrida. Talvez eles estivessem treinando para alguma olimpíada hebraica! João ganhou. Sabem por quê? Porque Pe. Bazaglia tenta contrapor João – o amor – a Pedro – resistência em aceitar Jesus. E o amor venceu! Já viram metáfora mais indecente e blasfema que esta? A isto reduziram a catequese católica.

Além de afirmar que Pedro não alcança a fé, esse padre nos diz: “Ocorre que no Evangelho de João, Simão Pedro, salvo raras exceções, representa a dificuldade e a resistência em aceitar Jesus do jeito que ele (sic!) é, sem pretender que o Mestre seja como o discípulo (cf. 13, 6-8 e 18, 17ss).”

A figura de Pedro, a pedra angular, o primeiro Papa preocupa nosso catequista. Porque ele resiste a Jesus no lava-pés, porque ele O nega três vezes. O que Pe. Bazaglia quer é diminuir a importância de Pedro como cabeça da Igreja e, de quebra, diminuir a importância do Papa. Ora, isso é de uma malícia e ignorância tremenda.

Vou colocar Chesterton (desculpe-me por isto!) para responder Pe. Bazaglia: “Quando Cristo, num momento simbólico, estava estabelecendo Sua grande sociedade, Ele escolheu para sua pedra fundamental não o brilhante Paulo, nem o místico João, mas um embusteiro, um arrogante, um covarde – em uma palavra, um homem. E sobre aquela pedra Ele construiu Sua Igreja, e as portas do Inferno não prevalecerão contra ela. Todos os impérios e reinos fracassaram, por causa dessa inerente e contínua fraqueza: eles foram fundados sobre homens fortes. Mas essa coisa única, a Igreja Cristã histórica, foi fundada sobre um homem fraco, e por esta razão é indestrutível. Pois nenhuma corrente é mais forte que seu elo mais fraco.”

Pe. Bazaglia, isto é que o senhor deveria ensinar em sua catequese: a Igreja foi fundada sobre um homem fraco, como todos nós, incluindo o senhor. Esta Igreja é indestrutível porque este homem fraco tem a proteção de Cristo, porque o Papa é o representante Dele aqui no rio da história. Pedro entrou primeiro no sepulcro vazio, porque João – o amor, o místico, o discípulo muito amado – aceitava a liderança de Pedro.

Quanto a Pedro não ter alcançado a fé, eu pergunto: o senhor estaria disposto a passar pelo que Pedro passou, incluindo sua crucificação em Roma, pela fé que o senhor tem em N.S.J.C.?

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10/04/2009

Um Buquê de Rosários pela Missa Tridentina

Este blog está apoiando esta campanha nacional do site Missa Tridentina. Ela tem como objetivo oferecer aos Bispos do Brasil um buquê de Rosários pela implantação da Forma Extraordinária do Rito Romano em todas as paróquias do Brasil.

Sancta Dei Génitrix, Auxilium Christianórum, ora pro nobis.

09/04/2009

Com os boffs para fora

Os leitores do blog – e ele tem alguns! – devem saber que tenho duas péssimas manias: a de ler e comentar do semanário litúrgico-catequético “O Domingo” e a de ler e comentar alguns dos artigos de “frei” Beto. Já alertei a todos que isso faz mal à saúde mental e pode afastar permanentemente os incautos do catolicismo.

Leonardo Boff nunca li. Leio às vezes alguns comentários sobre esse herege, como o que se encontra no artigo Surrealismo na teologia da libertação. O autor cita um trecho de um artigo do tal herege: “A questão teológica de base que até agora não acabamos de responder é: como anunciar de maneira crível um Deus que é um Pai bondoso em um mundo abarrotado de miseráveis?”

O baixo nível intelectual desse sujeito é tremendo. Ele não sabe o que é teologia, pois considera que anunciar Deus ao povo é uma questão teológica. Esta questão não é teológica e sim catequética.

Diz Étienne Gilson, em seu livro “O filósofo e a teologia”, que o catecismo em que ele estudou (edição de 1885 da diocese de Meaux) dizia:

“-- Qual a primeira verdade na qual devemos crer?
A primeira verdade em que devemos crer é que existe um Deus e que não pode haver mais do que um só.
-- Por que você acredita que há um Deus?
Eu creio que há um Deus porque ele próprio nos revelou sua existência.
-- A razão também não lhe diz que existe um Deus?
Sim, a razão também nos diz que há um Deus, porque se não houvesse Deus, o céu e a terra também não existiriam.”

Essa é a forma de anunciar Deus ao povo; seja ele sofrido, miserável, pobre, rico, feliz, doente, saudável etc. Deus existe porque Ele mesmo assim nos revelou. Esse é também o que nos diz, por exemplo, o Segundo Catecismo da Doutrina Cristã, escrito em 1903 e até hoje, inexplicavelmente, editado pela não-católica Editora Vozes.

Que fique claro um primeiro ponto: Boff não sabe o Catecismo da Igreja.

A segunda confusão de Boff – não sei se ele é confuso sem notar ou por conveniência – é mais interessante, pois revela claramente o caráter do herege. É o problema do mal no mundo que confunde esse indigente intelectual. Sobre isso, há uma passagem muito interessante no livro de Belloc, As Grandes Heresias,[1] quando ele fala da heresia albigense, uma das mais furiosas, odientas e perigosas heresias com que já se defrontou a Igreja Católica. Ele diz:

“Para responder esta importante questão, devemos considerar a principal verdade da Igreja Católica, que pode ser resumidamente colocada da seguinte forma: “A Igreja Católica é fundada no reconhecimento da dor e da morte.” Na sua forma mais completa a sentença pode ser escrita ‘A Igreja Católica está radicada no reconhecimento do sofrimento e da mortalidade, problemas cuja solução ela alega possuir.’ Esse problema é geralmente conhecido como ‘O Problema do Mal’.

“Como podemos considerar o glorioso destino do homem, o céu como seu objetivo e seu Criador infinitamente bom e onipotente quando nos encontramos sujeitos ao sofrimento e à morte?

“Quase toda pessoa jovem e inocente está, mesmo que superficialmente, consciente desse problema. O grau de consciência depende das situações da vida de cada um; quão cedo se enfrentou uma perda por morte ou quão cedo adveio uma grande dor física ou mental. Mas cedo ou tarde todo ser humano que pensa alguma coisa, qualquer um que não seja idiota, enfrenta o ‘Problema do Mal’; e quando observamos a raça humana tentando desvendar o significado do universo, ou aceitando a Revelação, ou seguindo religiões e filosofias falsas e deturpadas, nós encontramos os homens sempre preocupados com aquela insistente questão: ‘Por que sofremos? Por que devemos morrer?’

“Muitas soluções para o enigma torturante foram propostas. A mais simples e básica é não enfrentar o enigma; desviar os olhos do sofrimento e da morte; fingir que eles não existem, ou, quando eles se impõem sobre nós tão insistentemente que não podemos manter o fingimento, esconder então nossos sentimentos. Faz parte também desse péssimo método de tratar o problema o não mencionar o mal e o sofrimento e tentar esquecê-los o máximo possível.

“Uma solução menos básica, mas igualmente desprezível intelectualmente, é dizer que não há problema, pois, somos todos parte de uma coisa morta e sem sentido, sem nenhum Deus criador: é o mesmo que dizer que não há realidade no certo e errado e na concepção da beatitude ou da miséria.

“Outra forma mais nobre de solução do enigma, que foi a favorita da sofisticada civilização pagã da qual viemos – a forma dos grandes romanos e dos grandes gregos – é o estoicismo. Ele pode vulgarmente ser considerado ‘A filosofia do sofrer sorrindo’. Tem sido chamado por alguns acadêmicos ‘A permanente religião da humanidade’, mas ele não é nada disso; pois o estoicismo não é absolutamente uma religião. Ele tem pelo menos a nobreza de encarar os fatos, mas não propõe nenhuma solução. É completamente negativo.

“Profunda, mas desesperada, é a solução encontrada na Ásia – da qual o grande exemplo é o Budismo: a filosofia que chama o indivíduo de ilusão nos desafia a nos livrarmos do desejo para alcançar a imortalidade, e almeja a submersão na vida impessoal do universo.

“A solução católica todos nós conhecemos. Não que a Igreja Católica tenha proposto uma solução completa para o mistério do mal, pois nunca foi nem a alegação nem a função da Igreja explicar a natureza integral de todas as coisas, e sim salvar almas. Mas a Igreja Católica tem, para esse problema particular, uma resposta definitiva no interior de seu campo de ação. Ela diz, em primeiro lugar, que a natureza humana é imortal e feita para a beatitude; em segundo lugar, que a mortalidade e a dor são o resultado da Queda do homem, ou seja, da sua rebelião contra a vontade de Deus. Diz que desde a queda nossa vida mortal é um sofrimento e um teste em que, conforme nosso comportamento, recuperaremos (mas através dos méritos de nosso Salvador) a imortal beatitude que perdemos.”

No fundo, Boff é um maniqueu, talvez um cátaro. Pois os cátaros ainda existem hoje em dia em grande quantidade.

Eu sei que mesmo o texto de Belloc é muito elevado intelectualmente para esse herege. Não fosse isso, eu sugeriria a ele a leitura da questão disputada De Malo, de Santo Tomás de Aquino, ou mesmo o livro De Libero Arbitrio de Santo Agostinho.

Que fique claro um segundo ponto: Boff não conhece a Doutrina católica.

Falta ainda chamar a atenção dos leitores para a profunda soberba da afirmação de Boff. Será que ele acha que anunciar Deus a “um mundo abarrotado de miseráveis” é um problema moderno? Será que acha que ele o descobriu? Será que ele nunca leu os Evangelhos, onde Jesus prega o Reino de Deus exatamente a “um mundo abarrotado de miseráveis”?

Vou lembrar aqui apenas uma passagem do Evangelho. Judas Iscariotes pegunta a Jesus se Marta não deveria vender o caro bálsamo que ela estava passando nos pés de Jesus e dar o dinheiro aos miseráveis. E o Evangelho de São João ainda observa: “Disse isso, não porque tivesse pena dos pobres, mas porque era ladrão, e tendo a bolsa, tirava para si i que se lançava na mesma.” Qual a resposta de Jesus? Ele diz: “Deixai-a, para que ela o faça para o dia de minha sepultura. Pobres sempre os terão entre vós, porém a Mim nem sempre tereis.”

“Disse isso, não porque tinha pena dos pobres ...” Esta verdade se aplica também aos boffs da vida. Eles querem é usá-los para seus interesses de reforma do mundo, de revolta contra Deus. A mesma revolta que fez Adão e Eva pecarem. É o pecado original sempre nos rondando e nos lembrando da Queda. Ponhamos pois os boffs para fora.

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[1] Segundo D. Lourenço me informou, a tradução que fiz deste livro já está quase pronta. Assim que a edição ficar pronta, anuncio a todos neste blog.