03/01/2006

O Dogma da Igualdade


Thomas Sowell

Alguns leitores reclamaram de uma afirmação desta coluna de que estudantes negros, usualmente, não se saem tão bem nos estudos quanto os estudantes de origem asiática. Esses leitores parecem pensar que essa é uma opinião pessoal – ou mesmo uma afirmação imoral.

Parece que nunca ocorreu a eles que esse é um fato verificável, demonstrado em inumeráveis estudos ao longo dos anos, por muitos estudiosos de várias raças. Como John Adams disse, há mais de dois séculos: “Os fatos são coisas teimosas e quaisquer que sejam os nossos desejos, as nossas inclinações ou os ditados de nossas paixões, eles não podem alterar os fatos e as evidências.”

Há mais coisas envolvidas do que uma confusão entre fatos e opiniões. O dogma reinante de nosso tempo é a igualdade – e qualquer coisa que parece ir contra ele, cria uma resposta automática, muito parecida com as repostas condicionadas do cão de Pavlov.

Quando discutimos igualdade, devemos, pelo menos, ser claros sobre o que queremos dizer: Igualdade de quê? Desempenho? Potencial? Tratamento? Humanidade? Freqüentemente, o fervor das palavras serve como substituto da clareza do significado.

É fato inegável que diferentes grupos exibem diferentes desempenhos num amplo espectro de atividades. Alguém seriamente acredita que os brancos jogam basquete tão bem quanto os negros? Alguém fica surpreso quando jovens americanos de origem asiática ganham prêmios científicos, ano após ano?

Podem-se encher páginas e páginas com exemplos de grupos particulares que excelem em atividades determinadas. Quanto se fala de desempenho, enormes disparidades são a regra e não a exceção. E desempenho é o que conta.

Os politicamente corretos podem tentar argumentar que esses são todos “estereótipos” ou “percepções”, mas dados reais mostram que as cervejas mais vendidas nos EUA são as criadas por indivíduos de ancestrais alemães. É a mesma história do outro lado do mundo, onde a famosa cerveja chinesa Tsingtao foi criada por alemães.

O que desagrada certas pessoas é a inferência de que diferenças de desempenho refletem diferenças inatas de potencial. Mas há enormes diferenças em tudo que transforma potencial em desempenho.

No século XIX, um oficial russo relatou que mesmo o mais pobre dos Judeus, na Rússia, conseguia ter livros em sua casa e que “toda a população judia estudava,” enquanto livros eram virtualmente desconhecidos pela maior parte da população não judia.

Quando o repórter da C-SPAN, Brian Lamb, recentemente, perguntou a autora Abigail Thernstrom porque os Judeus tinham escores tão altos em testes mentais, ela respondeu: “Eles têm se preparado para esses testes nos últimos mil anos.”

Um recente estudo das Nações Unidas mostra que as publicações per capita na Europa hoje são, pelo menos, dez vezes maiores que nos países árabes ou na África. Como potencial igual pode levar a igual desempenho quando há tão grandes disparidades em fatores intervenientes?

O fato de algumas sociedades educarem, por longo tempo, meninos e meninas, enquanto outras não se preocuparem em educar as meninas, significa que algumas sociedades jogam fora metade de seus talentos e habilidades inatos. Como poderiam seus desempenhos não ser diferentes?

Não são só alguns leitores, mas agências governamentais e as altas cortes do país que dogmatizam contra qualquer reconhecimento de diferenças no comportamento e no desempenho entre grupos. Diferenças estatísticas nos resultados são, automaticamente, suspeitas de discriminação, como se os próprios grupos não pudessem, de nenhuma forma, ser diferentes no comportamento ou no desempenho.

Qualquer escola que disciplina mais as meninas negras que as de origem asiática se arrisca a um processo, como se não pudesse haver diferenças de comportamento entre as próprias crianças. Empregadores podem ser processados por discriminação, mesmo se ninguém puder encontrar uma única pessoa discriminada, se os dados de suas contratações ou promoções mostrarem diferenças entre grupos étnicos ou entre homens e mulheres.

Os maiores perdedores com essas noções dogmáticas são as pessoas que precisam muito mudar seus comportamentos, mas de quem esse conhecimento crucial é sonegado por seus “líderes” ou “amigos”.





Publicado por Townhall

A Neurociência Refuta o Livre-Arbítrio?

Lucretius
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Essa é a maravilhosa tolice do mundo: quando as coisas não nos correm bem - muitas vezes por culpa de nossos próprios excessos - pomos a culpa de nossos desastres no sol, na lua e nas estrelas, como se fossemos celerados por necessidade, tolos por compulsão celeste, velhacos, ladrões e traidores pelo predomínio das esferas; bêbedos, mentirosos e adúlteros, pela obediência forçosa a influências planetárias, sendo toda nossa ruindade atribuída à influência divina...

William Shakespeare
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No trecho acima de Rei Lear encontramos uma descrição daqueles que, através da história humana, negam o livre-arbítrio e a responsabilidade pessoal, culpando de suas falhas as intervenções divinas e planetárias. Num recente artigo, Joshua Greene e Jonathan Cohen se somam aos crentes da “influência divina” [1]. Como esta é a era científica e nossos autores são neurocientistas de carteirinha, a influência divina se torna a influência da neurociência, o cérebro fazendo o papel das estrelas celestes.

O ímpeto divino de seu argumento é que não temos livre-arbítrio porque existe a neurociência, apesar de nossas leis ainda não levá-la em conta: “... o suporte intuitivo do sistema legal é, em última instância, fundamentado em uma noção excessivamente ambiciosa e libertária de livre-arbítrio que é questionada pelo determinismo e, de maneira mais marcante, pela nascente neurociência cognitiva ... O efeito líquido desse influxo de informação científica será a rejeição do livre-arbítrio como concebido ordinariamente, com importantes ramificações no Direito” [2].

Quais são essas ramificações? Para começar, o conceito de responsabilidade pessoal está obsoleto. Como todas as ações são determinadas pelo “estado preexistente do universo”, não temos escolha. Como eles explicam: “Dado um conjunto de condições prévias no universo e um conjunto de leis físicas que governam completamente a forma com que o universo evolui, há somente uma maneira para as coisas procederem.” Então, podemos, logicamente, referenciar, retroativamente, tudo ao Big Bang que pariu o universo. Se você me perguntar, por exemplo, porque eu comi pão ao invés de banana, hoje, no meu café da manhã, posso me referir à teoria do Big Bang sobre a ação humana.

Mas, se já existe o Big Bang, por que precisamos da neurociência para nos revelar nossa falta de livre-arbítrio? De acordo com Greene e Cohen, por séculos, os filósofos “científicos”, ou seja, os filósofos do seu campo determinista, têm argumentado contra o livre-arbítrio, mas pelo fato da mente ter sido, até então, uma caixa-preta, era fácil para o povo – iludido pela religião – para os humanistas “soft” e para outras almas lerdas, se agarrarem à ilusão do livre-arbítrio. Agora, que temos a neurociência, a mente não é mais uma caixa-preta – já é tempo para o resto de nós acordar de nosso sono dogmático e sentir o perfume do universo determinístico. Em resumo, enquanto o Big Bang nos dá a visão global, a neurociência nos fornece os detalhes que mostrarão com clareza abundante, mesmo ao público leigo, que somos afinal e literalmente, marionetes no universo determinístico.

Culpe o Cérebro

Greene e Cohen argumentam que nossos cérebros são responsáveis por todo o nosso comportamento. Nossos cérebros cometem crimes. “Nós” somos inocentes. Assim, em outras palavras, “demonstrar que há um fundamento cerebral para as transgressões dos adolescentes nos permite culpar seus cérebros, ao invés, deles próprios”. Felizmente, os garotos da vizinhança não leram o artigo, pois nele se encontra a defesa pelo estrago de sua propriedade: eu não fiz nada, foi meu cérebro!

Apesar de ser conhecido, mesmo antes de Platão, que o cérebro desempenha um papel fundamental no comportamento, esse argumento particular é, de fato, novo. Uma razão que impede que outros sejam intrépidos o suficiente para desenvolver ainda mais o argumento (apesar da eterna insistência a favor do determinismo) é que ele contém um erro categórico óbvio. Greene e Cohen comparam duas fontes de ação opostas – seu cérebro e você – como se elas fossem mutuamente exclusivas, como se, sem seu cérebro, você pudesse ser, ainda, um agente moral.

Como resultado desse erro, Greene e Cohen concluem, “a idéia de distinguir os culpados verdadeiros daqueles que são meras vítimas das circunstâncias neurológicas parecerá, a nosso ver, sem sentido”.

Mas o agente moral, no sentido legal, é o pacote completo – você, consistindo de seu cérebro e do resto. Dizer que somos vítimas de circunstâncias neurológicas é o mesmo que dizer que somos vítimas de nós mesmos. A suposição fundamental é a de que não temos controle sobre as “circunstâncias neurológicas” , tal como não temos controle sobre as “circunstâncias externas”. Mas essa suposição (suposição behaviorista em nova embalagem) contradiz, inteiramente, nosso conhecimento de que o cérebro é um sistema biológico auto-organizado e auto-regulado e não, meramente, uma etapa na transformação de algum estímulo externo numa saída comportamental. Não é necessário, entretanto, discutir o cérebro, em nenhum nível de detalhe, para refutar Greene e Cohen, pois, seus argumentos não são, absolutamente, baseados em algum conhecimento sobre o cérebro. A lógica primitiva ensina que, por exemplo, se eu roubo sua carteira, são as minhas mãos que devem ser cortadas.

Sr. Marionete

Para ser justo, Greene e Cohen perceberam que culpar o cérebro por tudo não é suficiente. Eles têm outra arma escondida contra o livre-arbítrio, um outro “experimento mental”. Pois, sua estratégia é gerar tantos argumentos contra o livre-arbítrio quantos eles puderem, na esperança de que alguns deles farão estragos suficientes, mesmo que esses argumentos se contradigam uns aos outros.

Em sua segunda tentativa, eles insistem em que imaginemos o caso de “Sr. Marionete”, um criminoso projetado por um grupo de cientistas, sob um rígido controle genético e ambiental. Durante o julgamento do Sr. Marionete, o cientista-chefe é chamado como testemunha de defesa. E aqui está a sua fala, de acordo com Greene e Cohen:
Eu o projetei. Cuidadosamente selecionei cada gene em seu corpo e projetei cada evento significante em sua vida, de forma a torná-lo, exatamente, o que ele é hoje. Selecionei sua mãe, sabendo que ela o deixaria chorar por horas, antes de pegá-lo no colo. Selecionei, cuidadosamente, cada um dos parentes, professores, amigos, inimigos etc., e os disse, exatamente, o que dizer a ele e como tratá-lo. As coisas, de um modo geral, aconteceram como o planejado, mas não sempre. Por exemplo, as cartas iradas escritas ao seu falecido pai não estavam planejadas até que ele tivesse catorze anos, mas antes do seu décimo terceiro ano de vida, ele já tinha escrito quatro delas. Em retrospecto, penso que isso é devido a algumas poucas substituições que fiz em seu oitavo cromossomo.

É claro que uma mudança num cromossomo não pode determinar o momento da formulação de uma carta malvada, pois o genoma não contém informação que especifique qualquer de nossas ações. A regulação ambiental é, também, impossível, exceto na ficção científica. Mas, plausibilidade ou conhecimento da biologia básica não podem ser esperados de nossos autores. Greene e Cohen acreditam que o Sr. Marionete não é responsável por suas ações, porque “forças além de seu controle desempenharam um papel dominante no cometimento de seus crimes, sendo difícil pensar que ele seja algo mais que um fantoche.”

Mas, mesmo assumindo, só para argumentar, que tal pessoa poderia ser assim projetada, devemos concluir que ele é, de fato, uma marionete do cientista-projetista, enquanto que nós não somos marionetes desse tipo. Nossos genes não são selecionados, nem nosso ambiente é projetado, por alguém.

Naturalmente, contudo, Greene e Cohen chegam a uma conclusão, completamente, diferente: “Qual é a diferença entre o Sr. Marionete e qualquer acusado de um crime? Afinal, temos poucas razões para duvidar que (i) o estado do universo 10.000 anos atrás, (ii) as leis físicas e (iii) os resultados dos eventos quânticos aleatórios são, juntos, suficientes para determinar tudo que acontece hoje, incluindo nossas próprias ações. Essas coisas estão, claramente, além de nosso controle. Então, qual é a real diferença entre nós e o Sr. Marionete? ... num sentido muito real, somos todos marionetes. Os efeitos combinados dos genes e do ambiente determinam todas as nossas ações. O Sr. Marionete é excepcional apenas na medida em que as intenções de outros seres humanos estão por trás de seus genes e de seu ambiente. Mas, isso não importa, uma vez que seus genes e seu ambiente são, intrinsecamente, comparáveis àqueles das pessoas comuns. Não somos mais livres que ele.”

Num aparente escorregão, eles reconhecem que os cientistas tiveram intenções, que eles deliberadamente agiram no projeto do Sr. Marionete. Suas ações, aparentemente, diferem das causas que não são ações humanas. Greene e Cohen nunca se preocuparam em perguntar se esses cientistas deviam ser punidos por projetarem, especificamente, alguém para cometer crimes, se eles são os responsáveis, afinal. Mas, se somos forçados a aceitar esse cenário, então, a responsabilidade pelos crimes parece ser dos cientistas – por projetarem marionetes criminosas.

De acordo com Greene e Cohen, no entanto, os genes e o ambiente do Sr. Marionete são “intrinsecamente comparáveis” àqueles das pessoas comuns, como se vivêssemos todos num ambiente projetado, no qual as pessoas, deliberadamente, abusassem de nós e nos mentisse; como se nossos genes, ao invés de serem resultados da seleção natural, fossem escolhidos por um time de cientistas do mal. Intrinsecamente comparáveis? Por isso eles, presumivelmente, querem dizer que o ambiente é ainda um ambiente terreno como o nosso, – a mesma casa com mobília, aparelho de TV e pais etc. – e os genes são, ainda, cadeias de DNA feitas de férteis nucleotides. Mas, claramente, essas características “intrínsecas” são irrelevantes no caso do Sr. Marionete. Seus genes e seu ambiente são, afinal, projetados para torná-lo um criminoso. Mas note, em particular, a ênfase peculiar de Greene e Cohen na combinação de genes e ambiente. A Biologia, é claro, nos diz que há fatores adicionais que não são nem genéticos nem ambientais, mas, podemos, seguramente, supor que esses autores, não possuindo nenhum interesse particular na ciência da Biologia, não estejam interessados nisso.

Sendo cientistas metafóricos, por “genes e ambiente” eles querem dizer tudo que nos faz o que somos, tudo que determina nossas ações. Nós estamos, agora, prontos para traduzir suas alegações para a linguagem comum: tudo que determina quem nós somos, determina quem nós somos; tudo que determina nossas ações, determina nossas ações. Certamente, não temos controle sobre tudo – Greene e Cohen, corretamente, assim supõem. E, seguramente, todos os possíveis fatores combinados determinam nossas ações. Mas, no processo de tirar essa brilhante conclusão eles se afundaram num caos mental e não perceberam a circularidade no processo. Somos compelidos, pelas leis da lógica, a concordar com eles: Sim, banana é banana.

Ilusão do livre-arbítrio

Tendo posto o livre-arbítrio em seu devido lugar, Greene e Cohen estão prontos para nos explicar o porquê de pensarmos que temos tal coisa. Se pensamos que temos alguma coisa que não existe, então, essa coisa deve ser uma ilusão. Assim, eles afirmam que nosso cérebro gera a ilusão de livre-arbítrio para que pensemos que estamos no controle dos processos.

Com toda a modéstia, nossos autores se comparam a Copérnico, Darwin e Freud em seus esforços em desbancar o narcisismo humano. Copérnico removeu a Terra do centro do universo. Darwin removeu os seres humanos do comando da Terra e Freud removeu a consciência como o único determinante do comportamento humano. Vem aí outro golpe baixo – mesmo aquele pequeno controle que você tem sobre suas ações é uma ilusão.

Parece-me, no entanto, que esse é um caso de sadomasoquismo. Greene e Cohen parecem auferir um autêntico prazer em atingir o narcisismo humano, representado pela psicologia popular do livre-arbítrio. Você acha que decidiu ler esse artigo porque o considerou interessante. Mas, não, você não tem a mínima idéia da razão e aquele pensamento que primeiro lhe assaltou foi, realmente, apenas alguma ilusão criada pelo seu cérebro para mascarar sua falta de idéia.

Quanto insulto a seu narcisismo você pode suportar? Essa é a questão, da qual sua humanidade científica depende. Somente cientistas durões, como Greene e Cohen, são corajosos o suficiente para enfrentar o determinismo de frente, sem ilusões. E se você não acha que é uma marionete, eles o esmurrarão com seus experimentos mentais e seus dados imaginários até que você, nocauteado, desistir de si mesmo. E assim o jogo continua. Apesar de eu não desejar negar a diversidade de prazeres sentidos por Greene e Cohen por se tornarem marionetes de uma ficção metafísica e porta-vozes de uma fanfarrice pseudocientífica, desejo, sim, examinar a evidência que eles apresentam para suas assertivas.

Essa evidência vem do trabalho de Daniel Wegner [3], um psicólogo de Harvard e um outro cientista metafórico. De acordo com Wegner, nossas ações não são causadas por nossa vontade. Para fundamentar essa afirmação ele cita a evidência de que a hipnose ou danos cerebrais pode prejudicar nossa noção de livre-arbítrio, de que várias manipulações experimentais podem criar em nós a ilusão de controle.
Nossa resposta imediata é: E daí? Não teremos livre-arbítrio se nossas cabeças forem cortadas. Não teremos livre-arbítrio se estivermos dormindo. Às vezes, erroneamente, pensamos que fizemos algo quando, de fato, não o fizemos. Disso, no entanto, não se pode concluir que o livre-arbítrio é uma ilusão.

Sob hipnose, por exemplo, podemos sentir nosso braço se levantando, mesmo que não o desejemos. Da mesma forma, quando nosso córtex motor ou nosso músculo é estimulado, vários movimentos podem ser induzidos sem nosso controle. Para Wegner, entretanto, essa sensação de “olha, aconteceu!” é a descrição mais precisa do que realmente aconteceu, quando agimos. Nunca ocorreu a ele que não há nenhuma instância de vontade porque aquelas não são instâncias de ações voluntárias sob nosso controle.

Wegner prefere, muito mais, essa sensação de passividade, pois só assim nos sentimos como objetos inanimados. Quando meu braço faz algo incontrolável, ele está agindo como um “objeto científico”, como um tijolo. Nosso livre-arbítrio deve ser uma ilusão porque ele não se encaixa na compreensão científica do mundo, esposada por Wegner.

O filósofo Daniel Dennet acredita que, por conveniência, adotamos a “postura intencional” quando interpretamos o comportamento dos outros seres humanos. A posição de Wegner pode ser descrita como “postura passiva”. Ele prefere sentir-se como o sujeito hipnotizado, o paciente com o dano cerebral ou um zumbi, porque, de acordo com sua Weltanschauung científica, a postura passiva é um reflexo mais preciso da realidade. Mas, a questão permanece: quem está iludido, Wegner ou o homem comum das ruas?

Concordar com Wegner resulta em que nossa sensação de livre-arbítrio é uma ilusão. Greene e Cohen vão um passo mais longe e afirmam que nossa atribuição de livre-arbítrio aos outros é, também, uma ilusão. Eles citam um estudo de Heberlein et al., onde se apresenta o seguinte vídeo para sujeitos humanos: um grande triângulo caça um pequeno círculo na tela, trombando com ele. O pequeno círculo foge repetidamente, e um pequeno triângulo se move, repetidamente, entre o círculo e o grande triângulo. Quando pessoas normais assistem ao vídeo, eles vêem essas interações em termos sociais e intencionais. O grande triângulo tenta ferir o pequeno círculo e o pequeno triângulo tenta proteger o pequeno círculo. Contudo, um paciente com algum dano na amygdala, uma coleção de estruturas cerebrais em forma de amêndoa, não consegue atribuir intenções a essas figuras [4]. Conseqüentemente, para Greene e Cohen, como essa atribuição de livre-arbítrio é gerada por uma área cerebral, ela é, também, uma ilusão.

Os leitores de meu artigo anterior estão familiarizados com a inclinação de Greene e Cohen na direção da especulação evolutiva. Aqui eles atacam novamente. De acordo com sua nova historinha, partes do cérebro, no curso da evolução, se tornam módulos especializados da psicologia popular, isto é, atribuindo livre-arbítrio aos outros; outras partes se tornam módulos especializados da física popular, isto é, acreditando naqueles movimentos tipicamente encontrados nos desenhos de Disney. Sabemos que a física popular está errada, mas, de acordo com Greene e Cohene, a psicologia popular está igualmente errada. Por causa de nossa psicologia popular, encaramos outros objetos animados como causadores sem causa*. Mas, depois que aprendemos neurociência, “quando olhamos as pessoas como sistemas físicos, não podemos vê-las nem mais dignas de reprovação, nem mais dignas de elogio, do que um tijolo”.

Talvez possamos conjeturar, ao lado dos sistemas da física e da psicologia popular, sobre um terceiro sistema do masoquismo cientificista que, enganosamente, faz alguém acreditar que é um tijolo à mercê das forças da natureza, ao invés de um agente responsável por suas ações. A base neurológica para o terceiro sistema, a meu ver, está, ainda, para ser estabelecida.

Então, em resumo, nossos teóricos cabeças-de-tijolo culpam a psicologia popular por considerarmos os agentes morais como causadores sem causa. Como não somos causadores sem causa, não podemos ser agentes morais, e, assim, não podemos ser responsáveis por nossas ações.

Se sou causador sem causa, minhas ações são isoladas de todas as influências externas. Supunha que um homem seja condenado à prisão perpétua por matar um guarda, durante um assalto a banco. Tal punição não evitará que eu faça o mesmo. A prevenção é, realmente, impossível se sou um causador sem causa de minhas ações.

Não obstante, isso não pode, de forma alguma, ser uma suposição oculta de nossas leis, pois, não se explica, assim, a intencionalidade como o foco do sistema legal. De acordo com a psicologia popular que Greene e Cohen atacam incansavelmente, é caracteristicamente humano que, deliberadamente, escolhamos meios apropriados para alcançar os fins desejados. Essa capacidade nos torna agentes morais, alvos de elogios e críticas. Por exemplo, um ato não é reprovável, a menos que haja uma mente culpada (Reum non facit nisi mens rea).

Como Mises repetidamente alerta, o próprio conceito de ação humana, de meios e fins, pressupõe a categoria da causalidade. Responsabilidade não implica que somos motores imóveis no sentido aristotélico, que estejamos de fora da cadeia de causa e efeito, mas significa que, como agentes de ações intencionais, estamos numa peculiar posição em uma longa cadeia de causas que se alonga até o Big Bang. Somos agentes capazes de controlar nossas ações e não um sistema ato-reflexo que transforma estímulo em resposta.

A lei pune, então, crimes que são o resultado da deliberação e da vontade e é indulgente com os acidentes ou aqueles agentes incapazes de ações racionais (p.ex. crianças). Essa seletividade só pode estar baseada na idéia de prevenção. Pois, seria absurdo dizer a alguém para não matar se ele não fosse capaz de deixar de fazê-lo, tanto quanto seria absurdo dizer a alguém para parar seu próprio coração.

Por seu turno, a lei pune crimes que resultam de ações que podemos controlar e podemos, então, evitá-las no futuro. Se a lei se baseasse na suposição da existência de causadores sem causa, não teria sentido fazer distinções entre assassinato deliberado e morte acidental. Penas rígidas seriam aplicadas em todos os crimes. Está fora do escopo deste artigo, naturalmente, a discussão da história do Direito, apesar de ser necessário alertar que o conceito de responsabilidade pessoal em crimes violentos é, de fato, um desenvolvimento relativamente recente. Penas extensíveis a parentes e senhores do criminoso eram comuns em muitas sociedades primitivas. (Aos interessados, sugiro a leitura da obra-prima de Pallack e Maitland ou o livro de Zane sobre a história do Direito).

Lei e liberdade

O livre-arbítrio, no sentido aqui discutido, significa que os seres humanos controlam o que eles fazem. A neurociência não mudará esse fato. A ficção científica, do tipo que Greene e Cohen gostam, pode sempre imaginar o contrário. Nesse sentido, ela não pode ser distinguida de qualquer religião teleológica.

De fato, esse tipo de determinismo, que afirma que os seres humanos não escolhem, não agem, mas sempre são objetos de ações, tem reaparecido inúmeras vezes na história, sob vários disfarces. É um fato histórico que selvagens primitivos, fanáticos religiosos e crentes nas leis inexoráveis da história têm, sempre, advogado alguma versão dele. No desenvolvimento dos sistemas legais, o conceito de responsabilidade pessoal também evoluiu, parcialmente porque alguns seres humanos, depois de se libertarem das superstições e da “postura passiva”, começaram a entender a natureza de suas próprias ações e seus efeitos sobre o mundo. O individualismo ilustrado, devemos lembrar, foi um desenvolvimento tardio e ainda permanece impopular em muitas partes do mundo. A psicologia popular intuitiva da ação humana que possuímos é o produto de tal ilustração. Por outro lado, ao atacar o conceito de livre-arbítrio e da responsabilidade pessoal, Greene e Cohen, meramente, revivem o culto do pensamento irracional, que por muito tempo prevaleceu nas sociedades humanas. Não deve nos surpreender, contudo, em descobrirmos no seu artigo a seguinte sentença: “a racionalidade é apenas presumivelmente correlacionada com o que a maioria realmente se preocupa”. De fato, o que sobra da racionalidade quando você não é responsável por suas ações?

No lugar da razão, esses autores colocam o bem-estar agregado. A lei, reformada à luz do conhecimento neurocientífico, de acordo com os dois autores, tem o objetivo de promover o futuro bem-estar, ao invés de punir os responsáveis por seus crimes. Num artigo anterior, discuti a tentativa desses autores de abolirem as normas morais universais, usando dados de imagens cerebrais, em nome do bem-estar agregado. Devemos, pelo menos, aplaudir sua consistência. Certamente, uma norma moral como o Imperativo Categórico não teria nenhum sentido se não houvesse o livre-arbítrio. Por que dizer a alguém para não roubar se ele não é capaz de obedecer, se o culpado é seu cérebro?

Depois de tudo considerado, seus argumentos se resumem a: (1) criminosos não são responsáveis por seus crimes, pois, tudo que determina quem ele é, determina quem ele é; (2) ao invés de punir criminosos pelo que eles fizeram, a lei deve maximizar o bem-estar futuro.

Eticamente, parece ridículo argumentar contra o bem-estar total da humanidade, tal como logicamente é impossível refutar uma tautologia. A lição a ser aprendida aqui é que você deve sempre se acautelar quando alguém defende algo que não pode ser contraditado, pois há, freqüentemente, um plano oculto anexo ao pacote nada-pode-estar-errado, que se autodestruirá uma vez aberto. Como alertei no artigo anterior, o conceito de bem-estar agregado é vazio, criado por conveniência. Não podemos calcular o que é esse bem-estar, apesar de podermos indiretamente observar, pelo estudo da história, os efeitos de longo prazo de certas regras e práticas em grupos que as seguem.

Num sentido mais recente e concreto de bem-estar, nosso atual sistema legal parece ter sido um dos principais promotores de bem-estar humano, julgando-se pela extraordinária difusão de idéias relevantes no Ocidente, contra freqüentes e fortes resistências dos costumes e práticas locais.

Finalmente, ao longo de seu ensaio, Greene e Cohen enfatizam que o conceito “libertário” de livre-arbítrio que eles atacam não tem nenhuma conexão com a filosofia política. As leis protegem a liberdade e liberdade requer responsabilidade.

Seus argumentos a favor do determinismo são, ainda, outra tentativa de abolir as leis como regras abstratas que se aplicam a todos, indistintamente. Ao contrário, o Estado e seus “especialistas cientistas” decidirão se uma pessoa será ou não um mal para a sociedade, a fim de maximizar o bem-estar futuro em cada caso (isto é, fazer o que aqueles no poder desejam). A própria lei se torna sem sentido. E, ao invés de regra geral que protege a liberdade individual, nas mãos de Greene e Cohen, e em nome da neurociência, a lei será usada como um instrumento para a intervenção estatal e para julgamentos arbitrários, destruindo a liberdade.


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Lucretius é um neurobiologista e vive em Mariland, EUA.

1. Greene, J. & Cohen, J. "For the law, neuroscience changes nothing and everything." Philos Trans R Soc Lond B Biol Sci 359, 1775-85 (2004).

2. von Mises, L. Theory and History (Mises Institute, 1957).

3. Wegner, D. M., "Precis of the illusion of conscious will". Behav Brain Sci 27, 649-59; discussion 659-92 (2004).

4. Heberlein, A. S. & Adolphs, R., "Impaired spontaneous anthropomorphizing despite intact perception and social knowledge". Proc Natl Acad Sci U S A 101, 7487-91 (2004).

* Uncaused causers, no original. O sentido aqui é de quem é causa das coisas, mas não é efeito de nenhuma causa, de quem se determina a si mesmo, livremente. É o conceito ligado à expressão causa sui, no sentido escolástico. (N. do T.)


Publicado pelo Mises Institute.