Ver Corporação Cristã: a verdadeira Escola de Salamanca - Parte I e Opondo-se à heresia austríaca
Dr. Peter Chojnowski
A) O sonho libertário de De Roover
Nunca foi uma opção atrativa muito interessante para alguém se basear apenas em concepções prevalecentes em seu próprio tempo. Os Whigs americanos de 1787 inspiraram-se na república romana e os democratas franceses de 1789 recorreram à democracia ateniense. Considerar como um modelo político algo de 2000 anos atrás é um exemplo genuíno do gosto por antiguidades. Pelo menos, Napoleão, com sua admiração tardia por Carlos Magno, retrocedeu apenas 1000 anos para encontrar um exemplo de uma situação em que sua nova forma de governo “funcionara” (Devemos lembrar aqui que a razão de os povos não adotarem, no transcorrer de tanto tempo, esses dois antigos modelos de governo, foi porque eles estavam suficientemente conscientes de que eles não “funcionaram”). Alguns libertários se sentem compelidos a estabelecer uma conexão entre suas idéias e o catolicismo. Resta-nos imaginar quais seriam suas motivações. Contudo, o que é claro é que, na segunda metade do século passado, e mesmo neste século, tem havido libertários que identificam as primeiras idéias capitalistas (considero aqui o capitalismo como a forma econômica do liberalismo – não confundir com o esquerdismo americano) com as que existiam dentro do organismo corporativo da cristandade, antes do “alvorecer” do Iluminismo. Há pensadores libertários mais negligentes que chegariam mesmo a afirmar que não somente há certas anomalias liberais no paradigma do cristianismo histórico, mas ainda, que o liberalismo é o próprio paradigma civilizacional do cristianismo. O foco recorrente de tal “sonho” libertário é a Escola de Salamanca da Renascença Tardia[1] e os santos Bernardino de Sena e Antonino de Florença. A questão principal, apesar de não ser a única, é a do “preço justo”. Será que os escolásticos tardios, representados pela Escola de Salamanca, além de dois santos da Renascença, conhecidos pelos seus sermões a respeito de questões econômicas, podem ser identificados como os primeiros defensores do liberal-capitalismo devido à sua, suposta, insistência de que o “preço justo” que devia ser sustentado pela Igreja, Estado e Sociedade é simplesmente aquele que é dado ao produto devido à inter-relação da oferta do produtor e da demanda do consumidor? Se a “justiça” econômica, no seu nível mais básico e essencial, for simplesmente uma questão de aderência fiel às “leis da oferta e da demanda”, podemos dizer que a visão desses pensadores católicos poderia ser, de fato, caracterizada como um exemplo de um nascente liberalismo econômico. Se há algo mais na “justiça” do que a simples interação da vontade livre do produtor e da escolha livre do consumidor, então o que defendiam esses pensadores não poderia ser denominado uma forma inicial das concepções miseanas/neo-liberais/libertárias.
Ao procurar um exemplo de um neo-liberal que representa essa tentativa de encontrar raízes, num passado distante, das doutrinas liberais que parecem bem modernas, podemos recorrer a Raymond de Roover, que publicou um artigo com o título “O conceito do preço justo: teoria e política econômica” no Journal of Economic History (Dezembro de 1958).[2] É interessante ler o que diz De Roover da “típica” visão medieval, na medida em que ela se relaciona com o tópico “preço justo”. No artigo lemos:
“De acordo com uma crença amplamente disseminada – encontrada em quase todos os livros que trata do assunto – o preço justo estava ligado à concepção medieval de uma hierarquia social e correspondia a um ganho razoável que permitiria o produtor viver e tratar de sua família de uma forma adequada a seu nível de vida [minha ênfase]. Considera-se geralmente que essa doutrina encontrou sua aplicação prática no sistema de guildas. Nesse sentido, as guildas são descritas como agências de bem-estar social, que impediam a competição injusta, protegiam os consumidores contra o logro e a exploração, criavam igualdade de oportunidades para seus membros e asseguravam a eles um meio de vida modesto mas decente, dentro dos padrões tradicionais.” [3]
Indicarei em nota de rodapé todos os autores que compartilhavam esses, universalmente reconhecidos, “equívocos”.[4] Tal era a “idílica” visão da Idade Média sustentada pelo grande economista alemão Max Weber e pelo escritor, polemista e historiador britânico Arthur Penty. Segundo De Roover, outro famoso economista alemão, Werner Sombart (1863-1941), foi ainda além: segundo ele, não somente os artesãos, mas também os comerciantes medievais lutavam por conseguir apenas um ganho suficiente para a sobrevivência em seu nível social, não procurando acumular riqueza ou subir na escala social. Essa atitude, alegava Sombart, estava fundamentada no conceito de preço justo “que dominava inteiramente o período da Idade Média.” [5]
Dr. Peter Chojnowski
A) O sonho libertário de De Roover
Nunca foi uma opção atrativa muito interessante para alguém se basear apenas em concepções prevalecentes em seu próprio tempo. Os Whigs americanos de 1787 inspiraram-se na república romana e os democratas franceses de 1789 recorreram à democracia ateniense. Considerar como um modelo político algo de 2000 anos atrás é um exemplo genuíno do gosto por antiguidades. Pelo menos, Napoleão, com sua admiração tardia por Carlos Magno, retrocedeu apenas 1000 anos para encontrar um exemplo de uma situação em que sua nova forma de governo “funcionara” (Devemos lembrar aqui que a razão de os povos não adotarem, no transcorrer de tanto tempo, esses dois antigos modelos de governo, foi porque eles estavam suficientemente conscientes de que eles não “funcionaram”). Alguns libertários se sentem compelidos a estabelecer uma conexão entre suas idéias e o catolicismo. Resta-nos imaginar quais seriam suas motivações. Contudo, o que é claro é que, na segunda metade do século passado, e mesmo neste século, tem havido libertários que identificam as primeiras idéias capitalistas (considero aqui o capitalismo como a forma econômica do liberalismo – não confundir com o esquerdismo americano) com as que existiam dentro do organismo corporativo da cristandade, antes do “alvorecer” do Iluminismo. Há pensadores libertários mais negligentes que chegariam mesmo a afirmar que não somente há certas anomalias liberais no paradigma do cristianismo histórico, mas ainda, que o liberalismo é o próprio paradigma civilizacional do cristianismo. O foco recorrente de tal “sonho” libertário é a Escola de Salamanca da Renascença Tardia[1] e os santos Bernardino de Sena e Antonino de Florença. A questão principal, apesar de não ser a única, é a do “preço justo”. Será que os escolásticos tardios, representados pela Escola de Salamanca, além de dois santos da Renascença, conhecidos pelos seus sermões a respeito de questões econômicas, podem ser identificados como os primeiros defensores do liberal-capitalismo devido à sua, suposta, insistência de que o “preço justo” que devia ser sustentado pela Igreja, Estado e Sociedade é simplesmente aquele que é dado ao produto devido à inter-relação da oferta do produtor e da demanda do consumidor? Se a “justiça” econômica, no seu nível mais básico e essencial, for simplesmente uma questão de aderência fiel às “leis da oferta e da demanda”, podemos dizer que a visão desses pensadores católicos poderia ser, de fato, caracterizada como um exemplo de um nascente liberalismo econômico. Se há algo mais na “justiça” do que a simples interação da vontade livre do produtor e da escolha livre do consumidor, então o que defendiam esses pensadores não poderia ser denominado uma forma inicial das concepções miseanas/neo-liberais/libertárias.
Ao procurar um exemplo de um neo-liberal que representa essa tentativa de encontrar raízes, num passado distante, das doutrinas liberais que parecem bem modernas, podemos recorrer a Raymond de Roover, que publicou um artigo com o título “O conceito do preço justo: teoria e política econômica” no Journal of Economic History (Dezembro de 1958).[2] É interessante ler o que diz De Roover da “típica” visão medieval, na medida em que ela se relaciona com o tópico “preço justo”. No artigo lemos:
“De acordo com uma crença amplamente disseminada – encontrada em quase todos os livros que trata do assunto – o preço justo estava ligado à concepção medieval de uma hierarquia social e correspondia a um ganho razoável que permitiria o produtor viver e tratar de sua família de uma forma adequada a seu nível de vida [minha ênfase]. Considera-se geralmente que essa doutrina encontrou sua aplicação prática no sistema de guildas. Nesse sentido, as guildas são descritas como agências de bem-estar social, que impediam a competição injusta, protegiam os consumidores contra o logro e a exploração, criavam igualdade de oportunidades para seus membros e asseguravam a eles um meio de vida modesto mas decente, dentro dos padrões tradicionais.” [3]
Indicarei em nota de rodapé todos os autores que compartilhavam esses, universalmente reconhecidos, “equívocos”.[4] Tal era a “idílica” visão da Idade Média sustentada pelo grande economista alemão Max Weber e pelo escritor, polemista e historiador britânico Arthur Penty. Segundo De Roover, outro famoso economista alemão, Werner Sombart (1863-1941), foi ainda além: segundo ele, não somente os artesãos, mas também os comerciantes medievais lutavam por conseguir apenas um ganho suficiente para a sobrevivência em seu nível social, não procurando acumular riqueza ou subir na escala social. Essa atitude, alegava Sombart, estava fundamentada no conceito de preço justo “que dominava inteiramente o período da Idade Média.” [5]
De Roover, contudo, tem um entendimento diferente do ambiente mental da Era Cristã com relação aos preços e à atividade econômica em geral. Em meio a muitos non sequiturs, alegações históricas confusas e, mesmo, contraditórias, encontramos De Roover usando de subterfúgios para desviar a atenção, tais como, “O próprio Tomás de Aquino reconhece que o preço justo não pode ser determinado com precisão, mas pode variar dentro de certa faixa, o que não significa nenhuma injustiça. Isso ... não está de acordo com a dialética marxista; mas concorda com a análise econômica clássica e neo-clássica” [minha ênfase].[6] Assim, uma afirmação moral equilibrada e óbvia sobre um aspecto menor da questão do preço justo, porque ela não está de acordo com a teoria marxista, faz a posição de Santo Tomás de Aquino “concordar com a análise clássica e neo-clássica.”
A lógica bizarra e forçada presente na análise de De Roover só pode ser tratada superficialmente aqui. Por exemplo, um dos economistas “ingênuos”, Werner Sombart, cita Heinrich von Langenstein (1325-97) que diz: “se as autoridades públicas não fixam um preço, o produtor deve fixá-lo, mas ele não deve cobrar mais do que o seu trabalho e as despesas de manutenção de seu nível de vida (per quanto res suas vendendo statum suum continuare posit).” Isso está totalmente de acordo com o entendimento “tradicional” do pensamento social e econômico da Idade Média católica. Langenstein continua na mesma tecla, “E se ele cobra mais a fim de enriquecer-se ou melhorar sua posição, ele comete o pecado da avareza.” [7] Essa posição de Langenstein era “considerada como uma formulação característica da doutrina escolástica do preço justo,” segundo De Roover. A citação de Sombart, De Roover insiste, foi “copiada por todos os autores, desde então.”[8] De Roover tenta jogar água fria no entusiasmo dos historiadores econômicos pelos escritos de Langenstein, dizendo que, “Langenstein não era um dos gigantes da filosofia medieval, mas uma figura menor.”[9] Esta afirmação é, claro, totalmente irrelevante para o tópico em questão. A questão não era se Langenstein era um dos “gigantes” da filosofia medieval, mas se sua afirmação a respeito da teoria e prática econômica pode ser vista como “característica.” Ninguém precisa ser um gigante para ser característico. “Gigantes”, não são, a propósito, nem um pouco característicos, mas isso é uma outra conversa.
Quando De Roover trata de um verdadeiro gigante, Santo Tomás de Aquino, descobrimos afirmações contraditórias em meio a deduções mais que questionáveis. A respeito de Santo Tomás, ele se atém a um tópico que ele – De Roover – acredita confirmará que a “maioria dos doutores [escolásticos]” sustentava que o “preço justo” não correspondia ao custo da produção como determinado pelo status social do produtor, mas era “simplesmente o preço de momento do mercado.” Claramente, De Roover entendia que se o preço justo significasse outra diferente do “preço justo” capitalista, falharia sua tentativa de fundamentar o capitalismo neo-liberal no pensamento e na tradição social católicos. Ele tinha de provar que a “justiça” do preço cobrado na cristandade medieval se realizava exatamente no preço que o item pudesse alcançar no mercado livre. O plano era descrever Santo Tomás como um pioneiro liberal em matéria econômica e, então, indicar como o pensamento escolástico posterior o seguiu, preparando, assim, o terreno para Adam Smith e o liberalismo capitalista de Manchester.
De Roover começa sua análise do pensamento de Santo Tomás de Aquino a respeito do “preço justo” afirmando que nos escritos de Aquino, “as passagens relacionadas ao preço estão dispersas e são tão conflitantes que fizeram surgir interpretações variadas.”[10] Ele então continua, afirmando, claramente, o que Santo Tomás definitivamente quis dizer com o termo “preço justo”. À medida que ele “definitivamente” articula o pensamento de Santo Tomás, ele contradiz não só sua própria interpretação, como também as afirmações de Aquino. Por exemplo, De Roover afirma, “Selecionando apenas aquelas passagens favoráveis às suas teses, certos escritores chegaram mesmo à conclusão de que Alberto Magno e Tomás de Aquino formularam uma teoria do valor-trabalho.” Numa nota de rodapé, na mesma página, ele afirma, “De fato, Aquino chega muito próximo de dizer que qualquer troca de duas mercadorias deve ser baseada na razão da quantidade de trabalho nelas despendido.” Não está ele afirmando, aqui, que Aquino tinha uma “teoria do valor-trabalho,” quando, em apenas um parágrafo acima, ele ralhava com “certos escritores” por estes terem concluído que Santo Tomás “formulou uma teoria do valor-trabalho”?
O raciocínio do pensador liberal se torna algo confuso quando o pegamos, no início de um parágrafo, afirmando que Santo Tomás “em nenhum outro lugar expôs tão claramente a questão [do preço justo],” e ao final do parágrafo dizendo que
“essa [única] passagem [que é apenas uma estória relacionada a uma questão moral menor] destrói, com um simples sopro, a tese que tenta transformar Aquino num marxista, e prova acima de qualquer dúvida que ele considerava justo o preço de mercado.”
Então, num único parágrafo, constituído principalmente de uma estória ilustrativa sobre um comerciante que vende trigo numa cidade quando ele sabe que há mais trigo chegando, partimos de um Aquino, o Ambíguo, e chegamos a um Aquino, o Absoluto. Quando atentamos para o trecho citado por De Roover, na Secunda Secundae da Suma Theologica, descobrimos que o artigo citado não tem nada a ver com o tópico do preço justo. Ele versa sobre a questão da “trapaça” e o artigo específico tem o título “Se o vendedor é obrigado a listar os defeitos da coisa vendida.” Santo Tomás afirma aqui que um vendedor age corretamente, sob o ponto de vista da justiça, se ele meramente aceita o valor oferecido pelo comprador, sem informá-lo de que uma grande quantidade de trigo está chegando. Em outras palavras, não é injusto “não prover informação disponível” sobre o valor de curto prazo de um produto. Santo Tomás termina dizendo, “Se, contudo, ele oferecer a informação, ou se ele abaixar o preço, será extraordinariamente virtuoso de sua parte: apesar de ele não estar obrigado a isso, em nome da justiça.”[11] Dessa estória, a respeito de uma questão moral muito específica que não tem nada a ver propriamente com sistemas econômicos ou com o tópico do preço justo, De Roover tira a prova de que “Aquino apoiava a valoração de mercado ao invés do custo”[12], iniciando então uma tradição pré-capitalista na teologia moral, que deu frutos da Escola de Salamanca da Renascença Tardia[13] e nos sermões econômicos de São Bernardino de Siena e Santo Antonino de Florença no século XV.
Antes de tratar da real atitude dos escolásticos tardios em Salamanca e dos sermões de São Bernardino de Siena e de Santo Antonino de Florença, vale a pena observar uma simples réplica a uma objeção, presente na questão 77, “Sobre a trapaça, que é cometida nos atos de vender e comprar.” No artigo 1, o mesmo artigo do qual De Roover tira sua conclusão sobre as inclinações tomistas ao “mercado livre”, lemos, na réplica à Objeção 2, uma linha de raciocínio que poria, certamente, Santo Tomás, fora das fronteiras de qualquer forma do capitalismo liberal. Aqui ele cita Santo Agostinho que diz,
“o bufão, olhando para si mesmo ou para a experiência dos outros, pensava que todos os homens são inclinados a comprar por uma ninharia e vender por um alto preço. Mas como, na realidade, isso é mau, está ao alcance do poder do homem agir com justiça e resistir e vencer essa inclinação.”
O exemplo, citado por Santo Tomás, que Santo Agostinho usa para ilustrar essa idéia, é aquele do homem que paga o preço justo por um livro a um vendedor que, por ignorância, estava pedindo um preço menor por ele. Aqui vemos o comprador virtuoso, que sabe o real valor do livro, ignorando o valor de mercado do livro (aquele que estava sendo pedido pelo vendedor para aqueles que, livremente, o queriam comprar), e, justamente compensando o vendedor por sua perda. Santo Tomás conclui desse exemplo que a inclinação “capitalista” de comprar tão barato quanto possível e vender tão caro quanto possível – característica de uma inclinação pela aquisição e de um esmagador auto-interesse – pode ser vencida da mesma forma que qualquer outro vício. Ele reconhece, contudo, que essa atitude de auto-interesse – que é, precisamente, a atitude assumida pelo capitalismo liberal – é “comum a muitos que caminham no largo caminho do pecado.”[14] Aqui, vemos claramente que a atitude econômica da cristandade contrastou com a atitude econômica do neo-liberalismo. Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino não são nada neo-liberais. Claramente, o “preço de mercado” não é necessariamente o “preço justo” . Para citar uma frase comumente usada por De Roover, “Este texto ... não se presta a uma diferente interpretação.”[15]
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[1] Acho que aqui o autor queria dizer Escolástica Tardia. (N. do T.)
[2] Ver, mais recentemente, Alejandro A. Chafuem, Faith and Liberty: the economic thought of Late Scholastics, Lexington Books, New York, 2003. (N. do T.)
[3] Raymond de Roover, “The Concept of Just Price: Theory and Economic Policy”, in Journal of Economic History 18 (Dez. 1958), p. 418.
[4] Para uma visão tradicional da história e da economia da Idade Média, rejeitada como um “conto de fadas” por Raymond de Roover, cf. William Ashley, An Introduction to English Economic History and Theory, 4th ed., 2 vols. (London: Longmans, Green, 1920), I, Part II, 391; John M. Clark, The Social Control of Business, 2nd ed. (New York: McGraw-Hill Book Co., 1939), pp.23-24; Shepard B. Clough and Charles W. Cole, Economic History of Europe, rev. ed. (Boston: D.C. Heath, 1946), pp.31, 68; George Clune, The Medieval Guild System (Dublin: Browne and Nolan, 1943), p.55; Alfred de Tarde, L'idee du justeprix (Paris: Felix Alcan, 1907), pp.42-43; Joseph Dorfman, The Economic Mind in American Civilization, 3 vols. (New York: Viking Press, 1946-1949), 1,5; N. S. B. Gras, Business and Capitalism (New York: Crofts, 1939), pp. 122-123; Herbert Heaton, Economic History of Europe, 1st ed. (New York: Harper, 1936), p.204; George O'Brien, An Essay on Medieval Economic Teaching (London: Longmans, Green, 1920), pp. 111-112; Leo S. Schumacher, The Philosophy of the Equitable Distribution of Wealth (Washington, D.C.: The Catholic University of America, 1949), p.47; James Westfall Thompson, An Economic and Social History of the Middle Ages, 300-1300 (New York: Century Co., 1928), p.697. Além desses, incluído também cmo um representante dessa visão errônea da Idade Média, Arthur J. Penty, A Guildman's Interpretation of History (New York: Sunrise Turn, n.d.), pp.38-46. De Roover conclui essas notas de rodapé, dizendo: “Essa lista não está, de forma alguma, completa” [minha ênfase].
[5] Ibid., p.419. Cf. Werner Sombart, Der moderne Kapitalismus (Munich: Duncker & Humblot, 1916), I, 292-293.
[6] De Roover, Just Price, p. 420.
[7] Como fonte desta citação, De Roover cita Heinrich von Langenstein, Tractatus bipartitus de contractibus emptionis et venditionis, Part I, cap. 12, publicado em Johannes Gerson, Opera omina, IV (Cologne, 1484), fol. 191. Segundo De Roover, “Nenhuma edição mais recente está disponível.”
[8] De Roover, Just Price, p. 419.
[9] Ibid., p.420.
[10] Ibid., p.42l.
[11] St. Thomas Aquinas, Summa Theologica, II-II, Q. 77, Art. 3, ad 4.
[12] De Roover, Just Price, p.423.
[13] De novo, acho que o autor queria dizer Escolástica Tardia. (N. do T.)
[14] ST, II-II, Q. 77, Art. I, ad 2.
[15] De Roover, Just Price, p.421.
A lógica bizarra e forçada presente na análise de De Roover só pode ser tratada superficialmente aqui. Por exemplo, um dos economistas “ingênuos”, Werner Sombart, cita Heinrich von Langenstein (1325-97) que diz: “se as autoridades públicas não fixam um preço, o produtor deve fixá-lo, mas ele não deve cobrar mais do que o seu trabalho e as despesas de manutenção de seu nível de vida (per quanto res suas vendendo statum suum continuare posit).” Isso está totalmente de acordo com o entendimento “tradicional” do pensamento social e econômico da Idade Média católica. Langenstein continua na mesma tecla, “E se ele cobra mais a fim de enriquecer-se ou melhorar sua posição, ele comete o pecado da avareza.” [7] Essa posição de Langenstein era “considerada como uma formulação característica da doutrina escolástica do preço justo,” segundo De Roover. A citação de Sombart, De Roover insiste, foi “copiada por todos os autores, desde então.”[8] De Roover tenta jogar água fria no entusiasmo dos historiadores econômicos pelos escritos de Langenstein, dizendo que, “Langenstein não era um dos gigantes da filosofia medieval, mas uma figura menor.”[9] Esta afirmação é, claro, totalmente irrelevante para o tópico em questão. A questão não era se Langenstein era um dos “gigantes” da filosofia medieval, mas se sua afirmação a respeito da teoria e prática econômica pode ser vista como “característica.” Ninguém precisa ser um gigante para ser característico. “Gigantes”, não são, a propósito, nem um pouco característicos, mas isso é uma outra conversa.
Quando De Roover trata de um verdadeiro gigante, Santo Tomás de Aquino, descobrimos afirmações contraditórias em meio a deduções mais que questionáveis. A respeito de Santo Tomás, ele se atém a um tópico que ele – De Roover – acredita confirmará que a “maioria dos doutores [escolásticos]” sustentava que o “preço justo” não correspondia ao custo da produção como determinado pelo status social do produtor, mas era “simplesmente o preço de momento do mercado.” Claramente, De Roover entendia que se o preço justo significasse outra diferente do “preço justo” capitalista, falharia sua tentativa de fundamentar o capitalismo neo-liberal no pensamento e na tradição social católicos. Ele tinha de provar que a “justiça” do preço cobrado na cristandade medieval se realizava exatamente no preço que o item pudesse alcançar no mercado livre. O plano era descrever Santo Tomás como um pioneiro liberal em matéria econômica e, então, indicar como o pensamento escolástico posterior o seguiu, preparando, assim, o terreno para Adam Smith e o liberalismo capitalista de Manchester.
De Roover começa sua análise do pensamento de Santo Tomás de Aquino a respeito do “preço justo” afirmando que nos escritos de Aquino, “as passagens relacionadas ao preço estão dispersas e são tão conflitantes que fizeram surgir interpretações variadas.”[10] Ele então continua, afirmando, claramente, o que Santo Tomás definitivamente quis dizer com o termo “preço justo”. À medida que ele “definitivamente” articula o pensamento de Santo Tomás, ele contradiz não só sua própria interpretação, como também as afirmações de Aquino. Por exemplo, De Roover afirma, “Selecionando apenas aquelas passagens favoráveis às suas teses, certos escritores chegaram mesmo à conclusão de que Alberto Magno e Tomás de Aquino formularam uma teoria do valor-trabalho.” Numa nota de rodapé, na mesma página, ele afirma, “De fato, Aquino chega muito próximo de dizer que qualquer troca de duas mercadorias deve ser baseada na razão da quantidade de trabalho nelas despendido.” Não está ele afirmando, aqui, que Aquino tinha uma “teoria do valor-trabalho,” quando, em apenas um parágrafo acima, ele ralhava com “certos escritores” por estes terem concluído que Santo Tomás “formulou uma teoria do valor-trabalho”?
O raciocínio do pensador liberal se torna algo confuso quando o pegamos, no início de um parágrafo, afirmando que Santo Tomás “em nenhum outro lugar expôs tão claramente a questão [do preço justo],” e ao final do parágrafo dizendo que
“essa [única] passagem [que é apenas uma estória relacionada a uma questão moral menor] destrói, com um simples sopro, a tese que tenta transformar Aquino num marxista, e prova acima de qualquer dúvida que ele considerava justo o preço de mercado.”
Então, num único parágrafo, constituído principalmente de uma estória ilustrativa sobre um comerciante que vende trigo numa cidade quando ele sabe que há mais trigo chegando, partimos de um Aquino, o Ambíguo, e chegamos a um Aquino, o Absoluto. Quando atentamos para o trecho citado por De Roover, na Secunda Secundae da Suma Theologica, descobrimos que o artigo citado não tem nada a ver com o tópico do preço justo. Ele versa sobre a questão da “trapaça” e o artigo específico tem o título “Se o vendedor é obrigado a listar os defeitos da coisa vendida.” Santo Tomás afirma aqui que um vendedor age corretamente, sob o ponto de vista da justiça, se ele meramente aceita o valor oferecido pelo comprador, sem informá-lo de que uma grande quantidade de trigo está chegando. Em outras palavras, não é injusto “não prover informação disponível” sobre o valor de curto prazo de um produto. Santo Tomás termina dizendo, “Se, contudo, ele oferecer a informação, ou se ele abaixar o preço, será extraordinariamente virtuoso de sua parte: apesar de ele não estar obrigado a isso, em nome da justiça.”[11] Dessa estória, a respeito de uma questão moral muito específica que não tem nada a ver propriamente com sistemas econômicos ou com o tópico do preço justo, De Roover tira a prova de que “Aquino apoiava a valoração de mercado ao invés do custo”[12], iniciando então uma tradição pré-capitalista na teologia moral, que deu frutos da Escola de Salamanca da Renascença Tardia[13] e nos sermões econômicos de São Bernardino de Siena e Santo Antonino de Florença no século XV.
Antes de tratar da real atitude dos escolásticos tardios em Salamanca e dos sermões de São Bernardino de Siena e de Santo Antonino de Florença, vale a pena observar uma simples réplica a uma objeção, presente na questão 77, “Sobre a trapaça, que é cometida nos atos de vender e comprar.” No artigo 1, o mesmo artigo do qual De Roover tira sua conclusão sobre as inclinações tomistas ao “mercado livre”, lemos, na réplica à Objeção 2, uma linha de raciocínio que poria, certamente, Santo Tomás, fora das fronteiras de qualquer forma do capitalismo liberal. Aqui ele cita Santo Agostinho que diz,
“o bufão, olhando para si mesmo ou para a experiência dos outros, pensava que todos os homens são inclinados a comprar por uma ninharia e vender por um alto preço. Mas como, na realidade, isso é mau, está ao alcance do poder do homem agir com justiça e resistir e vencer essa inclinação.”
O exemplo, citado por Santo Tomás, que Santo Agostinho usa para ilustrar essa idéia, é aquele do homem que paga o preço justo por um livro a um vendedor que, por ignorância, estava pedindo um preço menor por ele. Aqui vemos o comprador virtuoso, que sabe o real valor do livro, ignorando o valor de mercado do livro (aquele que estava sendo pedido pelo vendedor para aqueles que, livremente, o queriam comprar), e, justamente compensando o vendedor por sua perda. Santo Tomás conclui desse exemplo que a inclinação “capitalista” de comprar tão barato quanto possível e vender tão caro quanto possível – característica de uma inclinação pela aquisição e de um esmagador auto-interesse – pode ser vencida da mesma forma que qualquer outro vício. Ele reconhece, contudo, que essa atitude de auto-interesse – que é, precisamente, a atitude assumida pelo capitalismo liberal – é “comum a muitos que caminham no largo caminho do pecado.”[14] Aqui, vemos claramente que a atitude econômica da cristandade contrastou com a atitude econômica do neo-liberalismo. Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino não são nada neo-liberais. Claramente, o “preço de mercado” não é necessariamente o “preço justo” . Para citar uma frase comumente usada por De Roover, “Este texto ... não se presta a uma diferente interpretação.”[15]
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[1] Acho que aqui o autor queria dizer Escolástica Tardia. (N. do T.)
[2] Ver, mais recentemente, Alejandro A. Chafuem, Faith and Liberty: the economic thought of Late Scholastics, Lexington Books, New York, 2003. (N. do T.)
[3] Raymond de Roover, “The Concept of Just Price: Theory and Economic Policy”, in Journal of Economic History 18 (Dez. 1958), p. 418.
[4] Para uma visão tradicional da história e da economia da Idade Média, rejeitada como um “conto de fadas” por Raymond de Roover, cf. William Ashley, An Introduction to English Economic History and Theory, 4th ed., 2 vols. (London: Longmans, Green, 1920), I, Part II, 391; John M. Clark, The Social Control of Business, 2nd ed. (New York: McGraw-Hill Book Co., 1939), pp.23-24; Shepard B. Clough and Charles W. Cole, Economic History of Europe, rev. ed. (Boston: D.C. Heath, 1946), pp.31, 68; George Clune, The Medieval Guild System (Dublin: Browne and Nolan, 1943), p.55; Alfred de Tarde, L'idee du justeprix (Paris: Felix Alcan, 1907), pp.42-43; Joseph Dorfman, The Economic Mind in American Civilization, 3 vols. (New York: Viking Press, 1946-1949), 1,5; N. S. B. Gras, Business and Capitalism (New York: Crofts, 1939), pp. 122-123; Herbert Heaton, Economic History of Europe, 1st ed. (New York: Harper, 1936), p.204; George O'Brien, An Essay on Medieval Economic Teaching (London: Longmans, Green, 1920), pp. 111-112; Leo S. Schumacher, The Philosophy of the Equitable Distribution of Wealth (Washington, D.C.: The Catholic University of America, 1949), p.47; James Westfall Thompson, An Economic and Social History of the Middle Ages, 300-1300 (New York: Century Co., 1928), p.697. Além desses, incluído também cmo um representante dessa visão errônea da Idade Média, Arthur J. Penty, A Guildman's Interpretation of History (New York: Sunrise Turn, n.d.), pp.38-46. De Roover conclui essas notas de rodapé, dizendo: “Essa lista não está, de forma alguma, completa” [minha ênfase].
[5] Ibid., p.419. Cf. Werner Sombart, Der moderne Kapitalismus (Munich: Duncker & Humblot, 1916), I, 292-293.
[6] De Roover, Just Price, p. 420.
[7] Como fonte desta citação, De Roover cita Heinrich von Langenstein, Tractatus bipartitus de contractibus emptionis et venditionis, Part I, cap. 12, publicado em Johannes Gerson, Opera omina, IV (Cologne, 1484), fol. 191. Segundo De Roover, “Nenhuma edição mais recente está disponível.”
[8] De Roover, Just Price, p. 419.
[9] Ibid., p.420.
[10] Ibid., p.42l.
[11] St. Thomas Aquinas, Summa Theologica, II-II, Q. 77, Art. 3, ad 4.
[12] De Roover, Just Price, p.423.
[13] De novo, acho que o autor queria dizer Escolástica Tardia. (N. do T.)
[14] ST, II-II, Q. 77, Art. I, ad 2.
[15] De Roover, Just Price, p.421.