Na edição desta semana (Edição 2055, 9 de abril de 2008), a reportagem de capa da Veja é: O mal – Uma investigação filosófica, psicológica, religiosa e histórica sobre as origens da perversidade humana.
O título é assaz pretensioso para uma reportagem de 4 míseras páginas. Entendo que, por razões mercadológicas, a revista limite suas reportagens. Mas que ela então limite também seus títulos.
A reportagem se concentra nos casos de maldade contra crianças, mas não consegue esconder seu anti-americanismo notório ao ajuntar num mesmo parágrafo o que ela chama de “infame caso de tortura em Abu Ghraib” e o Tribunal de Nuremberg, “que julgou líderes nazistas, não aceitava a obediência a ‘ordens superiores’ como justificativa para crimes de guerra”. Que maneira mais sutil de igualar a invasão do Iraque à invasão hitlerista da Europa!
A investigação histórica mencionada no título fica relegada a uns quadros que aparecem ao pé de três das quatro páginas da reportagem, com o título Um Enigma Profundo: os principais marcos na história do pensamento sobre o mal.
A primeira frase do primeiro quadro (O mal na religião) é um pouco ambígua: “Todas as religiões compreendem alguma força de desordem ou destruição – o Mal”. Meu “Aurélio” me diz que compreender pode significar “conter em si, constar de, abranger, incorporar, englobar, incluir” e também “alcançar com a inteligência, atinar com, perceber, entender”.
Desconfio, e logo digo a razão, que a Veja quer dizer que “todas as grandes religiões” contêm em si, incorporam, incluem, “alguma força de desordem ou destruição” como explicação para a origem do mal do mundo. Falo isso porque tenho a convicção que todos que, atualmente, não são católicos conhecedores da tradição da Igreja, tendem para uma forma ou outra de Gnose. A Gnose é uma antiqüíssima idéia de que há, no mundo, a ação, ou a guerra de dois deuses: o do Bem e o do Mal. Acho assim, mais provável a explicação gnóstica do verbo compreender usado pela Veja.
Hoje em dia, as pessoas professam a gnose sem o saber. Existe uma bibliografia enorme a respeito, começando pelo Adversus haereses de Santo Irineu, onde o autor dá nome à coisa, a descreve nos mínimos detalhes e depois apresenta argumentos contrários á gnose. É um livro obrigatório para a compreensão da doutrina gnóstica.
Mas, atenção: a gnose é apenas uma das várias tentativas que o homem inventou para explicar a presença do mal no mundo. Existem outras que menciono mais abaixo. A Veja identifica a origem das idéias gnósticas (sem dar o nome à coisa) no Zoroastrismo que, diz a revista, “pode ter influído sobre o judaísmo e o cristianismo”. Logo depois, fala sobre o Gênesis, como a sugerir uma certa continuidade do Zoroastrismo. Menciona a serpente de Éden e nos avisa que “o Satã do Antigo Testamento ainda não é exatamente um opositor malévolo de Deus”. O “ainda” da frase é totalmente gnóstico, pois, para nós católicos, o demônio nunca foi opositor de Deus. Ele é apenas um ser criado e só atua quando Deus assim o permite. O demônio só é um opositor de Deus na Gnose, onde ele assume o estatuto de criador. Para o católico, não há opositor a Deus, mas apenas quem não aceita Seus desígnios. Deus é o Ser Supremo: “Eu sou Aquele que sou”.
A revista cita ainda Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino sem lhes dar a devida importância, como dois dos que tentaram explicar a presença do mal no mundo. Cita ainda Leibniz, Darwin, Aristóteles, Maquiavel, Kant, Nietzche, Arendt. Como fechamento da parte histórica, cita a neurociência e o mapeamento cerebral dos psicopatas.
A neurociência, usando a autoridade que a ciência adquiriu no último século de dar palpite em tudo, tenta reduzir todos os valores morais à pura química cerebral. Seria útil ler A Neurociêcia Refuta o Livre-Arbítrio e A Neurociência Refuta a Ética. Não é pouco significativo que a Veja tenha terminado a seção sobre “os marcos na história do pensamento sobre o mal” com a referência à neurociência. A idéia é mesmo que a ciência vá resolver o problema do Mal no homem. Isso já não é gnose, mas o mais irredutível materialismo adicionado a quantidades industriais de soberba.
O que dizer da historinha que a Veja nos conta. Bem, além do que eu já disse, digo ainda que ela é mais significativa pelo que ela não nos conta. Fico aqui apenas com o mais significativo evento que ocorreu na História da Humanidade em relação à organização institucional das forças do mal contra a civilização humana. Trata-se da heresia que foi chamada de Albigense, ou a heresia dos cátaros. Esse foi um movimento herético medieval que quase triunfou e se assim tivesse acontecido, a civilização teria perecido. Não mencionar um evento de tais proporções numa história dos marcos sobre o mal é não entender a essência do mal. É comum que quem não entende a essência do mal fique abestalhado com a sua diversidade: “Qual é o teu nome. Ele respondeu: Legião!” (Lc. 8,30). Mas para compreender a essência do mal é preciso ter a graça do “discernimento dos espíritos” de que nos fala São Paulo (I Cor. 12, 10). E quem de nós tem essa graça atualmente?
Antonio,
ResponderExcluirvocê recomenda alguma leitura que fala sobre o mal e o demônio mais especificamente? Ainda não tenho idéias claras sobre o porque Deus permite a ação do demônio no mundo.
Caro Marcelo,
ResponderExcluirOs livros cristãos definitivos sobre o mal são:
1. O Livre-Arbítrio, de Santo Agostinho (Ed. Paulus); e
2. Sobre o Mal, de Santo Tomás de Aquino (Ed. Sétimo Selo, coleção em quatro volumes, só o primeiro publicado. Edição bilingue).
Se você quiser um texto mais elementar, leia o capítulo 2 (A invasão) da parte II do extraordinário livro de C.S. Lewis intitulado Mero Cristianismo (Cristianismo Puro e Simples, Ed. Martins Fontes)
Um abraço.
Antônio Emílio Angueth de Araújo.
Caríssimo Antonio,
ResponderExcluirViva Cristo Rei!
Salve Maria!
Ando acompanhando o vosso blog a algum tempo, e tenho apreciado muito, sobre tudo as traduções de Hilare Belloc sobre a questão das heresias! Interessantíssimo!
O presente texto, a respeito do mal, é de suma importância, pois é sábido que um dos maiores trunfos do demônio é fazer-se passar desapercebido, as vezes até como "inexistente".
De qualquer forma, queria que soubesse que acompanho o vosso blog e sempre fico contente com as devidas atualizações, uma vez que já li quase todo o seu conteúdo.
Quanto as traduções do Thomas, eu tenho acompanhado pelo Mídia Sem Máscara, e por falar nisso, é de lá que tomei contato com o vosso site.
Gostaria de manter contato com o amigo, meu e-mail é luizhenriqueramos@hotmail.com , se puder me adicionar (caso tiver msn) ou me enviar algum e-mail... É que estou fazendo um trabalho monográfico sobre a lei moral natural, e gostaria de algumas dicas, autores enfim, tu tens uma bagagem muito interessante!
Luiz Henrique Dezen Ramos
"A neurociência, usando a autoridade que a ciência adquiriu no último século de dar palpite em tudo, tenta reduzir todos os valores morais à pura química cerebral."
ResponderExcluirÉ verdade,caro Professor Angueth1Infelizmente o ateísmo militante vem com tudo,armado com o reducionismo,próprio da Ciência,para arrotar um "conhecimento" incipiente,diante da magnitude e amplitude,que é o Mundo criado por Deus,e não pelo acaso,como ACREDITAM os ateístas e materialistas,chamados de cientistas-arrogantes e pretensiosos DONOS da "Verdade"!!!É de rir,mas estes "cientistas" tem fé-sim,ou o ateísmo não,também,uma crença na não-existência de um Criador do Universo e do próprio Homem?-,pois acreditam que a vida surgiu através de bolinhas(átomos,mol-eculas,etc.)que,POR A-C-A-S-O se uniram e,BUM:eis a "origem" da vida!!!Simples,não?!!!Que piada!!!
Continue com este seu maravilhoso blog e seu excelente trabalho,caro Professor Angueth!!!
Um abraço!!!
KIRK (Porto Alegre - RS)
"A neurociência, usando a autoridade que a ciência adquiriu no último século de dar palpite em tudo, tenta reduzir todos os valores morais à pura química cerebral."
ResponderExcluirÉ verdade,caro Professor Angueth1Infelizmente o ateísmo militante vem com tudo,armado com o reducionismo,próprio da Ciência,para arrotar um "conhecimento" incipiente,diante da magnitude e amplitude,que é o Mundo criado por Deus,e não pelo acaso,como ACREDITAM os ateístas e materialistas,chamados de cientistas-arrogantes e pretensiosos DONOS da "Verdade"!!!É de rir,mas estes "cientistas" tem fé-sim,ou o ateísmo não,também,uma crença na não-existência de um Criador do Universo e do próprio Homem?-,pois acreditam que a vida surgiu através de bolinhas(átomos,mol-eculas,etc.)que,POR A-C-A-S-O se uniram e,BUM:eis a "origem" da vida!!!Simples,não?!!!Que piada!!!
Continue com este seu maravilhoso blog e seu excelente trabalho,caro Professor Angueth!!!
Um abraço!!!
KIRK (Porto Alegre - RS)
Apreciei vivamente o s/ postal.
ResponderExcluirTenho curiosidade em perceber porque é que eleva a heresia Albigense ao «mais significativo evento que ocorreu na História da Humanidade em relação à organização institucional das forças do mal contra a civilização humana»
Não quer desenvolver essa ideia, ou indicar uma hiperligação para local onde já o tenha feito?
Caro Pedro Cruz,
ResponderExcluirEstou traduzindo neste blog um livro de Hilaire Belloc intitulado As Grandes Heresias. Ele tem um capítulo especial sobre a heresia albigense.
Minha tradução está muito lenta, reconheço, e talvez demore um pouco até que eu consiga traduzir o capítulo em questão. Contudo, quando isso ocorrer, ficará claro a minha afirmação de que essa heresia foi o maior movimento institucionalizado do mal contra a humanidade.
Um abraço. Antônio Emílio.
Lembro quando conversava com colegas certa vez e um deles ressaltou as experiências de “quase-morte” para atestar a imortalidade da alma e a independência entre consciência e cérebro. Um fulano então contestou, apontando para estudos cerebrais que afirmavam a experiência de “quase-morte” ser nada mais que um truque eletroquímico cerebral. Aí não consegui mais ficar quieto.
ResponderExcluirPois bem, em primeiro lugar, falamos de explicações possíveis. É impossível afirmar que a experiência é uma ilusão eletroquímica. Mas sim que ilusões eletroquímicas se parecem, eletroquimicamente, com a experiência, obviamente. O método de observação escolhido observa aquilo que lhe é próprio; bidú! Mas quando se mede atividade elétrica no cérebro isto não prova a falsidade de qualquer experiência, muito pelo contrário. Pois é justamente sobre a medição de atividade que se construiu toda a teoria da área. A descoberta de atividade elétrica apenas comprova a realidade da experiência. Martelar o dedo envia um sinal elétrico até o cérebro, que reage eletricamente à dor. Medir tal atividade não quer dizer que marteladas no dedo não existem, que dor não existe. Ora, que estupidez é essa que inverte a própria neurociência quando se trata desta matéria? Desonestidade pura: o sujeito decide o que existe e não existe de maneira absolutamente arbitrária, baseando-se nos seus gostinhos pessoais mais vis e mesquinhos, tão distante da busca sincera da verdade.