21/09/2005

Um Furacão em Três Atos



Nota: Seguem três artigos sobre furacões nos EUA. Sowell e Rothbard discutem a questão da participação do governo nas emergências nacionais. Sowell discute também a decadência moral dos americanos e a consequente avalanche de saques, estupros e assassinatos em New Orleans. Vale a pena meditar sobre o assunto, ainda mais, na medida em que ele é tratado de maneira tão leviana pela mídia no Brasil.


Reconstruindo New Orleans – e os EUA

Thomas Sowell

A devastação física causada pelo furação Katrina revelou, dolorosamente, a devastação moral de nosso tempo que levou aos saques generalizados em New Orleans, aos assaltos nos abrigos, aos estupros de garotas e aos tiros nos helicópteros de salvamento.

Quarenta anos atrás, houve um grande blackout em New York e em cidades do nordeste americano. Os cidadãos comuns foram para as interseções das ruas para controlar o tráfego. Todos se ajudaram mutuamente. Depois do blackout, a experiência deixou em todos sentimentos muito positivos em relação a seus semelhantes.

Anos mais tarde, outro blackout em New York levou a uma situação muito pior. E o que aconteceu agora em New Orleans foi ainda pior. Existiria uma tendência em tudo isso?

Medo, dor, desespero seriam justificáveis em pessoas cujas vidas fossem devastadas por eventos além de seu controle. Pesar pode ser compreensível naqueles que foram instados a evacuar a área e escolheram ficar. Ainda assim, a palavra que se houve daqueles que permaneceram é “raiva”.

Isso pode ser uma pista, não só para a ruptura da decência em New Orleans, mas para uma ampla degenerescência na sociedade americana, em décadas recentes. Por que as pessoas estão com raiva? E de quem?

Aparentemente, estão com raiva das autoridades governamentais, por não terem sido resgatadas mais cedo, ou melhor cuidadas, ou pela ruptura da lei e da ordem.

Não há dúvida de que, depois que a situação emergencial passar, surgirão muitas coisas que poderiam ter sido mais bem feitas. Mas, quem pode olhar para trás, honestamente, para sua própria vida, sem perceber muitas coisas que poderiam ter sido tratadas de forma mais conveniente? Apenas pensar sobre todos os erros que você cometeu na vida pode ser uma experiência de humildade, se não de humilhação.

Afinal, o governo é apenas um conjunto de seres humanos – políticos, juízes, burocratas etc. Talvez, a razão pela qual ficamos tão freqüentemente desapontados é que esse grupo de pessoas tem feito promessas demais, se aproveitando de nossa excessiva credulidade.

O governo não pode resolver todos os nossos problemas, mesmo em tempos normais, muito menos durante catástrofes da natureza que lembram ao homem o quão pequeno ele é, a despeito de todo o seu eloqüente discurso.

A função mais elementar do governo, a manutenção da lei e da ordem, se rompe quando enchentes e blackouts paralisam o sistema.

Durante os bons ou os maus tempos, a polícia não consegue policiar todo mundo. Ela pode, no máximo, controlar um pequeno segmento social. A vasta maioria das pessoas tem de controlar a si mesmas.

E é aí que entram as grandes tradições morais da sociedade – aquelas tradições morais que é tão elegante escarnecer, tão moderninho violar e que nossas próprias escolas ensinam os jovens a subestimar, dizendo que eles têm de desenvolver seus próprios padrões, ao invés de seguirem o que aqueles velhos bobões, como seus pais, lhes dizem.

Agora podemos ver o quanto custa esses padrões “criados sob medida” na crueldade e na anarquia de New Orleans.

Num mundo em que as pessoas exibem sua “independência”, seu “direito” de desprezar a autoridade moral e, algumas vezes, também a autoridade legal, a tragédia de New Orleans nos lembra o quanto somos, cada um de nós, dependentes, em nossas vidas, de milhões de outras pessoas que sequer vemos.

Milhares de pessoas de New Orleans serão salvas porque milhões de outras pessoas, delas desconhecidas, sentem-se obrigadas moralmente a virem em seu socorro, de todas as partes do país. As coisas que os “inteligentes” e os “sofisticados” escarnecem, são, em última análise, tudo que se interpõe entre nós e a completa devastação.

Qualquer um de nós poderia ter estado em New Orleans. E do que dependeríamos para salvar-nos? Ética situacional? Filosofia pós-moderna? A imprensa? Os advogados? A retórica da intelligentsia?

Não, nós dependeríamos das coisas que vão salvar os sobreviventes do furação Katrina, as mesmas coisas que os “inteligentes” vivem difamando.

New Orleans pode ser reconstruída e os diques podem ser reerguidos. Mas, podem os diques morais ser reerguidos, não só em New Orleans, mas em todo o país?

Publicado por Townhall.com




Fema versus Wal-Mart


Thomas Sowell

Quaisquer que sejam as conclusões das investigações posteriores sobre os erros da FEMA (Agência Federal de Gerenciamento de Emergências) em New Orleans, é improvável que mostrem que as estridentes acusações de racismo sejam algo mais que retórica política irresponsável.

A FEMA fracassou em outras emergências, onde a maioria das vítimas era de cor branca e em outros governos. Como muitos órgãos burocráticos governamentais, a FEMA é a ruína para a política de igualdade de oportunidades.

Muitos dos que pensam que o governo é a reposta para nossos problemas não se preocupam em verificar as evidências. Mas pode ser ilustrativo comparar como a iniciativa privada respondeu ao furacão Katrina e como responderam os governos local, estadual e nacional.

Bem antes do Katrina atingir New Orleans, quando ele era apenas uma depressão tropical na costa da Flórida, o Wal-Mart estava enviando geradores elétricos, garrafas de água e outros suprimentos emergenciais para seus centros de distribuição na costa do Golfo.

E o Wal-Mart não era o único. A Federal Express distribuiu 100 toneladas de suprimentos nas áreas atingidas antes da chegada do Katrina. A State Farm Insurance enviou algo em torno de dois mil agentes especiais para acelerar as solicitações de cobertura de seguros. Outras empresas se lançaram na tentativa de fazer chegar seus produtos e serviços na área atingida.

Enquanto isso, leis impedem que o Governo Federal aja sem a permissão das autoridades estaduais ou locais. Infelizmente, o prefeito de New Orleans e a governadora de Louisiana são de um partido diferente do Presidente Bush, o que pode ter alguma relação com a relutância inicial de tê-lo permitido prestar ajuda e ficar com o crédito político.

Ao final, não houve crédito político para ninguém. Houve apenas acusações mútuas.

A política é apenas uma das inúmeras razões porque os governos não são os melhores gerenciadores da maioria das emergências. E os EUA não são os únicos nesse aspecto.

Há alguns anos atrás, mais de cem marinheiros russos pagaram com suas vidas pela relutância governamental em aceitar uma oferta do governo americano de envio de navios para salvar a tripulação de um submarino russo que estava preso no fundo do mar. Como o mundo veria a situação de marinheiros russos sendo salvos pela Marinha Americana, quando poderiam ter sido salvos pela sua própria Marinha?

A indignação popular na Rússia depois do episódio fez com que o governo russo, mais recentemente, permitisse que especialistas da Marinha Britânica executasse o resgate de marinheiros russos presos num submarino submerso.

Excessos burocráticos podem atrasar ajudas emergenciais. Não é incomum, quando há escassez extrema de alimentos, que a comida enviada por outros países apodreça nos armazéns portuários, enquanto as pessoas morrem de fome no interior, pois a comida não é transportada a tempo.

Em 2001, refugiados da guerra do Afeganistão estavam morrendo de fome, enquanto trabalhadores das agências de ajuda humanitária estavam preenchendo relatórios antes de distribuírem os alimentos. Durante o tsunami no sudoeste da Ásia este ano, os suprimentos de comida, remédio e outros bens necessários vindos do exterior se amontoavam nos aeroportos.

Isso não é verdade em todos os casos. Nada é verdade em todos os casos. Valorizamos altamente aqueles que fazem o máximo para ajudar os outros, em parte porque nem todos agem assim.

Este seria, indiscutivelmente, um mundo melhor se todos nós amássemos nosso próximo como a nós mesmos e agíssemos de acordo com esse preceito.

Mas no mundo real em que vivemos, a questão é qual o conjunto de incentivos tem conseguido fazer melhor o trabalho – e, especialmente, fazer o trabalho mais prontamente quando o tempo pode ser a diferença entre a vida e a morte.

O país não aumenta em nem um centavo os recursos disponíveis, quando esses recursos são canalizados através do governo. Os recursos são, apenas, manejados menos eficientemente por governos e distribuídos de uma forma indiscriminada, que encoraja o povo a continuar vivendo em conhecidos caminhos de previsíveis desastres.

Publicado por Townhall.com



Governo e Furação: Uma combinação mortal

Murray N. Rothbard



Desastres naturais, como furacões, tornados e erupções vulcânicas, ocorrem de tempos em tempos e muitas vítimas desses desastres têm a infeliz tendência de procurar a quem culpar. Ou melhor, procurar quem pagará pela ajuda recebida e pela sua reabilitação. É quando o Papai Governo (um coadjuvante do infeliz pagador de impostos) é chamado, em alto e bom som, para abrir seus bolsos. O último incidente aconteceu depois da devastação do Furacão Hugo, quando muitos habitantes da Carolina do Sul redirecionaram sua ira, do impiedoso furacão, para o governo e sua agência FEMA (Agência Federal de Gerenciamento de Emergências), por não terem enviado mais ajuda, mais rapidamente.

Mas, por que os cidadãos pagadores de impostos A e B devem ser forçados a pagarem por desastres naturais que atingem o cidadão C? Por que o cidadão C e suas companhias privadas de seguros não pagam a conta? Qual é o princípio ético que fundamenta a insistência de que os habitantes da Carolina do Sul, sejam segurados ou não segurados, pobres ou ricos, devem ser subsidiados às expensas de todos nós, pobres ou ricos, que não vivemos na costa atlântica sul, um lugar notório por enfrentar furacões outonais? Realmente, o espirituoso ator que, regularmente, personifica o Presidente Bush no programa televiso Saturday Night Live estava, talvez, mais correto do que ele pensava, quando pontificou: “Furacão Hugo – não tenho culpa.” Mas nesse caso, claro, o governo federal deveria sair do negócio da ajuda emergencial e a FEMA deveria ser abolida imediatamente.

No entanto, mesmo que o governo federal não seja tão culpado assim, outras forças governamentais jogaram no time de Hugo e aumentaram a devastação que ele infligiu. Considere o ponto de vista do governo local. Quando o furacão Hugo chegou, o governo impôs uma evacuação compulsória em muitas áreas costeiras da Carolina do Sul. Então, quase uma semana depois de Hugo ter atingido a região, a prefeita de uma das cidades mais atingidas, Isle of Palms perto de Charleston, proibiu os residentes a retornarem a suas casas para tentar avaliar e reparar os danos.

Como se atreveu a prefeita proibir as pessoas a retornarem à suas casas? Quando ela, finalmente, cedeu, seis dias depois, ainda impôs, na cidade, um toque de recolher a partir de 19h. A teoria por trás dessa afronta é que as autoridades locais estavam “temendo pela segurança dos cidadãos e preocupados com possíveis saques.” Mas os oprimidos residentes de Isle of Palms tiveram uma reação diferente. A maioria deles ficou irritada; um caso típico foi da senhora Pauline Bennett que lamentava que “se pudéssemos ter chegado mais cedo teríamos salvado mais coisas.”

Mas esse não foi, obviamente, o único caso de intervenção do “estado de bem-estar social”, tornando piores as coisas para as vítimas do Hugo. Como resultado da devastação, houve escassez de vários produtos na cidade de Charleston. Respondendo à repentina escassez, o mercado agiu rapidamente para equalizar a oferta e a demanda, por conseqüência, elevando os preços: estimulando o racionamento direto, voluntário e efetivo de bens, abruptamente, escassos. A prefeitura de Charleston, no entanto, rapidamente interveio para impedir a trapaça, o logro, por meio de aumentos abusivos de preço – aprovou, grotescamente, uma legislação de emergência, que tornava crime a prática de preços mais altos do que os existentes antes do furacão Hugo, punível com uma multa máxima de US$200 e um mês de cadeia.

O “estado de bem-estar social” de Charleston substituiu, insofismavelmente, os preços altos por uma aguda crise de escassez de produtos. Os recursos disponíveis foram alterados e mal alocados, longas filas se formaram, tal como na Europa Oriental e tudo isso para que o povo de Charleston pudesse ter a confortável sensação de que, se pudessem encontrar os bens escassos, eles pagariam os precinhos existentes antes da chegada do furacão.

Assim, as autoridades municipais colaboraram com o trabalho de Hugo, intensificando sua destruição, por meio da evacuação obrigatória e da proibição do retorno e agravando a escassez, pela imposição do controle de preços. Mas isso não foi tudo. Talvez, o pior “vendaval” para os residentes costeiros tenha sido a intervenção daqueles inimigos profissionais da humanidade – os ambientalistas.

No ano passado, reagindo às reclamações dos ambientalistas sobre o desenvolvimento de propriedades praianas e o perigo de “erosão das praias” (as praias têm “direitos” também?), o estado da Carolina do Sul aprovou uma lei que restringe severamente qualquer nova construção à beira da praia, ou a substituição de qualquer construção danificada. O furacão Hugo, aparentemente, ofereceu uma oportunidade, enviada pelos céus, para que o Conselho Costeiro da Carolina do Sul tornasse as praias, completamente, livres de seres humanos. O professor de Geologia Michael Katuna, um consultor do Conselho Costeiro, enxergou apenas justiça poética, arrogantemente declarando que “As casas não ficam bem nas praias, lugar onde a Mãe Natureza deseja trazer tempestades e furacões.” E se a Mãe Natureza desejasse que voássemos, ela nos teria dado asas?

Outros ambientalistas foram ainda mais longe, no louvor ao furacão Hugo. O professor Orrin H. Pilkey, geólogo em Duke, que é um dos principais teóricos do movimento “não-construa-na-praia,” criticou os desenvolvimentos imobiliários em Pawleys Island, a nordeste de Charleston, e sua reconstrução depois da destruição promovida pelo furacão Hazel em 1954. “A área é um exemplo de uma zona de alto risco que não deveria ter sido desenvolvida e, certamente, não deveria ter sido reconstruída depois da tempestade.” Pilkey agora chama Hugo de “um furacão muito oportuno”, que demonstra que as praias devem ser devolvidas à Natureza.

Gered Lennon, geólogo do Conselho Costeiro, expressou-se sucintamente: “Por mais desastre que o furacão tenha causado, ele pode ter tido um resultado saudável. Espera-se que ele restrinja alguns desenvolvimentos imobiliários imprudentes ao longo da costa.”

A atitude olímpica dos líderes ambientalistas contrastou, fortemente, com a visão dos residentes que tiveram suas propriedades destruídas. A senhora Bennett expressou o ponto de vista dos moradores de Isle of Palms. Determinada a reconstruir no mesmo lugar, ela observa: “Não temos escolha. Isso é tudo que temos. Temos de ficar aqui. Quem vai comprar nosso imóvel?” De certo, não a elite ambientalista da Carolina do Sul. Tom Browne, de Folly Beach, encontrou sua casa destruída pelo furacão Hugo. “Não sei se serei capaz de reconstruí-la ou mesmo se o Estado vai me permitir fazê-lo,” reclamava Browne. A lei, ele observa, está confiscando a propriedade sem indenização. “Isso há de ser inconstitucional.”

Precisamente. Pouco antes de Hugo chegar, David Lucas, um proprietário de Isle of Palms, ganhou uma ação de US$1,2 milhões contra o estado de Carolina do Sul. O tribunal decidiu que o estado não podia negá-lo o direito de construir em sua terra, sem a devida compensação. E os ambientalistas da Carolina do Sul não serão capazes de obrigar os pagadores de impostos a se responsabilizarem pelas enormes compensações financeiras advindas da proibição da reconstrução de todos os imóveis destruídos pelo furacão Hugo.

Skip Johnson, um ambientalista consultor da Carolina do Sul se preocupa: “será um pesadelo real.” As pessoas vão querer reconstruir e seguir com suas vidas. “O Conselho Costeiro e seu pessoal”, Johnson lamenta, “vão ter muito trabalho.” Esperemos que sim.



Artigo recentemente republicado em LewRockwell.com. Originalmente publicado na The Free Market, em dezembro de 1989.

11/09/2005

Cidadania Empresarial: Um Imposto Disfarçado

Richard Teather


Responsabilidade Social Corporativa é o novo campo que uniu uma variedade de grupos de ativistas, incluindo ambientalistas, defensores dos pobres, instituições de caridade para o Terceiro Mundo e sindicatos, num clamor coletivo para que os empresários apóiem sua agenda. Esses ativistas se encontram até, em raras oportunidades, entre proeminentes membros da comunidade empresarial.

Caridade realizada por empresários tem uma longa história, apesar de que, no caso de grandes corporações, com grande número de acionistas, essa atitude carregue o risco moral de executivos comprarem respeitabilidade social com o dinheiro alheio. Uma posição moral e socialmente superior seria os acionistas receberem seus dividendos e eles próprios apoiarem ações de caridade.

No entanto, Responsabilidade Social Corporativa é considerada mais do que isso: associada ao conceito de “Cidadania Empresarial”, ela requer que todo o conjunto de ações da companhia seja executado com um olho em seu impacto social; no ambiente, nos empregados e nas “comunidades” locais e globais.

“Cidadania Empresarial” é claramente um falso conceito; uma companhia é uma entidade legal, não uma pessoa, e não pode ter crenças e princípios morais que a faça um cidadão em qualquer aspecto significativo. Ao contrário, essas crenças e princípios residem nas pessoas reais; nos acionistas da companhia, nos empregados, nos clientes e, de maneira mais influente, nos dirigentes da empresa. Cidadania Empresarial, portanto, carrega os mesmos riscos morais que a caridade empresarial; ela é um processo através do qual os diretores da companhia impõem seus princípios morais aos outros.

Ironicamente, um novo argumento tem sido levantado em apoio à Responsabilidade Social Corporativa, que explica muito da sua aprovação pelo setor empresarial. Como as companhias competem por capital, por atrair e manter recursos humanos e por comercializar produtos, aqueles que são considerados apoiadores dos valores e objetivos dos investidores, trabalhadores e consumidores terão uma vantagem comercial.

Algo disso já tem sido visto (Ben & Jerry’s nos EUA e Body Shop, uma cadeia de cosmésticos que se anuncia como uma empresa com preocupações ambientais, na Inglaterra.), mas os proponentes da Responsabilidade Social Corporativa afirmam que a crescente consciência do público sobre as questões sociais e ambientais levará essa prática, ainda localizada, a se generalizar.

Como um bom liberal e defensor do auto-interesse esclarecido, posso apoiar a Responsabilidade Social Corporativa nesse sentido. Posso até aceitar que haja um papel para os grupos de pressão na promoção do esclarecimento (desde que os executivos não se esqueçam de verificar se a suposta demanda realmente exista).

Entretanto, os ativistas, apoiados por governos (particularmente na Europa), vão além disso. Se as companhias não parecem dispostas a agir da maneira considerada adequada, então serão forçadas a fazê-lo (o que um colega, Bill Maugham, costuma chamar da escola de governo “coopere ou então ...”).

A força pode vir da lei “dura” (legislação ou limitações regulamentares) ou da lei “flexível” (tal como códigos de conduta voluntários), mas mesmo esta é somente adotada sob a ameaça da legislação. O efeito é o mesmo; companhias são forçadas a executarem ações que elas não acreditam serem comercialmente justificáveis.

Os defensores da Responsabilidade Social Corporativa dizem freqüentemente que isso é meramente uma versão atual da oposição à escravidão ou à poluição dos rios, práticas supostamente adoradas pelo capitalismo do século XIX. Isso é incorreto, pois, tudo isso seria (ou foi) resolvido pelo auto-interesse esclarecido operando sob o domínio da lei, com a proteção para os direitos de propriedade (i.e. dentro do mercado livre propriamente definido).

Mesmo a escravidão foi denunciada por Adam Smith utilizando argumentos econômicos racionais e na Inglaterra ela foi declarada inválida no século XVIII por não obedecer às condições contratuais do direito consuetudinário.

A negação das liberdades fundamentais, ou a produção de danos incontestáveis, são, portanto, evitadas por regras aceitas há muito como sendo os fundamentos do livre mercado. (A questão particular de companhias operando em países sem um sistema legal ou de proteção dos direitos fundamentais de propriedade é um assunto diverso que pretendo abordar num artigo posterior.)


Ineficiência Econômica


O primeiro problema com a Responsabilidade Social Corporativa é que ela é economicamente ineficiente. Num mercado livre, as empresas maximizam seus lucros deslocando recursos de aplicações menos valorizadas para as mais valorizadas, provendo o que os consumidores desejam. Em contraste, se as ações são forçadas por regulamentação, então os governos exigem que recursos sejam gastos em serviços que o público não valoriza, ou que não valoriza tanto que voluntariamente pague seus custos totais.

Os recursos são, então, desviados para resultados de menor valor, levando a uma redução geral do bem-estar. Isso é feito em benefício de políticos, burocratas ou seus grupos de apoio.

Mas isso envolve mais do que Economia; há um princípio democrático fundamental em risco. O mercado é essencialmente uma democracia totalmente participativa, no verdadeiro sentido ateniense. Quase todos os cidadãos estão envolvidos no mercado e suas escolhas e preferências influenciam os produtos oferecidos. Se o público realmente deseja os supostos benefícios oferecidos pela agenda da Responsabilidade Social Corporativa, no sentido de estar preparado a pagar por ela, então o mercado irá, sem demora, provê-los.

Em contraste, governos atuais estão, nas melhores democracias representativas, abertos a influências indevidas de grupos de interesse cuja representatividade é pífia (Num recente artigo no Salisbury Review londrino, mostrei que, nas últimas eleições gerais na Inglaterra, os não votantes foram o maior grupo em quase 80% das regiões eleitorais).

A escolha é, portanto, entre uma perspectiva baseada no mercado, que oferece o que as pessoas desejam, e uma diretiva governamental sob a qual os valores de uma minoria são impostos ao público em geral. E pior ainda, muitas das questões que vem à tona no debate sobre a Responsabilidade Social Corporativa, particularmente as relativas ao ambientalismo, são aquelas nas quais uma influente e relativamente afluente classe média impõe o alto custo de sua agenda sobre os trabalhadores que não a desejam e não podem sustentá-la.


Imposto Stealth?


A paisagem política tem se caracterizado recentemente por uma benéfica má vontade do eleitorado com relação a aumento de impostos. No entanto, os políticos obviamente ainda procuram aumentar seu poder e influência, o que demanda dinheiro. Assim, aumentos de impostos têm ocorrido através de métodos ocultos, seja na forma de novos impostos setoriais sobre a venda de produtos, seja com mudanças técnicas na lei fiscal.

O governo socialista de Blair, na Inglaterra, tem uma particular habilidade com tais métodos, e seus esforços têm sido chamados pela oposição conservadora como “impostos stealth” (supostamente similares ao bombardeiro stealth americano, eles não aparecem no “radar” do eleitorado).

O perigo é que a agenda da Responsabilidade Social Corporativa, caso se afaste do modelo do auto-interesse esclarecido e voluntário, torne-se outra forma de imposto.

Governos podem atingir seus objetivos (e satisfazer seus clientes) aumentando impostos e pagando pelas mudanças que eles desejem, ou alternativamente, eles podem atingir o mesmo resultado por meio de regulamentações. Se há resistência ao aumento de impostos, os políticos tendem a se voltarem para esse último procedimento.

Isso levanta uma discussão econômica adicional sobre os lugares corretos e mais eficientes sobre os quais essa carga cairá, mas isso terá que ser deixado para um outro artigo.


Conclusão


A economia, e a sociedade na qual ela opera, se defronta com uma escolha. Ela pode seguir o princípio do auto-interesse esclarecido dentro de um sistema legal, que melhor assegura os reais objetivos da população (i.e. aqueles que ela deseja a ponto de estar preparada para pagar por eles). Por outro lado, pode-se trilhar o caminho da regulamentação, pelo qual os políticos e os mais barulhentos grupos de interesse impõem seus pontos de vista aos outros.

Por mais instruídos e desinteressados que sejam esses grupos de interesses especiais, sei em qual sociedade eu preferiria viver.






Este artigo foi publicado na página do Ludwig von Mises Institute em 05/08/2003. Richard Teather é professor de Legislação Fiscal na Universidade Bournemouth, Inglaterra.